Investigação criminal

Lei autoriza para infiltração de policiais em quadrilhas

Autor

  • Luíz Flávio Borges D'Urso

    é advogado criminalista presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM). Mestre e doutor em Direito Penal pela USP. Conselheiro Federal da OAB e foi Presidente da OAB/SP por três gestões.

17 de abril de 2001, 0h00

Trata-se da Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, publicada no Diário Oficial de 12 de abril do corrente, que autoriza a infiltração de agentes policiais, para o fim de se obter prova em investigação criminal, desde que com autorização judicial, além de outras poucas disposições.

Essa lei nova, modificou os artigos 1º e 2º da Lei nº 9.034 de 3 de maio de 1995, a qual dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, inserindo, ainda, a possibilidade de captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos e acústicos, com autorização judicial.

Numa primeira leitura, pode equivocadamente, acreditar-se que a lei nova autorizou a escuta telefônica, algo já autorizado pela lei brasileira, desde a Constituição Federal de 1988, que prevê no inciso XII do artigo 5º, a possibilidade da violação do sigilo telefônico, mediante autorização judicial, desde que para fins de investigação criminal ou instrução do processo penal.

Essa possibilidade de quebra do sigilo, carecia de forma estabelecida em lei, pois embora a constituição brasileira previa a autorização, a forma de se fazer não era vislumbrada na Carta Magna.

Assim, somente em 1996, pelo advento da Lei nº 9.296 de 24 de julho, é que se regulamentou o citado dispositivo constitucional, prevendo-se a forma pela qual o judiciário deveria autorizar essa violação, para os fins já declinados, sob segredo de justiça, estabelecendo, ainda, o crime de violação telefônica sem autorização judicial, cominando pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos para o violador.

Dessa forma, fica claro que a interceptação telefônica já tinha previsão legal para sua ocorrência e o que se verifica na lei nova, é que o legislador alastrou o alcance da norma, prevendo agora, o que não fora expressamente previsto anteriormente, autorizando a partir dessa lei nova, “a captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial”.

Fica fácil imaginar que para o interesse da investigação criminal, após autorização judicial, utilizando-se de tecnologia de ponta, se possa captar as conversas, telefônicas ou não, do investigado, além de sinais óticos que sirvam para a investigação, concluindo-se, que inegavelmente, o legislador ampliou o alcance da norma modificada.

Mas o que certamente trará maiores problemas é exatamente a inclusão do inciso V, que estabelece a possibilidade de “infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituídas pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial”.

A grande preocupação nesse caso, é que o agente policial eventualmente poderá conseguir autorização para se infiltrar na quadrilha e dela fazer parte, praticando crimes, objetivando colher elementos de interesse da investigação, mas, excepcionalmente, se obrar criminosamente, permanecerá cometendo crimes sob o manto da lei que lhe dará verdadeiro “salvo conduto” para tal, e caso surpreendido, invocará a autorização de infiltração.

Temo este dispositivo, que poderá inaugurar uma categoria de agentes policiais acima da lei, autorizados por esta a praticar crimes, tudo objetivando punir autores dessas infrações penais. Imaginemos uma quadrilha que assalta bancos e com ordem judicial, agentes policiais passam a se infiltrar naquela organização criminosa, passando então estes, também a assaltarem bancos, até o momento que obtenham-se as provas que se buscam.

Vale lembrar que o inciso II da citada lei de 95, prevê a ação controlada, na qual o agente policial não pratica prevaricação se deixar de agir no instante da ocorrência, portanto em pleno flagrante delito para, retardando a ação policial, escolher momento posterior mais apropriado para formação da prova buscada.

A conjugação desses dois dispositivos é preocupante, porquanto autoriza-se ao policial a não agir quando estiver diante do flagrante delito e mais, agora, pela nova lei, se autorizaria o próprio policial a praticar o delito!

Ora, como admitir que poderemos autorizar um agente policial assaltar, para o fim de se prender e punir assaltantes? O Estado não estaria caindo num contra-senso? Essas questões se colocam para o plano prático. Há de se meditar sobre o desvio de conduta do “infiltrado”, o que poderá trazer mais males do que contribuição efetiva à investigação criminal, sem falar no altíssimo risco de vida que o agente policial infiltrado correrá.

Creio que essa lei nova, já em vigor, poderia ter sido melhor discutida com a sociedade, apesar dos avanços que tal diploma concebe para a investigação ou para o próprio processo penal.

Agora resta ao judiciário aumentar o controle dessas autorizações, de forma que a lei posta, sirva efetiva e exclusivamente, aos objetivos que inspiraram o legislador pátrio.

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