Direito Penal

Professor orienta alunos sobre a relação de causalidade

Autor

6 de dezembro de 2001, 11h46

O presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de orientar os alunos de Direito Penal sobre as teorias existentes acerca da relação de causalidade, bem como sobre a(s) teoria(s) adotada(s) em nosso País.

Estudar o assunto é um trabalho árduo, visto que existem inúmeras teorias a respeito, sendo que, ao que parece, nenhuma teoria construída satisfaz plenamente às questões decorrentes dos inúmeros fatos que podem se concretizar. Não obstante, existem teorias de maior prestígio, sobre as quais nos demoraremos um pouco mais.

Dessa forma, procurando reunir os diversos posicionamentos dos doutrinadores pátrios, esperamos estar contribuindo para o desenvolvimento acadêmico de nossos alunos e, quiçá, fornecendo subsídios para os profissionais que atuam no foro criminal.

Preceito legal

Relação de causalidade

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Superveniência de causa relativamente independente

Parágrafo 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Relevância da omissão

Parágrafo 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c)com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.

Teorias de maior prestígio

O nexo de causalidade é um dos elementos do fato típico de maior complexidade, tendo sido construídas várias teorias a respeito. As teorias de maior prestígio são: da “condictio sine qua non” (ou da equivalência das condições, ou dos equivalentes causais); da condição adequada. A teoria da equivalência das condições foi a adotada pelo nosso código, visto que causa é tudo aquilo que contribui para o resultado, enquanto que para a teoria da condição adequada a causa é a condição mais eficiente para a produção do resultado, ou seja, aquela adequada para a produção do resultado. Conforme ensina a doutrina, a primeira teoria, por ser mais precisa, é a melhor, existindo um acerto na adoção da mesma no CP.

Outras teorias, foram construídas, mas são variações da teoria da condição adequada, conforme enumeraremos exemplificativamente as principais teorias: da eficiência (causa é a condição mais eficaz para a produção do resultado); da relevância jurídica (a causa não decorre do simples atuar do agente, vez que é necessária a produção do tipo); da condição humana (o processo causal decorre da atuação humana, não podendo sofrer intervenção de acontecimento excepcional, que concorrendo com a ação do homem, venha a influenciar decisivamente na produção do resultado).

A teoria do incremento do risco procura explicar o nexo de causalidade nos crimes omissivos. Roxim dizia que mais importante que a causalidade, era a determinação de ter o sujeito, com o seu comportamento, diminuído, ou não, as chances de produzir o resultado. Dessa forma, a teoria exprime que a causalidade pode ser determinada pelo aumento do risco de produção do resultado. (1) Nenhuma dessas teorias é conveniente, porque inserem na noção de causa um elemento subjetivo, que não pode ser confundido com os elementos físicos e materiais do delito.

Conforme dissemos, a teoria da condição adequada peca pela imprecisão, pois seria muito difícil dizer o que é causa e o que é condição. Para a referida teoria, só é causa a condição adequada para a produção do resultado, fazendo, portanto, a distinção entre causa e condição. A teoria da condictio sine qua non não distingue causa de condição. Tudo aquilo que contribui para o resultado, sem o qual ele não teria ocorrido, é causa.

Aplicação das teorias e posição dominante na Doutrina Pátria

Analisemos o exemplo clássico: Tício, fazendeiro, desejando a morte de Caio, seu empregado na fazenda, manda-o caçar em uma noite que Tício sabia que ocorreria uma grande tempestade, pois havia ouvido, via rádio, o serviço meteorológico. Na floresta, onde Caio caçaria, eram comuns os raios em noites de tempestades. Caio foi caçar e foi atingido por um raio. No exemplo, para a teoria dos equivalentes causais, Tício é responsável pela morte de Caio, mas para a teoria da condição adequada não. (2)


Considerando que Caio não morreria se Tício não tivesse lhe ordenado que caçasse, a ordem é causa. Porém, para a teoria da condição adequada, a causa da morte foi o raio, evento da natureza, sendo que o comportamento de Tício representa apenas uma condição para a existência da causa. Conforme dissemos, o nosso código adotou a teoria da equivalência das condições , pela qual Tício seria responsável pelo evento morte. No entanto, a teoria da equivalência das condições peca pelo excesso, visto que se alguém mata utilizando revólver para o crime, a própria invenção da arma é causa, pois o crime não teria ocorrido se Smith e Wesson não tivessem patenteado e produzido industrialmente o revólver inventado por Samuel Colt.

Com efeito, a invenção do revólver por Samuel Colt é fato relevante, pois o homicídio não teria ocorrido se a arma não tivesse sido inventada. Também, seria punido o comerciante de armas, visto que a negociação é condição “sine qua non” para a existência do delito.

Abrandando o rigor da teoria da equivalência das condições, o CP estabelece que a causa superveniente, capaz de, por si só, produzir o resultado não será imputada ao agente do delito (art. 13, parágrafo 1o). Assim, no exemplo clássico, Caio morreu porque surgiu uma causa posterior, que foi o raio.

A causa da morte foi o raio, dessa forma, Tício não pode ser acusado de homicídio consumado. Também, não poderá ser acusado de crime tentado, tendo em vista que, conforme dispõe a lei, Tício só será responsabilizado pelos atos já praticados. Como a conduta anterior de Tício é penalmente irrelevante, não poderá responder por crime de homicídio. Das mesma forma, não há como responsabilizar o comerciante de armas que legalmente vende o revólver utilizado para matar alguém.

O assunto é relevante, pois, conforme se vê, existem duas causas concorrendo para o resultado. Uma delas em relação à outra é preexistente (já existia), ou superveniente (passou a existir depois), mas o que nos interessa é a consideração da causa em relação ao fato. As causas paralelas, em relação ao fato, podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes.

Exemplificamos: a) Tício atira em Caio, errando os disparos, mas a vítima morre do coração devido a um problema coronário de nascença, pois o susto desencadeou a taquicardia capaz de a matar; b) Tício persegue Caio na via pública, atirando contra o mesmo, sendo que Caio vem a ser atropelado enquanto foge, morrendo em decorrência do atropelamento; c) Tício atira em Caio causando-lhe lesões leves na mão direita, mas a vítima vem a morrer no caminho do hospital em decorrência de traumatismos craniano provocado por um acidente automobilístico que envolveu o veículo utilizado em seu socorro; d) Tício atira duas vezes contra Caio, errando os dois tiros, desiste do crime, mas Caio vem a morrer uma hora depois dos disparos porque Mévio havia colocado, dez minutos antes da chegada de Tício, veneno na comida da vítima; e) Tício atira em Caio quando o mesmo está tendo um ataque cardíaco fulminante, ele erra os disparos e a vítima, em razão do seu problema, sequer percebe a agressão, mas morre em decorrência do problema coronário; f) Tício atira em Caio, mas erra os disparos, então desiste do crime e se afasta do local. Poucos minutos depois, Mévio coloca veneno na bebida de Caio e este morre.

Pelo que se vê, nos exemplos a-c, a causa da morte da vítima tem uma relação de dependência com a conduta do agente. Assim, dizemos que a causa da morte é relativamente independente. No entanto, nos exemplos d-f, a causa da morte da vítima não tem nenhuma relação de dependência com a conduta com agente. Dessa forma, as causas são absolutamente independentes. Em ambas as situações, absolutamente ou relativamente independentes, as causas podem ser preexistentes (exemplos a e d), concomitantes (exemplos b e e) e supervenientes (exemplos c e f).

O agente não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, quando a causa paralela capaz de produzir o resultado for absolutamente independente, não interessando se a referida causa é preexistente, concomitante, ou superveniente. No entanto, quando a causa da morte for capaz de produzir o resultado, mas tiver alguma relação de dependência com a conduta do agente, este será responsabilizado pelo resultado morte, desde que a causa seja preexistente ou concomitante (exemplos a e b). Se a causa da morte for superveniente, mesmo que relativamente independente, haverá uma ruptura do nexo causal, o que retira a responsabilidade do agente pelo resultado mais grave.

A lei dispõe que a causa posterior relativamente independente rompe o nexo causal, mas somente quando a nova causa, por si só, provoca o resultado. Dessa forma, se essa causa for desdobramento da primeira, o agente deve ser responsabilizado pelo resultado mais grave, v.g., morte resultante de infecção hospitalar.


Nossa posição

O art. 13, parágrafo 1o, do CP estabelece que somente as causas relativamente independentes supervenientes, que por si só produzem o resultado, é que quebram o nexo de causalidade. Assim, se as causas que provocam o resultado mais grave, são preexistentes, ou concomitantes, o agente do delito, que praticou a conduta superveniente menos grave, responderá pelo resultado mais grave, mesmo que este seja indesejado.

Dominantemente, entende-se que a lei só admite a quebra do nexo causal quando a causa relativamente independente provocadora do resultado for superveniente, ou seja, faz-se uma interpretação restritiva da norma. Com efeito, ao exame da lei, parece que a mesma menciona propositadamente, com exclusividade, a causa relativamente independente, podendo se inferir que a teleologia da norma é a exclusão das causas relativamente independentes preexistentes e concomitantes. Assim, é razoável pensar que não há omissão involuntária no artigo 13, parágrafo 1o, do CP.

Não obstante, entendemos que houve uma lacuna involuntária da lei no art. 13, parágrafo 1º. Para nós, não obstante ser um posicionamento doutrinário minoritário, Tício não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, mesmo nos casos dos exemplos a e b, pois a norma favor rei deve ser aplicada, assim, ele só responderá por homicídio tentado, em face da aplicação analógica in bonam partem do art. 13, parágrafo 1º. Exemplificando, apresentamos duas hipóteses: 1a) Tício atirou em Caio, tendo ficado insatisfeito porque foi impedido de continuar atirando, mas Caio ficou levemente ferido.

Depois, enquanto era socorrido, Caio morreu vítima de um acidente automobilístico, sendo que este último fato alegrou Tício: 2a) Tício atirou em Caio, mas errou o alvo. Após efetuar o primeiro disparo, desistiu voluntariamente do crime, e se retirou do local. Depois, Tício ficou sabendo que o susto provocado pela agressão foi capaz de matar Caio, o que o deixou muito triste.

Os exemplos dados demonstram a injustiça da aplicação estrita da lei, pois Tício será responsabilizado por homicídio consumado somente na segunda hipótese. É por essa razão que entendemos que o preceito do art. 13, parágrafo 1o, deve ser estendido aos demais casos em que houver concorrência de causas relativamente independentes. (3)

Diante do nosso posicionamento alguém pode expor uma outra hipótese para indagar se haveria justiça. Imaginemos que Tício, sabedor de que Caio é um cardiopata, resolva assustá-lo, provocando-lhe o resultado morte. Haveria justiça em estender o benefício do art. 13, parágrafo 1o, do CP, a fim de beneficiar Tício? Nesse caso, Tício deverá ser responsabilizado pelo resultado morte, visto que ele conhecia a situação física de Caio, tendo agido com dolo (direto ou eventual) ou culpa.

Na realidade, Tício procurou atingir o resultado por um meio que sabia ser eficaz. Dessa forma, o nosso posicionamento (exposto acima) só é válido para os casos em que o agente desconhece a concausa preexistente ou concomitante provocadora do resultado.

Em outras situações estaríamos gerando certa injustiça. No caso, estaríamos praticamente adotando a teoria da condição humana. Daí a grande dificuldade para encontrarmos a teoria ideal, visto que sempre vamos confundir a causa com o elemento subjetivo do agente, incorrendo nas críticas que sofrem os adeptos das teorias rejeitadas pelo Código Penal.

De todo o exposto, o posicionamento que melhor se apresenta é o de João José Leal, verbis:

“A interpretação adequada do dispositivo conduz ao entendimento de que, apesar do texto legal só fazer referência a uma causa superveniente, é lógico que esta também pode ser antecedente ou concomitante, o que, em regra, não exclui a responsabilidade do agente pelo resultado”. (4)

Causalidade na omissão

Problema maior poderá existir quando formos verificar a causalidade na omissão. O art. 13, parágrafo 2o, estabelece que a omissão é penalmente relevante quando o agente pode e deve agir para impedir o resultado. O dever de agir decorre de lei (art. 13, parágrafo 2o, letra a), de contrato ou situação de fato (art. 13, parágrafo 2o, letra b), ou da criação do risco de produzir o resultado (art. 13, parágrafo 2o, letra c).

Fizemos uma defesa no Tribunal do Júri da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, a qual merece alguma referência:

No final do ano de 1994, um rapaz, Douglas, foi até a própria casa, juntamente com um amigo (Cristiano), a fim de furtar o veículo do pai (Manoel). Quando tentavam furtar o veículo, perceberam que Manoel se aproximava, então Douglas entrou na casa, enquanto que Cristiano sentou-se na calçada, em frente à casa vizinha. Ao entrar na casa, Manoel, vendo Douglas arrumado, brigou com o mesmo, mas ele justificou dizendo que estava pronto porque o Cristiano era bandido conhecido, razão pela qual o mesmo poderia tentar furtar o carro de sua propriedade.

Então, Manoel pegou uma faca e tentou matar Cristiano, esfaqueando o mesmo nas costas, cansando-lhe lesões leves. A vítima ficou muito irritada com a traição de Douglas, jurando vingança. Dois dias depois, Cristiano estava com Marcos, quando viu que Douglas trocava o pneu do carro nas proximidades. Assim, Cristiano pediu a Marcos o empréstimo de um revólver de sua propriedade, mas este disse que a arma estava com Homério.

Cristiano foi até a casa de Homério para pegar a arma, mas Homério recusou-se a entregá-la porque sabia do objetivo homicida de Cristiano. Porém, Marcos veio logo em seguida, pegou a arma e a emprestou para Cristiano. Este matou Douglas, devolvendo a arma para Homério, a fim de que ele a guardasse. Horas depois, Homério foi preso, o qual mereceu defesa gratuita, em razão da sua pobreza.

A acusação sustentou a participação de Homério, sendo que reconhecemos que houve um crime pratica por terceiro (havia uma pluralidade de agentes); que Homério não praticou conduta típica, nem antijurídica, bem como não tinha domínio do fato (as condutas dos agentes eram diversas); que Homério aderiu à vontade de Cristiano (presente o liame subjetivo); mas negamos o nexo de causalidade, portanto, não havia relevância causal.

Com efeito, ao devolver a arma para Marcos, Homério deixou de impedir um crime, deixando de agir, mas a sua omissão não era penalmente relevante, visto que ele, mesmo podendo agir, não era obrigado a tal. A conduta de Homério não se adequava a nenhuma hipótese do art. 13, parágrafo 2o, pois ele não tinha o dever legal de impedir crime, não sendo garantidor de ninguém (letra a). Também, não tinha assumido a responsabilidade de evitar o crime (letra b); e, finalmente, não criou a situação do delito (letra c). Dessa forma, o júri acolheu o nosso posicionamento, absolvendo Homério.

No tocante aos crimes omissivos, a teoria da conditio sine qua non não é aplicável, podendo ser empregada a teoria do incremento do risco (acima mencionada). No entanto, faz-se mister a verificação que não é toda omissão que provoca o aumento do risco da ocorrência do resultado que é relevante. A omissão, por disposição da lei, só é relevante quando incidir uma das hipóteses do art. 13, parágrafo 2º, do CP.

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