'Garantia constitucional'

'Agora cabe ao senado rejeitar o projeto que flexibiliza a CLT'

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7 de dezembro de 2001, 13h40

Da aprovação do projeto na Câmara dos Deputados e suas conseqüências

Após o período de obstrução praticado pela própria base parlamentar de sustentação ao governo, o projeto de lei 5483.2001, que dá prevalência ao negociado sobre o legislado, acabou por ser aprovado pela Câmara no início da noite da terça-feira (04.12.2001), em tumultuada sessão onde votaram 479 deputados, sendo que 264 foram favoráveis ao projeto, 213 se posicionaram contrariamente e dois se abstiveram. Agora o PL segue para apreciação no Senado.

Para a obtenção desse resultado, o governo neoliberal do FHC, colocou na rua toda a sua tropa de choque, ministros, governadores, empresários, como forma de “pressionar” os parlamentares de sua base aliada a votar num projeto antipopular, submetendo sua base aliada a um confronto direto com a representação dos trabalhadores, contrários à aprovação do Projeto (OAB, ABRAT, ANAMATRA, ANPT, sindicatos, centrais sindicais, dentre outras entidades diversas que se mobilizaram para manifestação do seu repúdio à referida alteração).

Aprovado o Projeto, já no dia seguinte (05.12.2001), o Correio Braziliense NOTICIA NA PRIMEIRA PÁGINA que o CUSTO da aprovação do projeto, para o Governo, foi de quase R$ 800 mil destinados a Força Sindical e R$ 5,1 MILHÕES concedidos aos deputados em emendas então apresentadas ao orçamento da União. Denúncia esta que se confirmada, certamente servirá de mais um dos fundamentos ao ajuizamento da Adin perante o STF, tornando ILEGÍTIMA A VOTAÇÃO, por vício de vontade.

Celso soares, do Rio de Janeiro, ex-Presidente da Abrat, examinando os efeitos perversos do Projeto aprovado pela Câmara conclui que: O projeto 5.483 “não” altera o artigo 618/CLT. Na verdade, pode “nem estar aí” para ele. O que ele faz? Rompe, quebra, implode, destrói, detona os PRINCÍPIOS do Direito do Trabalho, sendo que a indisponibilidade e a irrenunciabilidade, vão estar em livros que nós iremos ler para as próximas gerações, dizendo como era o direito do trabalho no século “passado”. Mas, os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade são garantias intrínsecas do tipo de sociedade que desejamos, capitaneadas por um Estado protetor que intervém no mercado para garantir um necessário equilíbrio entre a desigualdade existente entre a força do trabalho e o capital, assegurando a prevalência de uma legislação mínima de sustento ao trabalhador, deixando para os acordos e CCT a discussão das novas conquistas complementares de melhores condições de vida e de salário. Tais direitos estão no mesmo patamar da defesa ao negro, à criança, ao deficiente físico, ao consumidor etc “etc.”.

Da necessidade do restabelecimento da prevalência do social assegurado pela Carta Política vigente

Há que se reagir contra essa idílica visão economicista traçadas pelas políticas neoliberais da última década, que após a queda do muro de Berlim, mudou de rumo. Ao invés de se persistir nos caminhos da busca do pleno emprego, inverteu-se as prioridades, ao abandonar esse objetivo, “à medida que as teorias neoliberais passaram a acentuar uma espécie de relação perversa entre pleno emprego e inflação, disseminando conceitos deletérios como o de uma taxa natural de desemprego ou a existência de milhões de inempregáveis. Temos que reagir e voltar ao ideal da busca do pleno emprego” (Rubens Ricúpero, Folha de São Paulo, 04.11.2001).

Resta-nos, portanto, agora, que o Senado, faça prevalecer os primados constitucionais vigentes, não permitindo que o Governo Federal, representado na figura de Presidente, continue a violentar a Constituição cidadã que jurou respeitar, passando a exercer plenamente a soberania nacional, como o inalienável direito dos povos livres (CF, art. 1º, inciso I), cumprindo o primado da prevalência do social em detrimento do mero interesse particular do lucro, fazendo valer o reconhecido papel do Estado como um “ser ecológico”, que se ocupa com as pessoas, com a saúde, com a educação, com a segurança, com o meio ambiente – um Estado gestor da vida – já que o mercado não se ocupa disso. Que se faça prevalecer a vida sobre os bens!!!

Sobre este mesmo assunto, leia, ainda, o magnífico artigo recém-elaborado por pelo jurista Jorge Luiz Souto Maior, que também, além de juiz do Trabalho e Titular da 3ª Vara de Jundiaí/SP, é ainda professor Universitário e Livre-Docente em Direito do Trabalho pela USP.

ALTERAÇÃO DA CLT: UM ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO.

Jorge Luiz Souto Maior

Recente pesquisa publicada no jornal, Folha de São Paulo, edição do dia 02 de dezembro, indica que a maioria dos paulistanos está a favor da alteração da CLT, mas a mesma pesquisa alerta para o fato de que a maior parte da população não está esclarecida quanto ao que se passa. Pois bem, o que está acontecendo é que existe um projeto de lei, sendo votado no Congresso Nacional, em regime de urgência, pelo qual se busca alterar o texto do artigo 618, da CLT. Se aprovado tal projeto, o artigo 618 passará a conter o seguinte teor: “As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho”.


O projeto foi votado e aprovado na Câmara dos Deputados, no último dia 04 de dezembro, mas ainda precisa de aprovação no Senado Federal e sanção do Presidente da República antes de ser publicado e, finalmente, entrar em vigor.

Esta alteração na CLT significaria, em termos concretos, que sindicatos de trabalhadores e sindicatos de empregadores, ou sindicatos de trabalhadores e empresas, diretamente, poderiam firmar instrumentos normativos (convenção coletiva ou acordo coletivo) nos quais se fixassem cláusulas estabelecendo direitos inferiores àqueles previstos na legislação trabalhista, com exceção das normas relativas à saúde e segurança do trabalhador.

O respeito às normas Constitucionais, conforme previsto no novo texto do artigo em questão, dependendo do alcance que se venha a dar aos preceitos da Constituição, pela via da interpretação, pode não se constituir um grande obstáculo à negociação coletiva, pois apesar de boa parte dos direitos trabalhistas se encontrar na Constituição, o fato é que as especificações destes direitos estão fixadas na legislação infraconstitucional.

Por exemplo, a Constituição garante o direito a férias, mas é a lei que especifica que estas têm duração de 30 (trinta) dias e que serão obrigatoriamente concedidas após 12 meses de duração do contrato de trabalho. Assim, seguindo-se, unicamente, os critérios de uma interpretação literal, a negociação coletiva poderia, sem desrespeitar a Constituição, fixar férias de 10 (dez) dias anuais.

Sabendo-se que os sindicatos sempre foram livres para negociar condições de trabalho mais favoráveis do que aquelas previstas na lei, não é difícil constatar, portanto, que a verdadeira novidade, que está embutida no presente projeto de lei, é a idéia de que se devem diminuir as garantias legais do trabalhador.

O argumento favorável a esta idéia se apóia no pressuposto de que a legislação trabalhista é atrasada e que não permite que os “parceiros sociais” regulem seus próprios interesses como ocorre nos “países de primeiro mundo”.

O argumento, no entanto, não pode prevalecer. Em primeiro lugar, a legislação trabalhista brasileira, se comparada com a de outros países, só poderia ser considerada atrasada por ser ela flexível demais.

Raros são os países, por exemplo, em que se permite ao empregador dispensar seus empregados sem qualquer motivação, como ocorre ainda, infelizmente, no Brasil. Em segundo lugar, a regulação dos próprios interesses pelos “parceiros sociais” nos ditos países “do primeiro mundo” se faz somente como complemento dos direitos inscritos na legislação e não como forma de derrogar o texto legal.

Há, a bem da verdade, países, como os Estados Unidos e o Canadá, onde a legislação trabalhista praticamente não existe e assim o poder de negociação entre empregadores e empregados é mais amplo, mas isto não significou, especialmente nos Estados Unidos, a construção de relações de trabalho justas e equânimes.

Pelo contrário, a intensa campanha, patrocinada por conglomerados econômicos, a partir do final dos anos 70, para a desindicalização dos trabalhadores, representou que hoje em dia menos de 13% dos trabalhadores americanos são sindicalizados e que os outros 87% simplesmente não possuem qualquer regra de proteção trabalhista.

O trabalhador americano não é amparado por um sistema de saúde pública; não é integrado a um instituto público de aposentadoria; tem visto sua carga trabalho aumentar consideravelmente nos últimos vinte anos; quando muito consegue negociar com seu empregador férias de 16 (dezesseis) dias anuais; não possui repouso durante o trabalho; cumpre horas extras sem qualquer limitação; e cada vez mais é inserido ao mercado de trabalho mediante um, dois e até três contratos temporários ou a tempo parcial. E esta situação não representou, também, fator de orgulho para a nação americana.

O seu inegável crescimento econômico não foi acompanhado de um desenvolvimento humano, pois nos Estados Unidos é onde vive o mais alto percentual de pessoas pobres de todo o primeiro mundo.

Ademais, analisando-se atentamente a legislação trabalhista brasileira, sem o fantasma da ideologia, que insiste em assombrar a relação capital-trabalho, vê-se que os direitos do trabalhador, previstos na nossa legislação, já são as garantias mínimas e inalienáveis de um trabalho digno.

Defender, então, a possibilidade de redução desses direitos, com qual finalidade? Para acabar, concretamente, com o direito de férias? Para eliminar o 13º salário, que é, paradoxalmente, uma fonte de esperança para o mercado interno? Para reduzir o FGTS, que já foi um assalto realizado em 1967 ao direito à estabilidade no emprego? Para acabar com os períodos de descanso durante a jornada, aumentando o desgaste físico e psicológico no trabalho? Para reduzir o salário, que já é, em média, um dos mais baixos e desiguais do mundo? Para permitir uma redução de jornada, sem qualquer controle da carga de trabalho?


E tudo isto para favorecer a quem? Alega-se que os beneficiários seriam os próprios trabalhadores. Argumenta-se, que a redução de direitos trabalhistas permitiria às empresas obterem maior saúde econômica e que assim poderiam elas “empregar” mais pessoas ou evitar as dispensas.

O argumento, também, não prevalece. Ora, de onde vêm os lucros das empresas? Do baixo custo? Ilusão! O lucro advém do ganho. Mesmo sem custo algum, nenhuma empresa pode ter lucro se não possui receita. Reduzir o ganho do trabalhador, representa diminuir o consumo, significa, portanto, acabar com o mercado interno, eliminando a possibilidade real de lucro das empresas (as pequenas e médias) que dependem deste consumo interno. Uma redução de ganhos do trabalhador só interessa, portanto, às grandes empresas que produzem para o mercado externo.

Além disso, a experiência prática das novas formas de contratação de trabalho, que permitem uma redução do custo do trabalho, tem demonstrado que não se tem criado novos empregos e sim eliminado os empregos que existiam.

Os incentivos fiscais, dados pelos Estados às grandes empresas, têm apenas aumentado os problemas sociais regionais. E, as formas precárias de contratação têm aumentado enormemente os acidentes e as doenças no trabalho, provocando um altíssimo custo para a sociedade, no que se refere aos benefícios previdenciários que daí decorrem.

É esta a sociedade que estamos construindo. Uma sociedade cada vez mais injusta, onde as diferenças sociais são cada vez mais marcantes. A necessidade econômica e a desesperança de grande parte da população estão criando uma espécie de sub-raça humana; pessoas que perderam a sua dignidade e que não se identificam mais como cidadãos, e que ao invés de defenderem os seus direitos inscritos na Constituição, aceitam pacificamente a eliminação desses direitos em troca de comida.

É preciso, portanto, buscar as saídas para os nossos problemas econômicos e sociais de outro modo. O empobrecimento da classe trabalhadora, decididamente, não engrandece ou enobrece a nossa nação.

Mesmo que considerássemos válida a idéia de que é preciso aumentar o espaço para a negociação entre trabalhadores e empregadores, seria necessário, antes, que se criassem as condições necessárias para que a livre negociação se desenvolvesse em ambiente de boa-fé, o que requer dois requisitos essenciais: garantia de emprego contra dispensas arbitrárias e liberdade sindical ampla.

Do contrário, o trabalhador continuará sendo representado por alguns sindicatos fantasmas, e negociando sob a pressão da “chantagem” do desemprego. Lembre-se o recente exemplo da negociação realizada pela Volkswagen “do Brasil” com seus empregados.

Uma negociação que se desenvolveu, todos vimos, do seguinte modo: dispensaram-se, simplesmente, 3.000 trabalhadores, sem qualquer motivação, e, em seguida, condicionou-se a sua volta ao trabalho à concordância com a redução de 15% do valor dos salários. É esta a negociação “moderna” que se pretende legitimar nas relações de trabalho pela presente reforma da CLT. Mas, podemos estar a favor disto?

Em vez de estarmos atacando publicamente o direito do trabalho, deveríamos estar discutindo quais seriam, efetivamente, as medidas necessárias para cumprir o dever constitucional da criação de uma verdadeira política de emprego (art. 170, inciso VIII, da CF) e para garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, inciso, II, da CF).

Para tanto, apenas a título de exemplo, poderíamos estar debatendo, aberta e democraticamente, algumas iniciativas neste sentido como: o incentivo à produção agrícola, acompanhada de uma justa e efetiva reforma agrária; a criação de verdadeiras linhas de crédito privilegiadas para pequenas e médias empresas (que são as maiores geradoras de empregos); a concretização da antiga promessa do ajuste fiscal (eliminando os absurdos de um sistema que impõe custos aos produtores e aos trabalhadores e beneficia a especulação financeira); o aprimoramento da indústria do turismo; a reconstrução do sistema público de ensino, nos níveis fundamental e médio, evitando o desmanche do ensino público de nível superior.

No entanto, estamos sendo conduzidos a discutir, unicamente, uma reforma legislativa que se baseia na idéia de que é necessário reduzir o ganho do trabalhador.

Vale reparar que sequer se põe em discussão aquilo que representa, efetivamente, um custo para o pequeno e médio empregador, que são a carga tributária e as contribuições previdenciárias (cujo custeio, que não deve ser abandonado, em hipótese alguma, poderia ser repensado e inserido na discussão em torno do ajuste fiscal).

Com a presente desmoralização pública que se faz dos direitos trabalhistas, incentivada por parte da mídia, acaba-se simplesmente fazendo com que a população acredite que os problemas sociais e econômicos de nosso país não são responsabilidade do Estado e, por via indireta, dos governantes, mas de uma lei trabalhista, que apelidam de “retrógrada”.

Uma discussão que apenas aumenta a tensão entre o capital e o trabalho; elimina o pouco que resta da ética e do respeito mútuo nas relações de trabalho; provoca uma maior insegurança no seio da sociedade; agrava o problema social, pois deixa de lado as suas verdadeiras causas; e, pior, mascara responsabilidades.

Era este o esclarecimento que me parecia importante fazer, para que não fiquemos cegamente envolvidos em uma discussão baseada em dados irreais ou simplesmente irrelevantes e que nos conduz de todo modo a um resultado perverso, qual seja, a alienação quanto aos verdadeiros problemas que nos cercam.

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