Dano estético

Médico negligente deve responder por dano estético

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4 de dezembro de 2001, 13h20

“É de pensar que também há um direito à beleza, que dar beleza a quem tem fome de beleza é também um dever cristão”. Guimarães Rosa

O dano estético é um dos campos mais vastos a serem desvendados pela pesquisa jurídica no plano da Responsabilidade Civil Médica, por se tratar de um fato bastante recorrente na realidade.

É notória a profusão de casos em que, devido a erros médicos, pessoas têm suas aparências alteradas de tal modo que isso acaba por suscitar danos que extrapolam a esfera meramente patrimonial. São lesões invisíveis, que transcendem a lesão meramente física, e muitas vezes ferem até mais.

São lesões que, por não estarem em um plano concreto, apresentam uma dificuldade maior para mensurar. O objetivo do presente trabalho é delinear a natureza dessa espécie de dano, em que situações ele ocorre e, finalmente, quais as conseqüências jurídicas, especialmente no plano da Responsabilidade Civil.

A busca pela beleza ideal: uma imposição do meio

“Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo… Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude, mas que trabalheira!” Mario Quintana

A beleza. Impressiona a visão, abre portas. É a essência da arte, da vida, desde o início da humanidade. A busca pelo ideal do belo é um sentimento atávico, que faz parte da própria natureza. São as flores mais bonitas justamente as que conseguem atrair mais insetos e, por conseqüência, são as que têm mais chances de se reproduzir. São os pássaros com plumagem mais vistosa que arrumam parceiros com mais facilidade. São as pessoas com melhor aparência que têm mais possibilidades de obter uma colocação no mercado de trabalho, e que encontram menos dificuldade para conseguir pretendentes.

Essa realidade, que é flagrantemente cruel para quem não se enquadra no perfil esperado, é instintiva. Beleza está subliminarmente associada à noção de saúde, tanto para o animal que visa à propagação de seus genes, como para o homem que racionaliza sobre o mundo que o cerca.

Inconscientemente, a pessoa bela, além de supostamente saudável, por cuidar mais de si, de sua aparência, transmite a impressão de que também é uma pessoa que tem maior capacidade, o que eleva suas chances em uma entrevista de emprego, por exemplo.

Além disso, essa situação se agrava pelo fato de o ser humano ter o aspecto social como um dos pilares de sua vida. Como o homem vive em sociedade, necessita da aceitação no grupo.O grupo social humano, por questões de ordem cultural, acaba pressionando o indivíduo a se adequar às premissas que são consideradas corretas.

Uma dessas premissas, como se pode inferir, é a de ser belo para ser aceito. Entretanto, em particular nas sociedades ocidentais, o ideal de beleza é extremamente mutável (dessa feita, o que é belo em determinada época, pode não sê-lo em outra) e está baseado em padrões. Quem está inserido no modelo disposto como sendo o exemplo do que é belo, ou dele se aproxima, é belo também; por conseguinte, é aceito no grupo. Quem dele se afasta é, a priori, excluído desse mesmo grupo, encontrando grandes percalços para nele se inserir.

A pessoa que não é bela perante os padrões colocados na sociedade tem dois caminhos: ou apresenta qualidades que são também apreciadas pelo meio (como ser dotado de uma brilhante inteligência, ter excelente capacidade para a prática de esportes, possuir grande fortuna, entre outros atributos) e, à custa de grandes dificuldades, mostrar que as possui e posicionar-se como um indivíduo de destaque; ou tenta modificar sua aparência para adaptá-la ao que é considerado ideal. Com todo esse contexto que rodeia o homem moderno, nada mais natural que eventual dano estético possa vir a causar graves prejuízos na vida daquele que, por infelicidade, é vítima de lesão à sua aparência.

Definição de dano estético

” A beleza é uma carta de recomendação que nos dispõe favoravelmente em favor de quem a traz, mesmo antes de lê-la”. Schopenhauer

A primeira impressão que se tem, ao se conhecer uma pessoa, é em relação à sua aparência. Normalmente, antes mesmo de se ter um contato mais profundo com ela, formula-se juízos sobre essa pessoa, tendo-se como embasamento o entorno físico com que ela se apresenta ao mundo. Essa impressão, como é sabido, pode ser tanto positiva como negativa.

O que ocorre quando um indivíduo sofre um dano estético? Sinteticamente falando, o dano estético surge quando alguém acaba tendo uma modificação em suas formas exteriores, provocadas por um agente externo, modificação esta que faz com que a pessoa fique esteticamente menos agradável à vista do que o era antes dessa intervenção. Com esse prejuízo, é comum o ser humano se sentir ferido em sua auto-estima, nutrindo complexos de toda ordem, catalisados pela rejeição tácita por parte da sociedade. Assim, a pessoa não se aceita, pois a imagem que ela tem de si mesma é aquela com a qual sempre fora acostumada desde sempre, não a imagem deformada que ora se apresenta.

Nos dizeres de Teresa Ancona Lopez, dano estético se definiria como “qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeamento’ e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem portanto a uma dor moral”.

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