Mídia brasileira

Entidades são contra capital estrangeiro na mídia brasileira

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4 de dezembro de 2001, 18h54

Entidades ligadas à CUT e ao PT estão se manifestando contra a Proposta de Emenda Constitucional que permite a abertura do capital das empresas brasileiras de mídia ao capital estrangeiro. De acordo com as entidades, a eventual permissão para que até 30% do capital social das empresas brasileiras seja integralizado por estrangeiros ameaça a soberania popular, a democracia e a nacionalidade.

Para as instituições, a ameaça da entrada do capital estrangeiro na mídia coloca o Brasil diante de duas opções: de um lado, a submissão dos principais meios de formação de consciência nacional a perspectivas estranhas ao interesse público e, de outro, a busca da afirmação da soberania popular, da democracia e da nacionalidade.

Os empresários do setor são favoráveis ao investimento externo como uma solução para a grave crise que se abate sobre a mídia brasileira. Nas últimas semanas, mais de 500 jornalistas foram demitidos por essa razão.

Entre as entidades que são contra o capital estrangeiro estão a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Sindicato Nacional dos Professores (Andes), o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária e a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert).

Veja o manifesto das entidades

As entidades signatárias deste manifesto declaram-se frontalmente contrárias à abertura do capital das empresas brasileiras de mídia ao capital estrangeiro. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 203-B/95 é inaceitável por dois motivos:

1. Porque a alienação do capital e do controle das empresas nacionais de mídia a empresas estrangeiras não pode ser premissa – tal como pretende o empresariado de comunicação, agora com o apoio do Governo Federal – para um processo de reconstituição institucional e jurídica da área das comunicações, que ainda está por ser debatido.

Esta área encontra-se jurídica e institucionalmente em estado caótico: a legislação está defasada e, em muitos casos, é simplesmente descumprida; há conflito de competência entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Ministério das Comunicações; prepara- se, sem o amparo da lei, a introdução de uma revolução nos sistemas e no mercado de comunicação com a implantação da tecnologia digital nos segmentos de TV, rádio e TV por assinatura; as empresas de comunicação enfrentam um quadro de crise econômica, devido a crônicos problemas de gestão e incompetência empresarial mas, também, por contingências de mercado.

Neste cenário, a entrada do capital estrangeiro tem sido tratada pelas empresas como uma saída simplista e pragmática para a solução imediata de seus problemas de “caixa”.

Tratam, assim, de uma questão que é estratégica para a área das comunicações e para a democracia no país como se fosse um mero problema empresarial e conjuntural. O empresariado propõe que, ao invés de formularmos as bases de um novo modelo para a área das comunicações, optemos por antecipar isoladamente a definição de um aspecto particular – a questão do capital estrangeiro – que deveria ser conseqüência da formulação deste mesmo modelo.

2. Porque a preservação, sob controle nacional, das empresas de mídia – que têm crescente importância cultural, política e econômica na contemporaneidade e cumprem um papel decisivo na disseminação de idéias, concepções e valores – consiste em um aspecto fundamental da afirmação da soberania nacional. A situação internacional aberta a partir dos trágicos episódios de 11 de setembro, nos Estados Unidos, atualizou de forma dramática muitos dos argumentos que vínhamos apresentando publicamente no decorrer da tramitação das PECs que resultaram no substitutivo prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados.

Caso tivéssemos hoje a mídia brasileira sob controle estrangeiro, especialmente dos conglomerados norte-americanos, não teríamos disponíveis as informações a respeito da crise internacional em curso que, principalmente na mídia impressa, atualmente estão sendo veiculados e possibilitam a avaliação dos interesses do país diante da emergência de um poder imperial que passou a ser exercido abertamente em escala mundial pelos Estados Unidos.

Teríamos, isto sim, a mera mobilização, em território nacional, da agressiva máquina de propaganda que está sendo operada no interior daquele país e em todos os seus veículos espalhados pelo mundo, expressando exclusivamente seus interesses. Ou seja, mesmo com todos os problemas e limitações verificados na atuação das atuais empresas familiares brasileiras de mídia, a preservação do controle destas empresas no interior do país é fundamental para a afirmação da soberania nacional.

O contrário disso é a entrega dos principais meios contemporâneos de produção da cultura e de disseminação de idéias, valores e concepções a interesses estranhos aos do país.

Em síntese, esta PEC procura resolver o problema imediato de liquidez das empresas de comunicação à custa de sérios riscos à soberania nacional, ao interesse popular e à própria racionalidade do setor das comunicações.

Alertamos à Nação que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em audiência concedida no dia 19 de novembro aos representantes dos principais grupos de mídia do país, manifestou incondicional apoio à abertura do setor ao capital estrangeiro.

Informamos que, no dia 22 de novembro, representantes das entidades signatárias protocolaram, junto ao Palácio do Planalto, uma solicitação de audiência com o Presidente da República para apresentar a posição das entidades de profissionais e da sociedade civil que estão se mobilizando sobre o assunto.

O Presidente, que se associa ao empresariado para promover a abertura da mídia brasileira ao capital estrangeiro, entretanto, não está se dispondo sequer a ouvir outras posições da sociedade sobre o tema.

O presidente Fernando Henrique Cardoso, aliás, em audiência concedida em 1995 à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), no começo de seu primeiro mandato, comprometeu-se a atuar e a mobilizar os partidos da base governista pelo cumprimento da Lei 8389 e viabilizar a composição e instalação do Conselho de Comunicação Social.

A promessa não foi cumprida e nem o Presidente e nem os partidos da base de apoio do Governo atuaram para assegurar o cumprimento desta lei. Isto é, o próprio Presidente da República assumiu a condição de co-responsável pelo caos econômico, jurídico e institucional em que hoje se encontra a área das comunicações no país e que agora está sendo invocado para justificar a abertura ao capital estrangeiro.

Lembramos, ainda, que a Constituição está repleta de princípios para a área das comunicações que persistem desprezados. As leis 8.389/91 e 8.977/95 que regulamentam, respectivamente, o Conselho de Comunicação Social e o Serviço de TV a Cabo, estão sendo descumpridas pelo próprio Congresso Nacional.

O Conselho deveria estar composto e instalado em abril de 1992, o que caracteriza quase dez anos de violação da lei pelo Congresso. A legislação de radiodifusão vigente – a Lei 4117 e o Decreto-Lei 236 – está sendo, em muitos aspectos, ostensivamente descumprida pelas empresas de rádio e televisão com a omissão e a complacência do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e da Procuradoria da República.

Não há como enfrentar a crise da mídia brasileira com medidas isoladas desconsiderando, entre outros, os seguintes problemas:

a) A inexistência de um órgão regulador para a comunicação social eletrônica (televisão, rádio e TV por assinatura).

b) A pretensão do Ministério das Comunicações de regulamentar os serviços de rádio e televisão à margem das cruciais definições decorrentes da implementação da tecnologia digital na comunicação social eletrônica.

c) A exorbitância de competência da Anatel que, sem base legal, tomou a iniciativa de regulamentar e conduzir a implementação da tecnologia digital na televisão e, além disso, está se negando a promover um verdadeiro debate público.

d) A desorganização do mercado de comunicação no Brasil com a adoção, pela Anatel, e à margem de políticas públicas, de medidas que se destinam a fortalecer o poderio de empresas de telecomunicações e conglomerados internacionais na produção destinada à veiculação na mídia brasileira, como ocorre com o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM).

e) A inexistência de uma Lei de Imprensa atualizada e capaz de acautelar direitos e assegurar deveres e dirimir conflitos de interesses envolvendo as empresas jornalísticas e o público.

f) A possibilidade de que, a pretexto de tratar-se de operações privadas, a transferência de controle da mídia brasileira a estrangeiros possa ocorrer de forma escusa e sem conhecimento público, face ao despreparo do Executivo e do Legislativo para fiscalizar tais transações.

Anima nossas proposições o entendimento de que o caráter privado dos empreendimentos que predominam na mídia brasileira não elide o interesse público e a responsabilidade social que pesa sobre o conjunto e sobre cada uma das empresas de comunicação, com o decisivo papel econômico, político e cultural que cumprem nas sociedades contemporâneas.

Até o momento, contudo, os empreendimentos de comunicação se erguem e atuam sem representação formal na esfera pública, mediados apenas por relações de mercado, que não esgotam seu papel político e cultural.

Para o estabelecimento de relações democráticas em torno da atuação da mídia, por isso, acreditamos ser necessária uma relação de compromisso entre o Estado, o setor privado e a sociedade civil, em bases politizadas, afirmadoras de princípios éticos e sustentadas pelo consenso na sociedade.

Mais do que leis e regulamentos, necessitamos de instituições capazes de possibilitar a permanente pactuação e repactuação, com a dinâmica exigida pela área das comunicações, das soluções a serem adotadas, baseadas no consenso, para que a mídia cumpra democraticamente seus papéis econômicos, políticos e culturais em consonância com o interesse público.

Apelamos aos parlamentares e aos partidos que têm verdadeiro compromisso com a Nação para que se manifestem de forma contrária a esta PEC, empenhando-se, assim, na criação de condições que assegurem uma efetiva preservação do interesse público.

Propomos que se impeça esta tentativa de imposição, ao Congresso Nacional e ao país, de interesses subalternos e amesquinhados que afrontam a soberania nacional.

Apontamos que, nesta disputa, estão em jogo aspectos econômicos, políticos e culturais que põem em xeque o futuro do país. A ameaça da entrada do capital estrangeiro na mídia coloca o Brasil diante de duas opções: de um lado, a submissão dos principais meios de formação de consciência nacional a perspectivas estranhas ao interesse público e, de outro, a busca da afirmação da soberania popular, da democracia e da nacionalidade.

Brasília, 2 de dezembro de 2001.

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço

Conselho Federal de Psicologia – CFP

Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social – Enecos

Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão – Fitert

Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – Andes

Sociedade de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom

União de Redes Radiofônicas – Escritório Brasileiro da Amarc -Unirr – Amarc

Revista Consultor Jurídico, 4 de dezembro de 2001.

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