Ofensa aos advogados

'Devolução de lista sêxtupla pelo TJ-RJ injuria candidatos da OAB'.

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17 de agosto de 2001, 10h07

Leio notícia de devolução, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de lista sêxtupla enviada pela Seccional da OAB daquele Estado. Já aconteceu uma vez em São Paulo. A OAB, naquele incidente, se curvou ao Tribunal, remetendo outros nomes. Divido minha reflexão em duas partes:

a) – A indicação da sêxtupla é soberana. O Tribunal pode recusar-se a escolher mas, segundo meu ponto de vista, ou é aquela ou nenhuma será. Em outros termos, gere-se a crise, a menos que a Seccional do Rio de Janeiro haja remetido nomes desqualificados, menos honrados, incompetentes enfim.

A devolução da lista, nas circunstâncias, é ruim para a OAB e para cada candidato. Injuria-os. Difama-os e à Corporação. Assim, mesmo havendo interregno de um, dois meses ou dois anos, fique a vaga aberta. O acidente não se resolve com negócio entre a Ordem e o Tribunal. Fique o buraco na Augusta Corte. É assim que se faz. Tenho, para opinar, quarenta e dois anos de advocacia criminal exclusiva. É o bastante para dizer que a curvatura de espinha não pode ser defeito atribuível à Instituição. b) – Convenci-me de que o Quinto Constitucional é deletério.

Disputam os candidatos na Ordem, em primeiro lugar, a lista sêxtupla, com pretensões às vezes não estruturadas em qualidades intelectuais diferenciadas, valendo, entretanto, e muito, a preferência política do grupo dominante. Depois, já escolhidos, partem para a lista tríplice nos órgãos especiais dos tribunais, começando então uma “via crucis” não muito edificante. É o que se denomina “beija-mão”. Os currículos são entregues e os desembargadores começam a receber visitas, telefonemas, pedidos políticos e zumbaias mil. As preferências são postas em confronto. Finalmente, vai a listagem ao governador.

Complicam-se mais ainda os fatores referenciais. Vale aqui, e muito, a política externa. Tudo para que um advogado possa preencher o lugar que lhe foi destinado por dispositivo constitucional. É muito ruim isso. O pretendente escolhido veste a toga com grau de artificialismo elevado. É um advogado-juiz, nunca um magistrado por nascimento. Assim é visto no seio dos próprios tribunais. O advogado fica lá alguns anos, aposenta-se e volta à beca. Mas a beca não mais lhe serve.

A maioria ganha corpo enquanto exercendo a Jurisdição. Nenhum dos advogados-juízes, diga-se de passagem, desonrou a toga. Alguns se notabilizaram. Têm nossa veneração. O processo, repito, é extremamente sacrificado e não dignifica as esperanças do futuro magistrado. Não deveria ser assim, mas é. Há colegas ilustres, evidentemente, que os tribunais carregariam para a família. Tais eminentes advogados raramente atravessam a ponte.

Várias são as razões: voltados à profissão, têm, a par, sucesso profissional, pois muitos são chamados e poucos os escolhidos. A vida é assim. Fica-se, então, num dilema pragmático representado pela disputa. De qualquer maneira, extraindo-se do cerne estas considerações prévias, há, no raciocínio, a possibilidade de se o estender à Suprema Corte, provida por ilustres juristas, é verdade, todos repletos de qualidades ligadas à honorabilidade, cultura, trabalho e dedicação, mas trazendo, na origem, um processo de escolha defeituoso, porque gerado tal trajeto no regaço da Presidência da República.

Separa-se, inclusive, o Supremo Tribunal Federal em blocos políticos: o do Presidente Fernando Henrique, o do anterior e o escolhido durante o velho regime. Sabe-se, à oportunidade da disputa sobre os grandes temas, o que vai acontecer. Não tem isso relação qualquer com o papel político do Supremo Tribunal Federal. É também político, sim, mas devem predominar, na peculiaridade, os interesses da nação brasileira (do povo), e não do Poder.

Hermann Assis Baeta, pronunciando-se em congresso de advogados a que compareci, sugeriu a criação de um Tribunal Constitucional, a exemplo de alguns países da Europa, voltado à limitação das investidas contra a Constituição pelo Poder Executivo. Aqueles tribunais têm ministros não vitalícios. A vitaliciedade é garantia do juiz mas, concomitantemente, o transforma, eventualmente, num pregoeiro do passado.

Por tudo isso, fico triste mas conservo minha expectativa: a OAB do Rio de Janeiro não pode sair do entrevero desmoralizada. Se modificar a lista, há de insultar os seis candidatos, denegrir o Conselho Seccional inteiro e demonstrar ao Tribunal do Rio de Janeiro que os advogados agiram mal. Não há solução outra. Receba o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a lista como foi. Ela tem meia dúzia de pretendentes sérios. Se a Corte não os quiser, fique o espaço vazio. Ponha-se uma beca na poltrona. Só a beca. Mas é nossa.

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