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Juiz autoriza mudança de nome de transexual em São Paulo

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10 de abril de 2001, 16h44

O Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a mudança de nome de um transexual. Adão Lucimar poderá ser chamada de Lucimara. Em seu registro, onde marca sexo “masculino” deverá ser substituído por “feminino”. A decisão é do juiz Boris Kauffmann. Segundo ele, o nome masculino causava constrangimento ao transexual, que já foi operado.

Na sentença, o juiz faz uma referência a Roberta Close. “Até hoje chamamos de “Roberta” o famoso transexual Roberto Gambine Moreira, o qual, apesar de ter obtido sucesso em pedido idêntico feito perante a 8ª Vara da Família do Rio de Janeiro, teve sua pretensão desatendida por força do julgamento da apelação interposta contra a sentença”. De acordo com o juiz, seria chocante para qualquer pessoa chamá-la de “Roberto” porque poderia “provocar risos e chacotas”.

O transexual chegou a passar por avaliação psiquiátrica. Foi concluído que há condições “de assumir plenamente sua natureza feminina”. Segundo a ação, aos nove anos de idade o transexual começou a notar as diferenças de atitudes e comportamentos inclinados para a feminilidade. O primeiro namoro aconteceu quando tinha 12 anos. A partir dos 13, começou a se vestir como menina.

A perícia médica, pela qual passou o transexual, afirmou: “A mudança do registro do sexo é assunto filosófico, pois apesar de seus caracteres morfológicos e até psíquico, geneticamente sempre será do sexo masculino, pela presença dos cromossomos sexuais “XY”, que é imutável, associado à total impossibilidade de procriar, pois não tem testículos e nem ovários (espermatozóides e óvulos respectivamente)”.

Veja, na íntegra, a decisão que autoriza a mudança do nome.

Acórdão da Quinta Câmara da Seção de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 165.157.4/5. Apelante: Adão Lucimar *****. Apelado: Ministério Público. Rel. Des. Boris Kauffmann. Data do julgamento: 22/03/2001. Votação unânime.

Acórdão da Quinta Câmara da Seção de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 165.157.4/5. Apelante: Adão Lucimar *****. Apelado: Ministério Público. Rel. Des. Boris Kauffmann. Data do julgamento: 22/03/2001. Votação unânime.

Voto 6.930

Registro civil. Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por transexual primário operado. Desatendimento pela sentença de primeiro grau ante a ausência de erro no assento de nascimento. Nome masculino que, em face da condição atual do autor, o expõe a ridículo, viabilizando a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei 6.015/73, art. 55, par. único, c.c. art. 109). Alteração do sexo que encontra apoio no art. 5o, X, da Constituição da República. Recurso provido para se acolher a pretensão. É função da jurisdição encontrar soluções satisfatórias para o usuário, desde que não prejudiquem o grupo em que vive, assegurando a fruição dos direitos básicos do cidadão.

1. Cuida-se de ação de conhecimento tendo por objeto a alteração do assento de nascimento do autor, tanto em relação ao nome como ao sexo. Fundamenta-se no fato de ser transexual, tendo se submetido a cirurgia plástica para adequar seu sexo físico ao psicológico. Com relação ao sexo indicado no assento, formulou pedidos alternativos: a supressão da indicação masculino, substituindo-se por feminino, ou então por transexual feminino.

A sentença de fls. 68/72, cujo relatório é adotado, com a declaração de fls. 76, desacolheu a pretensão apoiando-se na inexistência de erro na lavratura do assento de nascimento, impondo ao autor os ônus da sucumbência, com a observação de ser ele beneficiário da assistência judiciária.

Apelou o autor buscando a reforma da sentença, com o acolhimento de seu pedido de alteração do assento de nascimento. Sustentou que a utilização de seu nome o expõe a situações embaraçosas. Salientou que não se pode fechar os olhos para uma realidade, qual seja, a de que não mais possui as características do sexo masculino, mas, sim, as do sexo feminino. Em relação ao nome constante do registro, acrescentou que o princípio da inalterabilidade não é absoluto (fls. 78/86).

Recebido o recurso, o Ministério Público, em contra-razões, admitiu o provimento parcial apenas para deferir a alteração do nome, mantida, no entanto, a indicação do sexo masculino (fls. 88/89).

A Procuradoria Geral de Justiça, através do parecer da Dra. Leila Mara Ramacciotti Vasconcellos, opinou pelo provimento integral do recurso, alterando-se o nome e o sexo no assento de nascimento do autor (fls. 93/102).

2. Autorizado pelo art. 46 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, o assento de nascimento do autor foi feito apenas em 20 de dezembro de 1979, quando este já tinha 13 (treze) anos. Tendo sido declarante a mãe, indicou ela ao oficial o nome completo do registrando – Adão Lucimar ************ ** ********* – e que o seu sexo era masculino (cf. doc. fls. 13).

Submetido a perícia médica nestes autos, realizada no Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo – IMESC -, constatou-se que o autor apresenta “mamas bem desenvolvidas (com prótese de silicone”, “ausência de genitália masculina” e “presença de neo-vagina e vulva”. Ao identificar o sexo do autor, o perito, após destacar os vários critérios para tanto, concluiu: “… a mudança do registro do sexo é assunto filosófico, visto a discussão anteriormente feita sobre sexo, pois apesar de seus caracteres morfológicos e até psíquico, geneticamente sempre será do sexo masculino, pela presença dos cromossomos sexuais “XY”, que é imutável, associado à total impossibilidade de procriar, pois não tem testículos e nem ovários (espermatozóides e óvulos respectivamente)” (fls. 49/54). A avaliação psiquiátrica concluiu que o autor tem condições “de assumir plenamente sua natureza feminina”, anotando que, segundo seu relato, com 9 (nove) anos começou a notar as diferenças de atitudes e comportamentos, inclinados para a feminilidade, tendo tido seu primeiro namorado aos 12 (doze) anos, e, a partir dos 13 (treze) anos, a vestir-se como se menina fosse (fls. 55/56). A perícia concluiu que o autor é um transexual.

3. Pedro Jorge Daguer, em sua tese de mestrado apresentada ao Instituto de Pós-Graduação Psiquiátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, citado por Antonio Chaves, esclarece que “por transexualismo masculino entende-se a condição clínica em que se encontra um indivíduo biologicamente normal (…) que, segundo sua história pessoal e clínica, e segundo o exame psiquiátrico, apresenta sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático” (“Direito à vida e ao próprio corpo”, Ed. Revista dos Tribunais, 1994, pág. 141). Aracy Augusta Leme Klabin também define o transexual dessa forma: “é um indivíduo, anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo” (“Transexualismo”, in Revista de Direito Civil, vol. 17, pág. 27).

O transexual não se confunde com o travesti ou com o homossexual. No tranvestismo, a característica principal é o uso de roupagem cruzada, por fetichismo ou por defesa; no homossexualismo, a identificação é feita pelo relacionamento sexual com pessoas do mesmo sexo. Também não se confunde com o hermafroditismo verdadeiro ou com o pseudo-hermafroditismo. Esclarece, a respeito, Carlos Fernadez Sessarego: “El primero de ellos, como lo señala la literatura especializada es um síndrome que se caracteriza “por la presencia simultánea, em el mismo indivíduo, de la gónada masculina y de aquella femenina”, cuya coexistência “influye, de modo variable, sobre la conformación de los genitales externos, el aspecto somático y el comportamiento síquico. El seudo-hermafroditismo, tanto masculino como femenino, representa la carencia, en un mismo individuo, de homogeneidad entre los órganos genitales externos y el sexo genético. Esta situación se diferencia del transexualismo en tanto en éste no se presentan anomalías a nivel de la gonoda o en lo que atañe a los genitales externos” (“El cambio de sexo y su incidencia en las relaciones familiares”, in Revista de Direito Civil, vol. 56, pág. 7).

Costuma-se, além disso, distinguir o transexual primário do secundário. “O primário compreende aqueles pacientes cujo problema de transformação do sexo é precoce, impulsivo, insistente e imperativo, sem ter desvio significativo, tanto para o transvestismo quanto para o homossexualismo. É chamado, também de esquizossexualismo ou metamorfose sexual paranóica. O secundário (homossexuais transexuais) compreende aqueles pacientes que gravitam pelo transexualismo somente para manter períodos de atividades homossexuais ou de transvestismo (são primeiro homossexuais ou travestis).

O impulso sexual é flutuante e temporário, motivo pelo qual podemos dividir o transexualismo secundário em transexualismo do homossexual e do travesti” (Aracy Klabin, “Aspectos jurídicos do transexualismo”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 90, 1995, pág. 197). Pode-se afirmar, portanto, que no transexual secundário, o transexualismo é o meio para a atividade homossexual ou de transvestismo, ao passo que no transexual primário, o transexualismo é o próprio fim.

Essa cisão entre o sexo somático e o sexo psicológico poderia indicar a terapia como tratamento para ajustar este último ao primeiro. No entanto, destaca Matilde Josefina Sutter ser “inócua qualquer tentativa no sentido de reconduzir psicologicamente o transexual ao seu sexo anatômico, uma vez que todas as técnicas psicoterápicas se mostram absolutamente ineficazes, nesse sentido, possivelmente devido à falta de cooperação do paciente, que rejeita o tratamento”. E prossegue: “Afirmamos em outra ocasião, que nenhum argumento é capaz de demovê-lo, pois o ‘transexual, em geral, na prática, não admite discutir essa situação, só o fazendo com vistas à mudança de sexo. Esta lhe é tão necessária que absorve todo o seu interesse, de modo a impedir o seu desenvolvimento pessoal’. O transexual se ofende e se revolta quando lhe indicam tratamento psicoterápico” (“Determinação e mudança de sexo – aspectos médico-legais”, ed. Revista dos Tribunais, 1993, pág. 115).

Esta insistência e imperatividade de ajuste sexual, característica do transexual primário, aliada à inocuidade do tratamento psicoterápico, é que levou muitos países a admitir o caminho inverso: a mimetização do sexo morfológico, procurando adequá-lo ao sexo psicológico, eliminando assim a causa da repulsa que conduz invariavelmente ao suicídio e à automultilação. Para o transexual primário, a solução é cirúrgica, como a realizada pelo autor, com a eliminação do pênis e do escroto e a construção de uma neo-vagina e vulva, além da implantação de próteses de silicone nas mamas, para dar aparência feminina, e eliminação do pomo de Adão, para retirar qualquer resquício do sexo morfológico.

4. O perito concluiu que, apesar das cirurgias a que se submeteu, o autor é, ainda, do sexo masculino. Tal conclusão, como se viu, baseou-se na presença dos cromossomos “XY”.

Sexo, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é a “conformação particular que distingue o macho da fêmea, nos animais e nos vegetais, atribuindo-lhes um papel determinado na geração e conferindo-lhe certas características distintivas”.

É evidente que no fim do século retrasado, quando principiou a obrigatoriedade do registro civil, a distinção entre os dois sexos baseava-se na conformação da genitália. Lembra-se, sempre, de antiga propaganda em que duas crianças, um menino e uma menina, olhavam para o interior de sua roupa para ver as diferenças entre eles. Mas, com o desenvolvimento científico e tecnológico, pode-se afirmar que, hoje, existem vários elementos identificadores do sexo, apontando Tereza Rodrigues Vieira os seguintes: o cromossômico ou genético; o cromantínico, o gonádico, o anatômico, o hormonal, o social, o jurídico e o psicológico (“Direito à adequação de sexo do transexual”, in Repertório IOB de Jurisprudência, n. 3/96, pág. 51). Adverte Aracy Klabin que qualquer dos critérios poderia ser tomado isoladamente para determinar o sexo da média das pessoas, podendo, no entanto, qualquer deles falhar em relação a alguns indivíduos (op. cit.., pág. 201).

No caso em exame, o único elemento dissonante era o sexo psicológico, pois, como transexual primário, o autor acreditava e acredita firmemente ter o sexo feminino, erroneamente envolvido num corpo masculino, que ele alterou. Como transexual e em face da crença firme do seu sexo feminino, o relacionamento sexual ocorre com pessoas do sexo oposto, ou seja, do sexo masculino, podendo-se dizer que o transexual masculino é um heterossexual, do ponto de vista do sexo psicológico.

5. A Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, deixa evidente que, como regra, o assento de nascimento é inalterável. No art. 58 afirma que “o prenome será imutável”, abrindo exceções ao erro de grafia (art. 58, par. único) e aos nomes capazes de expor a ridículo seus portadores (art. 55, par. único). Permitindo a retificação de qualquer outro elemento do assento, mediante ordem do juiz (art. 109), possível a alteração do sexo. Retificar, aí, está no sentido de corrigir, superar o erro.

Examina-se, primeiramente, o pedido de alteração do nome. Neste tema observa-se que, aparentemente, houve a tentativa da mãe do autor, declarante no registro de nascimento, para minorar o problema. O relato feito ao perito indicava que aos 13 (treze) anos o autor passou a vestir-se como menina, e ao efetuar o registro, tendo o autor 13 (treze) anos, a mãe incluiu, no prenome composto, o elemento “Lucimar”, tipicamente feminino, ao lado do elemento “Adão”, rigorosamente masculino. Mas, não se pode negar que o elemento “Adão” é causa de constrangimento para o autor, podendo expô-lo ao ridículo. Afinal, Adão foi o macho criado por Deus, segundo o Gênesis.

Adverte Spenser Vampre: “Quando pronunciamos, ou ouvimos um nome, transmitidos ou recebemos um conjunto de sons, que desperta em nosso espírito, e no de outrem, a idéia da pessoa indicada, com seus atributos físicos, morais, jurídicos, econômicos, etc. Por isso é lícito afirmar que constitui o nome a mais simples, a mais geral e a mais prática forma de identificação” (“Do nome civil”, ed. F. Briguiet & Cia., 1935, pág. 38). Ao ouvirmos o nome “Adão”, a idéia que nos é transmitida é de alguém com atributos masculinos, chocando-nos quando essa expectativa não é correspondida. Até hoje chamamos de “Roberta” o famoso transexual Roberto Gambine Moreira, o qual, apesar de ter obtido sucesso em pedido idêntico feito perante a 8a Vara da Família do Rio de Janeiro, teve sua pretensão desatendida por força do julgamento da apelação interposta contra a sentença da Dra. Conceição A. Mousnier. É chocante, para qualquer pessoa, referir-se a ele como “Roberto”, o que pode provocar risos e chacotas.

É verdade que essa desconformidade entre o prenome e o aspecto físico somente surgiu em razão das modificações provocadas pela cirurgia plástica e pela forma do autor se vestir e agir no meio social. Mas, como salientou a magistrada citada, “manter-se um ser amorfo, por um lado mulher, psíquica e anatomicamente reajustada, e por outro lado homem, juridicamente, em nada contribuiria para a preservação da ordem social e da moral, parecendo-nos muito pelo contrário um fator de instabilidade para todos aqueles que com ela contactassem, quer nas relações pessoais, sociais e profissionais, além de constituir solução amarga, destrutiva, incompatível com a vida” (transcrição de Antonio Chaves in “Direito à vida e ao próprio corpo”, 1994, pág. 160).

Portanto, ainda que não se admita o erro, não se pode negar que, com o aspecto hoje apresentado pelo autor, o prenome “Adão” o expõe a ridículo, autorizada a sua modificação pelo art. 55, par. único, combinado com o art. 109, ambos da Lei n. 6.515, de 31 de dezembro de 1973, inexistindo qualquer indicação de que a alteração objetive atingir direitos de terceiros. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome “Lucimara” pra se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguida do sobrenome familiar.

A alteração da indicação do sexo necessita exame mais cuidadoso. Obviamente, como concluiu a perícia, as alterações sofridas pelo autor, com a extração do pênis e do escroto, a construção de uma neo-vagina e vulva, a implantação de próteses de silicone nas mamas e a redução do pomo-de-Adão, isto é, da saliência da cartilagem tireóide, não fizeram do autor uma mulher, no aspecto da capacidade de procriação. Dessa forma, a alteração poderá eventualmente viabilizar um casamento inexistente, se o autor contrair núpcias com um homem, já que, por enquanto, o ordenamento jurídico só reconhece o casamento de pessoas de sexos diferentes. Se se adotar, no entanto, como critério distintivo dos sexos o psicológico, aí o casamento existiria, mas, se o cônjuge ignorar o fato da transexualidade, quando de sua celebração, poderá ser anulado em virtude de erro essencial (Cód. Civil, arts. 218 e 219, I).

Como o erro no assento não existiu, em princípio a alteração não seria possível. No entanto, não se pode ignorar a advertência feita pelo magistrado Ênio Santarelli Zuliani, em brilhante voto vencido proferido na Apelação Cível n. 052.672-4/6, da Comarca de Sorocaba: “Como a função política do Juiz é de buscar soluções satisfatórias para o usuário da jurisdição – sem prejuízo do grupo em que vive -, a sua resposta deve chegar o mais próximo permitido da fruição dos direitos básicos do cidadão (art. 5o, X, da Constituição da República), eliminando proposições discriminatórias, como a de manter, contra as evidências admitidas até por crianças inocentes, erro na conceituação do sexo predominante do transexual”. E, mais adiante, aludindo à dubiedade existente no portador da síndrome de identidade sexual, acrescenta: “A medicina poderá aliviar o peso da dubiedade, com técnicas cirúrgicas. O Estado confia que o sistema legal é apto a fornecer a saída honrosa e deve assumir uma posição que valoriza a conquista da felicidade (‘soberana é a vida, não a lei’, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in “O aprimoramento do Processo Civil como pressuposto de uma justiça melhor”, AJURIS 57/80), quando livre da ameaça de criar-se exceção ao controle da paz social”.

A tendência que se observa no mundo é a de alterar-se o registro adequando-se o sexo jurídico ao sexo aparente. O jornal “El Mundo”, edição de 18 de março de 2000, anunciou: “Um juez ordena el cambio de nombre del primer transexual operado por la Seguridade Social”. Embora a manchete aluda apenas à mudança do nome, a alteração envolveu também o sexo, esclarecendo que o Juizado n. 21, de Primeira Instância de Sevilha – Espanha -, ordenou a alteração do nome e do sexo de Suzana G. G., o primeiro transexual operado na Espanha pela Previdência Social, acrescentando: “La sentença recoge que há quedado debidamente acreditado que Susana, antes Antonio, há ‘assumido y ejercitado desde su infância roles claramente femeninos’, que solo se han manifestado em su comportamiento, relaciones, o forma de vestir, sino que incluso lê llevaron a ‘intentos de mutilación por la adversion y repugnância que sentia hacia sus órganos genitales masculinos, existiendo uma disociación entre tales órganos y sus sentimientos”.

Já na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, afirmava-se que a dignidade é inerente todos os membros da família humana. E a Constituição em vigor inclui, entre os direitos individuais, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5o, X). Reside aqui o fundamento legal autorizador da mudança do sexo jurídico, pois sem ela, ofendida estará a intimidade do autor, bem como sua honra. O constrangimento, a cada vez que se identifica, afastou o autor de atos absolutamente normais em qualquer indivíduo, pelo medo da chacota. A busca da felicidade, que é direito de qualquer ser humano, acabou comprometida.

Essa preocupação é que levou esta 5a Câmara de Direito Privado a admitir a alteração do nome e do sexo no assento de nascimento de H. D. B., também transexual primário. Afirmou o acórdão – que curiosamente manteve a indicação de “transexual” como sendo o sexo do registrado – que “não se pode deixar de reconhecer ao autor o direito de viver como ser humano que é, amoldando-se à sociedade em que quer fazer parte. E não quer viver o autor como marginalizado, como discriminado, num estado de anomia e anomalia. Ele quer simplesmente merecer o respeito de sua individualidade, de ser cidadão, um indivíduo comum” (Apelação Cível n. 86.851.4/7, de São José do Rio Pardo, rel. Des. Rodrigues de Carvalho). E tem levado o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao mesmo caminho (RTJRGS 195/356; Apel. Cível 59517893, rel. Des. João Selistre, julg. Em 28/12/95 pela 3a Câmara Cível

A sugestão do Ministério Publico de primeira instância, de se alterar o nome, mantendo-se, todavia, o sexo masculino, é inadmissível. A integração na sociedade depende da acomodação do registro, sendo eventual ressalva – quer indicando o sexo masculino, quer indicando a condição de transexual – ofensora aos direitos fundamentais. A esse respeito, 2nd Circuit U. S. Coutr of New York admitiu que, segundo a Constituição Americana, os transexuais têm o direito constitucional de manter o sigilo de sua condição. A situação, aqui, é a mesma devido a garantia de resguardo da intimidade.

6. Em conseqüência, o recurso é provido para se determinar que no assento de nascimento n. **.***, lavrado em ** de ********* de **** às fls. *** do livro A-** do Cartório de Registro Civil do ** *********** ** ***********(SP), seja alterado o nome, de “Adão Lucimar ********* ** ***********” para “Lucimara ***********”, bem como a indicação do sexo, de “masculino” para “feminino”.

Sem custas.

BORIS KAUFFMANN

Relator

* A sentença está publicada no Boletim Paulista de Direito

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