Leio notícia de devolução, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de lista sêxtupla enviada pela Seccional da OAB daquele Estado. Já aconteceu uma vez em São Paulo. A OAB, naquele incidente, se curvou ao Tribunal, remetendo outros nomes. Divido minha reflexão em duas partes:
a) – A indicação da sêxtupla é soberana. O Tribunal pode recusar-se a escolher mas, segundo meu ponto de vista, ou é aquela ou nenhuma será. Em outros termos, gere-se a crise, a menos que a Seccional do Rio de Janeiro haja remetido nomes desqualificados, menos honrados, incompetentes enfim.
A devolução da lista, nas circunstâncias, é ruim para a OAB e para cada candidato. Injuria-os. Difama-os e à Corporação. Assim, mesmo havendo interregno de um, dois meses ou dois anos, fique a vaga aberta. O acidente não se resolve com negócio entre a Ordem e o Tribunal. Fique o buraco na Augusta Corte. É assim que se faz. Tenho, para opinar, quarenta e dois anos de advocacia criminal exclusiva. É o bastante para dizer que a curvatura de espinha não pode ser defeito atribuível à Instituição. b) – Convenci-me de que o Quinto Constitucional é deletério.
Disputam os candidatos na Ordem, em primeiro lugar, a lista sêxtupla, com pretensões às vezes não estruturadas em qualidades intelectuais diferenciadas, valendo, entretanto, e muito, a preferência política do grupo dominante. Depois, já escolhidos, partem para a lista tríplice nos órgãos especiais dos tribunais, começando então uma “via crucis” não muito edificante. É o que se denomina “beija-mão”. Os currículos são entregues e os desembargadores começam a receber visitas, telefonemas, pedidos políticos e zumbaias mil. As preferências são postas em confronto. Finalmente, vai a listagem ao governador.
Complicam-se mais ainda os fatores referenciais. Vale aqui, e muito, a política externa. Tudo para que um advogado possa preencher o lugar que lhe foi destinado por dispositivo constitucional. É muito ruim isso. O pretendente escolhido veste a toga com grau de artificialismo elevado. É um advogado-juiz, nunca um magistrado por nascimento. Assim é visto no seio dos próprios tribunais. O advogado fica lá alguns anos, aposenta-se e volta à beca. Mas a beca não mais lhe serve.
A maioria ganha corpo enquanto exercendo a Jurisdição. Nenhum dos advogados-juízes, diga-se de passagem, desonrou a toga. Alguns se notabilizaram. Têm nossa veneração. O processo, repito, é extremamente sacrificado e não dignifica as esperanças do futuro magistrado. Não deveria ser assim, mas é. Há colegas ilustres, evidentemente, que os tribunais carregariam para a família. Tais eminentes advogados raramente atravessam a ponte.
Várias são as razões: voltados à profissão, têm, a par, sucesso profissional, pois muitos são chamados e poucos os escolhidos. A vida é assim. Fica-se, então, num dilema pragmático representado pela disputa. De qualquer maneira, extraindo-se do cerne estas considerações prévias, há, no raciocínio, a possibilidade de se o estender à Suprema Corte, provida por ilustres juristas, é verdade, todos repletos de qualidades ligadas à honorabilidade, cultura, trabalho e dedicação, mas trazendo, na origem, um processo de escolha defeituoso, porque gerado tal trajeto no regaço da Presidência da República.
Separa-se, inclusive, o Supremo Tribunal Federal em blocos políticos: o do Presidente Fernando Henrique, o do anterior e o escolhido durante o velho regime. Sabe-se, à oportunidade da disputa sobre os grandes temas, o que vai acontecer. Não tem isso relação qualquer com o papel político do Supremo Tribunal Federal. É também político, sim, mas devem predominar, na peculiaridade, os interesses da nação brasileira (do povo), e não do Poder.
Hermann Assis Baeta, pronunciando-se em congresso de advogados a que compareci, sugeriu a criação de um Tribunal Constitucional, a exemplo de alguns países da Europa, voltado à limitação das investidas contra a Constituição pelo Poder Executivo. Aqueles tribunais têm ministros não vitalícios. A vitaliciedade é garantia do juiz mas, concomitantemente, o transforma, eventualmente, num pregoeiro do passado.
Por tudo isso, fico triste mas conservo minha expectativa: a OAB do Rio de Janeiro não pode sair do entrevero desmoralizada. Se modificar a lista, há de insultar os seis candidatos, denegrir o Conselho Seccional inteiro e demonstrar ao Tribunal do Rio de Janeiro que os advogados agiram mal. Não há solução outra. Receba o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a lista como foi. Ela tem meia dúzia de pretendentes sérios. Se a Corte não os quiser, fique o espaço vazio. Ponha-se uma beca na poltrona. Só a beca. Mas é nossa.