Caminho interditado

Novas liminares impedem quebra de sigilo bancário de contribuintes

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7 de agosto de 2001, 13h29

Sigilo bancário de contribuinte não pode ser quebrado pela Receita Federal com base em informações relativas à movimentação da CPMF. O entendimento foi reafirmado pela Justiça Federal de São Paulo em duas recentes liminares concedidas a contribuintes, representados pelos advogados Raul Haidar e Sandro Mercês.

O juiz federal, da 11ª Vara, Uilton Reina Cecato, disse que “qualquer lançamento tributário colhido com base em provas ilicitamente produzidas (extratos bancários requisitados sem ordem judicial), será totalmente nulo em face do artigo 5º inciso LVI da Constituição Federal…”

A juíza federal, da 17ª Vara, Andréa Basso, afirmou que “o sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo fiscal, por implicar em indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal”.

Segundo a decisão, as instituições financeiras são responsáveis por “manter sigilo acerca de qualquer informação ou documentação pertinente à movimentação ativa e passiva do correntista/contribuinte, bem como dos serviços bancários a ele prestados”.

Veja, na integra, a decisão da 17º Vara.

Poder Judiciário

Justiça Federal

17ª Vara Cível Federal – São Paulo

Autos do Processo nº 2001.61.00.017770-7

Natureza: Mandado de Segurança

Impetrante: Luiz Carlos Romeiro

Impetrado: Delegado da Receita Federal em Santo André – SP

Vistos em decisão liminar.

Visa o impetrante, através de provimento liminar, seja determinado à autoridade impetrada o sobrestamento e abstenção em dar andamento ao procedimento fiscal nº 0811400.2001.00141-5, bem como qualquer outro ato tendente à quebra de seu sigilo bancário.

Afirma ter recebido certa correspondência enviada pelo Ministério da Fazenda. Aduz tratar-se de notificação, consubstanciada em “termo de início de fiscalização”, decorrente da ilegal quebra de seu sigilo bancário, feita sem sua autorização ou conhecimento. Considera que, tal procedimento, causa afronta ao artigo 5, X, da CF, bem como ao princípio da irretroatividade da lei, haja vista a referência a uma situação fática ocorrida no exercício de 1998.

Documentos anexos às fls. 09/30 dos autos.

Postergada a apreciação do pedido de medida liminar para após a efetivação do contraditório (fl. 20).

Informações juntadas as fls. 30/82, na qual a autoridade coatora sustenta legalidade do procedimento.

É o breve relatório. Passo a decidir.

Nos termos do procedimento fiscal, documentado às fls. 13/15 dos autos, fora instado o contribuinte, ora impetrante, a apresentar à Secretaria da Receita Federal, em determinado prazo (20 dias), com prorrogações, documentação hábil (incluindo-se os extratos bancários), a comprovar a origem dos recursos disponíveis em contas bancárias mantidos junto à determinada instituição financeira, discriminada no dito documento. Os fundamentos legais a amparar tal procedimento fiscalizatório seriam as disposições normativas insertas na Lei 9311/96 (art. 11, parágrafo 2º) e o Decreto 3000/99 (artigos 904.911 e 927).

A resguardar a supremacia da ordem constitucional, todas as normas jurídicas devem estar – formal e materialmente – em harmonia com o Texto Constitucional. Todo ato normativo, sem qualquer distinção, por ter a Constituição seu fundamento de validade, está sujeito ao crivo do controle da constitucionalidade. O fundamento para tanto, reside nas nominadas cláusulas pétreas – núcleo normativo pré-excluído e insuscetível de modificações pelo poder constituinte derivado.

Paralelamente, na esfera tributária, a Carta Constitucional também traz uma série de princípios norteadores do estatuto do contribuinte a possibilitar, em ultima análise, a segurança jurídica das relações entre as partes. Pois bem.

Pela controvérsia retratada na lide depreende-se ter a Administração Fazendária dado início a um processo fiscalizatório em face da ora impetrante, em relação a uma situação fática, eventualmente ocorrida no ano de 1998, com dados obtidos diretamente pela mesma junto à determinada instituição financeira.

Com efeito, verifica-se de plano que, tal comportamento unilateral, é causa de manifesta afronta ao princípio da irretroatividade das leis. Utilizou-se de recentes legislações, algumas alteradas por lei complementar, a justificar seu procedimento. Sob este aspecto, não há qualquer respaldo constitucional. Tal fato, por si só, já seria suficiente a desconstituir a validade do ato fiscalizatório.

No entanto, há uma questão, de maior profundidade e repercussão, que merece ser analisada, qual seja, a quebra do sigilo bancário/fiscal, questão esta diretamente relacionada com o binômio – prevalência entre o direito constitucional à intimidade, previsto em norma constitucional (artigo 5º, Incisos X e XII) e a violação ao sigilo bancário/fiscal.

É certo que, a teor do preconizado no parágrafo 1º do artigo 145 da CF faculta-se a Administração tributária “…identificar, respeitados os direitos individuais e nos termo da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” E, a norma constante do artigo 197 do CTN dispõe sobre o dever de certos entes prestar informações a administração a respeito de indivíduo sujeitos a fiscalização.

No entanto, não pode a Administração, baseando-se tão somente em norma legal e, sem qualquer razoabilidade, exigir ou obter junto a terceiras informações que, de regra, deveriam obter junto ao próprio contribuinte. Até porque, além de afronta ao direito acima expresso, dita informação pode implicar na criminalização, fator a propiciar o direito inserto no artigo 5º, inciso LXIII do Texto. E, só o Judiciário em procedimento fiscal regularmente instaurado e subscrito pode autoridade competente, no qual investigação penal revele indícios da prática pode eximir as instituições do dever de segredo.

Com efeito, é fato que citado direito individual não é absoluto e ilimitado; pode ser restringido quando o interesse público o exigir, mas sempre e, necessariamente, através de prévia autorização judicial, concedida em prol do interesse público e, em especial da administração da justiça.

E, mesmo assim, a adoção de tal expediente só se faz aplicável em hipóteses excepcionais, após efetiva demonstração por parte do interessado de que infrutíferos ou inócuos foram todos os outros meios ordinários à viabilização do pretendido. Esse acordo peculiar à regularização dos débitos bem como a preocupação da Administração em relação à ocorrência de eventuais fraudes ou inadimplências por parte do contribuinte, não são fatores suficientes a justificar a adoção de tal medida. Até porque, existem outros instrumentos jurídicos, inclusive previsto na própria legislação, a coibir tais situações.

Neste sentido, afirma o professor José Eduardo Soares de Melo que:

“O sigilo bancário é cláusula pétrea por constituir direito e garantia individual, em face de seu enquadramento nos princípios constitucionais que impõem respeito à privacidade e ao sigilo de dados (art. 5º, X e XII), impedindo a devassa de intimidade das pessoas e preservando a sua dignidade (art. 1º, III).

Embora o sigilo bancário constitua elemento fundamental para possibilitar as relações bancárias – respaldadas na confiança e no crédito – não constitui direito absoluto, à medida que haja indiscutível interesse público no conhecimento de negócios particulares.

É exclusiva a competência do Judiciário para decretar a quebra do sigilo a fim de tornar transparentes os movimentos bancários, sendo vedado o procedimento unilateral por parte de autoridade administrativa.” (In Pesquisas Tributárias – Direitos Fundamentais do Contribuinte, Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, editoras Centro de Extensão Universitária e RT. 2000, p. 312).

É a jurisprudência:

“Tributário, Sigilo Bancário, Quebra com Base em Procedimento Administrativo-Fiscal. Impossibilidade.

O sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo fiscal, por implicar em indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal (artigo 5º, Inciso X). Por isso, cumpre às instituições financeiras manter sigilo acerca de qualquer informação ou documentação pertinente à movimentação ativa e passiva do correntista/contribuinte, bem como dos serviços bancários a ele prestados.

Observadas tais vedações, cabe-lhes atender as demais solicitações de informações encaminhadas pelo Fisco, desde que decorrentes de procedimento fiscal regularmente instaurado e subscritas por autoridade administrativa competente. Apenas o Judiciário, por um de seus órgãos, pode eximir as instituições financeiras do dever de segredo em relação às matérias arroladas em lei. Interpretação integrada e sistemática dos artigos 38, parágrafo 5º, da Lei 4595/94 e 197, Inciso II e parágrafo 1º do CTN. Recurso improvido, sem discrepância”. (STJ, 1ª T. Resp. 121.642/DF, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, ago/ 1997)

Posto isto, Defiro a pretensão liminar, para o fim de determinar à autoridade impetrada proceda ao sobrestamento da fiscalização e do andamento do procedimento fiscal nº 08111400.2001.00141-5, bem como sua abstenção em adotar qualquer outra medida tendente a quebra do sigilo bancário da impetrante.

Oficie-se à autoridade impetrada comunicando-a desta decisão. Vista ao representante do MPF. Após, venham os autos conclusos para sentença.

Intime-se. Oficie-se.

São Paulo, 31 de julho de 2001.

Andréa Basso

Juíza Federal Substituta

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