Animais na pista

Juiz manda concessionária de rodovia indenizar viúva por acidente

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10 de abril de 2001, 0h00

Concessionárias de rodovias são responsáveis por qualquer dano causado pela presença de animais na pista. O entendimento é do juiz José Luiz Germano, ao condenar a concessionária Triângulo do Sol Auto Estradas a pagar indenização de R$ 50 mil para Alzira dos Santos de Almeida, que teve seu marido morto em um acidente de carro por causa de cavalos na pista.

Na decisão, o juiz afirma que os acidentes na rodovia Washington Luiz são freqüentes, o que evidencia a falha na prestação de serviço. Segundo ele, a concessionária pode até tentar o ressarcimento, posteriormente, com o dono dos animais, caso seja identificado. Mas, em situações semelhantes, os prejudicados podem entrar com a ação diretamente contra a concessionária “responsável pelos cuidados da rodovia”.

Alzira havia entrado com o pedido de indenização por danos materiais e morais. Segundo o juiz, é preciso que os danos materiais sejam alegados e depois provados, o que não aconteceu no pedido. Os danos morais não precisam ser detalhados na ação, de acordo com o Germano.

“Há coisas que não precisam sequer ser ditas porque são conhecidas. Ora, se uma viúva pede indenização pela dor decorrente do falecimento de seu marido, não é necessário que ela diga quantas noites chorou, o quanto ficou desapontada, que não conseguia comer e que perdeu a alegria de viver”, ressaltou.

Leia, na íntegra, a decisão da Justiça que concede a indenização.

QUINTA VARA CÍVEL DA COMARCA DE CAMPINAS – ESTADO DE SÃO PAULO

Processo 4.172/99.

Vistos.

ALZIRA DOS SANTOS DE ALMEIDA propôs a presente ação de indenização em face de TRIÂNGULO DO SOL AUTO ESTRADAS S.A., alegando que no dia 21 de julho de 1999, na altura do Km 310 da Rodovia Washington Luiz, administrada pela ré, um veículo Gol era conduzido por Antonio Galego Líria, que tinha como acompanhante no banco dianteiro o esposo da autora, Carlos Linhares de Almeida, que faleceu em razão de ferimentos causados por animais (dois cavalos) que estavam sobre a pista e pelo carro foram atropelados; a vítima era aposentada e trabalhava para complementar seus ganhos; que acidentes como esse são freqüentes porque a ré é desidiosa no cumprimento da obrigação que lhe é imposta pelo art. 588, §5o, do Código Civil; quer receber uma indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes, em razão da dor sofrida com a perda de seu marido.

A ré foi citada pessoalmente e apresentou contestação a fls. 47 com a alegações preliminares de ilegitimidade para a causa porque não causou dano algum e que a responsabilidade pelos danos causados pelos animais é dos proprietários destes; que a petição inicial é inepta porque não foram mencionados os danos materiais e não explicado qual seria o dano moral; que faltam documentos essenciais para a propositura da ação necessários à comprovação do dano; que deve ser deferida a denunciação da lide à seguradora.

No mérito foi dito que a teoria da falta do serviço exige prova de culpa subjetiva; que existe um serviço de inspeção do tráfego a cada 120 minutos, no máximo; que não houve nexo causal e não há nem mesmo a responsabilidade prevista no art. 37, §6o da C.F.; que o que a autora quer é a aplicação da teoria do risco integral quando o certo é a teoria do risco administrativo; que o dever de guarda é dono do animal e que a falha deste terceiro equivale a um fato fortuito, que exclui a responsabilidade da ré; que as condições da rodovia eram boas.

A réplica está a partir de fls. 153 e as partes foram intimadas a especificar provas.

É o relatório.

Decido:

Não há ilegitimidade passiva para a causa, pois isso só acontece quando o autor escolhe a pessoa errada para figurar como ré, o que normalmente acontece quando a requerida não tem qualquer relação jurídica de direito material com o autor.

Todavia, no caso presente, sustenta a autora que há responsabilidade da requerida pelos danos por ela sofridos, de modo que há, ao menos em tese, a legitimidade passiva.

Com essa alegação preliminar a ré fez uma verdadeira confusão entre o direito processual e o direito material, pois a falta da relação de direito material é matéria de mérito e faz com que o pedido seja julgado improcedente. Em outras palavras, ao dizer que a ré não tem responsabilidade pelos danos, eu não estaria tratando da legitimidade, mas do próprio mérito, o que pressupõe que a parte seja legítima.

Se há, ao menos em tese, responsabilidade da ré e esta admitiu que ela poderia existir, por exemplo, se fosse provada sua omissão na retirada dos animais, já basta para que a legitimidade seja reconhecida. Porem, se concretamente há ou não a responsabilidade da ré, se a responsabilidade é só do dono dos animais, isso é matéria do julgamento do mérito, o que será feito em seguida.


Rejeito, pois, a descabida alegação de ilegitimidade de parte.

A petição inicial é de fato defeituosa quando pleiteia danos materiais e lucros cessantes, pois não foi dito quais seriam esses danos, quanto a vítima recebia de aposentadoria e nem quanto ganhava nas suas atividades complementares. Nem sequer foram alegadas as despesas de funeral e o que houve foi um pedido de arbitramento.

De fato, no que diz respeito aos danos materiais, é preciso que eles sejam alegados e depois provados para que o responsável seja condenado. Isso a ré não observou, o que impede a apreciação desses pleitos, que só poderão ser formulados por ação própria, já que aqui não serão nem sequer conhecidos.

Todavia, não é possível reconhecer-se qualquer inépcia no que diz respeito ao pedido de danos morais, ainda que eles não tenham sido detalhados. Há coisas que não precisam nem sequer ser ditas porque são conhecidas. Ora, se uma viúva pede indenização pela dor decorrente do falecimento de seu marido, não é necessário que ela diga quantas noites chorou, o quanto ficou desapontada, que não conseguia comer, que perdeu a alegria de viver. Será que um pai precisa dizer que sofreu com a morte de um filho? É evidente a dor decorrente da perda do companheiro de mais de 40 anos!!! (fls. 09).

Rejeito em parte a alegação de inépcia da petição inicial para dizer que só será conhecido o pedido de danos morais. Fica, portanto, prejudicada a alegação de que não foram juntados documentos essenciais à comprovação dos danos materiais.

A denunciação da lide poderia ser deferida, mas não é o caso de seu deferimento, diante de certas peculiaridades deste caso.

Como adiante se verá, a responsabilidade da requerida é objetiva, o que significa que não se discute a sua culpa. Essa responsabilidade independe da ré independe da responsabilidade de sua seguradora, que poderá ter inúmeras defesas contra a requerida para o não pagamento do valor segurado. A autora, por sua vez, não tem nada a ver com a eventual “briga” que pode ser travada entre seguradora e segurada.

O processo está pronto para ser julgado e é dever do juiz velar pela rápida solução do litígio, que só ficaria mais moroso e complicado com o ingresso da seguradora. É para evitar isso que não se permite a intromissão de seguradoras nas demandas do juizado de pequenas causas e nas de rito sumário. A denunciação neste caso mais atrapalharia do que ajudaria.

Como é certo o dever de a ré indenizar, que seja logo isso definido, até porque a autora tem mais de 60 anos, quando o processo estiver em fase de execução certamente ela já terá completado 65 e merece desde logo um tratamento mais célere, sob pena de morrer sem ser indenizada.

Finalmente, não há nulidade sem prejuízo e a ré pode muito bem mover sua ação regressiva de forma autônoma contra a seguradora, se é que tal demanda será necessária, pois a experiência mostra que as seguradoras pagam voluntariamente as indenizações quando os seus segurados são condenados a pagar a terceiros.

Por todas essas razões, indefiro o pedido de denunciação da lide.

No mérito o pedido procede, como se vê da fundamentação abaixo.

A ré, matreiramente, procura convencer que a sua responsabilidade é subjetiva, pois assim empurra para a autora o ônus da prova e faz com que se safe do dever de indenizar até mesmo quando a culpa existe, mas acaba não sendo provada.

Todavia, o que a ré faz é prestar um serviço numa clara relação de consumo. A rodovia está ao dispor de quem quiser usá-la, desde que pague os muitos pedágios existentes. O Código de Defesa do Consumidor estabelece nesses casos uma responsabilidade objetiva do fornecedor.

Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º – O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

§ 2º – O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3º – O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Não há necessidade de se perder tempo na análise da existência de culpa, pois ela é irrelevante para a caracterização da responsabilidade da ré.

Porém, apenas por amor ao debate é preciso que se diga que as reportagens de fls. 11 e 12 bem mostram quem tais acidentes são freqüentes. Se os acidentes com animais na pista ocorrem com tamanha periodicidade, isso evidencia a falha do serviço da ré.


Acrescento que existe a responsabilidade do dano do animal por sua guarda e vigilância, como prevê expressamente o Código Civil no art. 1.527, mas essa responsabilidade não exclui a da empresa requerida. Ao contrário, há uma solidariedade, conforme já decidiu a jurisprudência.

RT 715/178 – ACIDENTE DE TRÂNSITO – Indenização – Reparação de danos decorrente de atropelamento de animal em rodovia – Falha do serviço público caracterizada – Fiscalização do tráfego quanto à questão ligada à segurança a cargo do DER – Responsabilidade deste solidária com a do dono do animal – Verba devida (1.º TACivSP).

Em suma, sendo a ré condena a pagar a indenização aqui pleiteada, restarão a ela duas opções: demandar a seguradora, como já mencionado, ou ainda demandar o proprietário dos animais.

Uma das obrigações da requerida é fornecer pistas livres e desimpedidas para as pessoas que utilizam suas rodovias. Quem viaja numa rodovia como a Washington Luiz, que de fato tem pistas que podem ser comparadas às melhores do mundo, espera não encontrar sobre elas animais perambulando.

A própria ré reconhece o seu dever de retirar os animais sobre a pista (fls. 56 e 57) e fazer a inspeção devida, a qual tem que se repetir a cada 120 minutos pelo menos.

Porém, se a prática tem demonstrado que 120 minutos é um tempo muito longo de intervalo entre uma vistoria e outra, que então sejam feitas vistorias com intervalos menores. A ré pode não ser ubíqua, mas com certeza pode esta ser mais presente, ser mais eficaz. Por exemplo, os telefones ou interfones a cada quilômetro permitem que os próprios usuários avisem a ré sobre quaisquer anormalidades, mas acabo de ligar para o telefone 0800161609 e um funcionário da requerida me informou que esse serviço não existe.

É preciso ser dito também que a privatização das rodovias é algo recente, pois antes todas eram públicas. Na verdade, as rodovias continuam sendo públicas, mas empresas privadas obtiveram a concessão de algumas delas para explorar esse serviço. É o mesmo que ocorre com os ônibus. Existem empresas privadas que exploram esse serviço público, que é um dever do Estado e um direito do cidadão.

Pois bem, quando um particular explora um serviço público este serviço não deixa de ser público e o particular está sujeito às mesmas regras dos próprios entes públicos, entre os quais está a responsabilidade objetiva.

Em suma, há dois fundamentos distintos para que a ré responda independente de culpa: o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal, como se pode ver dos julgados abaixo, todos emanados do Colégio Recursal do Fórum Regional de Santana, um dos mais operosos da Capital.

PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. Prestadora de serviço público. Responsabilidade objetiva pelos danos provocados por seus agentes. Inteligência do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Sentença mantida. Nos termos do art. 37, § 6º, da Carta Magna, a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, possui responsabilidade objetiva pelos danos que seus agentes vierem a causar a terceiros (Rec. n. 1081, em 18.02.98, Rel. Juiz Rodrigues Teixeira).

RESPONSABILIDADE CIVIL. Acidente de veículos. Pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de transporte. A responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado que presta serviço público é objetiva, sujeitando-se por isso à regra do artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal (Rec. n. 1124, em 11.03.98, Rel. Juiz Fernando Redondo).

RESPONSABILIDADE CIVIL. Acidente de trânsito. Pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de transporte. Aplicabilidade do disposto no art. 37, § 6º, da CF. A pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de transporte sujeita-se ao disposto no art. 37, § 6º da CF., de que resulta ter o ônus da prova de culpa concorrente ou exclusiva da vítima, para que possa eximir-se parcial ou totalmente da responsabilidade (Rec. n. 1170, em 25.03.98, Rel. Juiz Barros Nogueira).

RESPONSABILIDADE CIVIL. Acidente de trânsito. Danos causados por empresa de ônibus prestadora de serviço público contra terceiro. Indenização devida independente da existência de dolo ou culpa. Recurso Improvido. A pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de transporte, responde de forma objetiva pelos danos causados a terceiros, sujeitando-se ao disposto no art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, cabendo-lhe o ônus da prova de culpa exclusiva ou concorrente da vítima, para que possa eximir-se total ou parcialmente da responsabilidade (Rec. n. 1388, em 26.08.98, Rel. Juiz Egidio Giacoia).

Não se responsabiliza a ré pela teoria do risco administrativo, pois ela não é aplicável no nosso direito. Não é todo e qualquer dano que é de responsabilidade da ré. É claro que o pedido não seria procedente, se um raio tivesse matado a vítima ou mesmo um tufão ou furacão. Isso seria um motivo de força maior liberador do dever de indenizar porque rompe o nexo causal.


Se fosse aplicada a teoria do risco administrativo, a rompimento do nexo causal não faria cessar a responsabilidade nem mesmo nos casos de força maior. Isso reforça e comprova que a ré está sendo condenada apenas e tão somente pela responsabilidade objetiva, da qual, salvo má-fé, não pode ela querer furtar-se ou fugir.

A própria ré admite que lhe deve ser aplicada a responsabilidade pelo risco administrativo (fls. 62). E mesmo para esse caso existem sim causas excludentes da responsabilidade civil, como acima eu mencionei a força maior. O próprio Código do Consumidor, tão rigoroso com os fornecedores, contempla algumas causas excludentes do dever de indenizar, mas no presente caso não ocorre nenhuma dessas causas.

Se a ré tivesse um serviço tão eficiente quanto diz, não seriam tão freqüentes os acidentes com animais sobre a pista.

Quando o Código Civil trata do direito de tapagem (art. 588, §5o ) deixa bem claro que serão feitas e conservadas as cercas marginais das vias públicas pela administração, a quem estas incumbirem, ou pelas pessoas, ou empresas que as explorarem.

De fato os autores controvertem se há um dever de serem cercadas todas as estradas, até porque também existe o dever de os proprietários vizinhos das rodovias conservarem suas próprias cercas. Na verdade são cercas comuns, em condomínio, e deve haver uma responsabilidade também compartilhada.

A ré diz que é impossível providenciar cercas ao longo da rodovia sob sua administração, mas isso não é verdadeiro, pois ela não cuida de mais de 55.000 quilômetros, mas menos de 500, o que não nem sequer 1% daquela distância. Além disso, a rodovia Washington Luiz corta uma região bem desenvolvida do interior de São Paulo, onde a esmagadora maioria das propriedades vizinhas é cercada.

A ré, na prática, não precisa fazer cerca alguma, mas apenas fiscalizar se as cercas estão sendo bem conservadas e fazer ou exigir que os proprietários façam a devida conservação. Ando muito pela rodovia Carvalho Pinto, administrada pela DERSA, e já vi várias equipes fazendo esse trabalho.

Eventual falha de terceiro, dono do animal, a quem competia a guarda, não pode ser considerada um fato fortuito, mas sim algo perfeitamente previsível, de modo que deveria a ré ter tomado tomas as providências para evitar. Ela agiu de forma culposa porque foi omissa e ineficiente e mesmo sem culpa de indenizar, quanto mais com ela. Contra o terceiro, dono dos animais, terá ela ação regressiva, mas não pode agora fugir de suas responsabilidades.

A jurisprudência já decidiu que nos contratos de transporte o dano causado por terceiro contra passageiro não exclui a responsabilidade do transportador, a quem também cabe ação regressiva, já que o ato do terceiro não se equipara a um fato fortuito. O ingresso de animais na pista não era e não é um fato fortuito.

*** inserir aqui a súmula do locutor.

Fácil é perceber a esta altura que não houve qualquer rompimento de nexo causal capaz de afastar a responsabilidade objetiva da requerida.

Não houve culpa exclusiva de terceiro, nos termos do art. 14, §3o, do C.D.C., pois a ré concorreu com sua própria culpa. Igualmente não se pode dizer que o seu serviço não tenha sido defeituoso. Foi e é, pois não forneceu a segurança que dele seria de se esperar (art. 14, §1o, C.D.C.).

A responsabilidade civil em casos como o presente tende a tornar-se cada vez mais rigorosa, pois as estradas hoje cobram elevados valores de pedágio, o que faz com que seja perfeitamente exigível uma qualidade cada vez maior de seus serviços. Nada contra o pedágio, que só é cobrado de quem realmente usa a estrada, mas se de um lado existe o pagamento, de outro deve haver responsabilidade do explorador da rodovia.

Jamais deixou de haver nexo causal entre a conduta omissiva da requerida e os prejuízos sofridos pela viúva, de modo que a responsabilidade é inafastável.

As empresas que administram rodovias encontraram as estradas um tanto abandonadas e precisando de muitos investimentos. É claro que não dá para ser tudo feito de uma só vez. Mas isso é um problema da empresa e não do usuário.

As concessionárias das rodovias têm feito muitas melhorias, mas ainda existem falhas, que precisam ser corrigidas. Esta sentença está apontando uma falha a ser sanada, mas como já ocorreu o prejuízo, ao menos uma indenização deve ser paga.

Acredito que no futuro diminuirão os acidentes com animais nas pistas, mas isso tão mais rapidamente ocorrerá quanto mais consciente estiverem as empresas de suas responsabilidades para com os usuários. Esta sentença contribui para que a ré aprenda o que é certo e o que é errado e cumpra o seu dever.

A improcedência do pedido, além de ser um erro jurídico de julgamento, seria um desestímulo aos investimentos necessários à prevenção de acidentes desta natureza.


As empresas como a ré procuraram melhorar as pistas com bom asfalto, sinalização, etc, mostrando que estão cobrando, mas algo mudou para melhor. Isso é uma realidade. Neste ano a via Dutra completou 50 anos de idade e 5 de privatização. Houve até uma campanha publicitária que procurou mostrar que ela muito melhorou, o que é um fato, mas é preciso que se invista também naquilo que não aparece, como as cercas, mas que está ligado diretamente com a segurança do usuário e coloca em risco a sua própria vida, como no caso presente.

Estas considerações são apenas para complementar este julgamento, pois a fundamentação jurídica já foi exaustivamente tratada nas páginas anteriores. A propósito, transcrevo abaixo um Acórdão memorável, relatado pelo Juiz Itamar Gaino, do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, que já tratou do assunto com outras palavras, mas que decidiu da mesma forma. Participaram ainda do julgamento os Juízes Roque Mesquita e Antonio Rigolin, todos de primeira grandeza.

ACÓRDÃO

RESPONSABILIDADE CIVIL – Acidente de Trânsito – Colisão em rodovia entre veículo de usuário e animal solto na pista – Reconhecida a responsabilidade objetiva da Administração da rodovia, uma vez que esta não cumpriu, eficazmente, o dever de assegurar as condições mínimas de segurança àqueles que por ali trafegam e que contribuem, pesadamente, com impostos, taxas e pedágios, para que possam delas desfrutar – Ação procedente – Recurso provido.

RESPONSABILIDADE CIVIL – Acidente de Trânsito – Dano Moral – Verba devida, fixada, por um critério de razoabilidade, em 200 (duzentos salários mínimos), consideradas as circunstâncias do evento e a dor por este provocada ao autor e à sua família – Recurso provido.

CORREÇÃO MONETÁRIA – Ato Ilícito – Danos decorrentes de acidente de trânsito – Incidência a partir do desembolso – Inteligência da Súmula 43 do Superior Tribunal de Justiça – Recurso provido.

JUROS MORATÓRIOS – Ato Ilícito – Danos decorrentes de acidente de trânsito – Incidência desde o evento – Inteligência da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça – Recurso provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO EM SUMÁRIO nº 844.570-1, da Comarca de São Paulo, sendo apelante FELINTO DOS SANTOS NETO e apelado o DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO – DER.

ACORDAM, em Terceira Câmara de Férias de Julho de 1999 do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso.

É ação de reparação de danos, derivada de acidente em rodovia (colisão contra bovino), proposta contra o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo – DER.

Julgada improcedente, apela o autor alegando que restou cabalmente provado o nexo causal; que a prova testemunhal possui credibilidade e demonstra que a ré tinha conhecimento da presença constante de animais na pista naquele trecho da rodovia, omitindo-se em adotar as medidas cabíveis à prevenção de acidentes; que por tratar-se de responsabilidade objetiva, não é necessária a demonstração de culpa ou dolo, nos termos do § 6° do art. 37 da Constituição Federal; que a circunstância, de não ter sido identificado a quem pertencia o animal, não retira a responsabilidade do DER pela reparação do dano.

Recurso bem processado, respondido e com preparo anotado.

É o relatório.

Não merece subsistir, data venia, o entendimento esposado na r. sentença.

Encontra-se cumpridamente demonstrado o nexo causal entre o acidente sofrido pelo autor e seus familiares, que gerou os prejuízos declinados na inicial, e a negligência da empresa mantenedora da rodovia, seja por meio dos documentos trazidos pelo autor, seja pela prova testemunhal produzida.

Contrariamente do que se afirmou na sentença, a credibilidade da testemunha não se vê abalada pelo simples fato de não se recordar se fora ela própria quem socorrera os ocupantes do veículo, ou se já haviam sido socorridos quando chegara ao local do acidente.

Tampouco suas declarações são genéricas. Ao contrário, delas se extrai a forçosa conclusão de que a autarquia tinha plena ciência do risco que aquele trecho de rodovia oferecia aos que ali passavam, não tendo, todavia, adotado as cautelas necessárias e esperadas à prevenção de acidentes provocados por animais, que, reiteradamente, atravessavam a pista.

A par disso, tem o DER o dever de manter diuturna fiscalização sobre as rodovias que então se encontram sob a sua administração, sendo certo que, para essa função, dispõe de pessoal especializado e promove a cobrança de pedágios.

Valendo-se de tais recursos, humanos e financeiros, sua tarefa é a de promover, da maneira mais eficiente possível, a prevenção de acidentes. Esse dever, particularmente na hipótese dos autos, não foi satisfeito, pois, embora soubesse do perigo eminente de colisão de veículos, que trafegavam naquele trecho da pista, contra animais, que por ali circulavam livremente, não providenciou a sinalização do local, nem o recolhimento dos animais, nem o reconhecimento de seus donos.


Ora, se a Administração da rodovia não se desincumbiu do dever de proporcionar a segurança mínima ao usuário, que contribui pesadamente com impostos, taxas e pedágios, para que, em tese, possa desfrutar desse serviço, deve ela responder pela reparação dos danos, em especial no caso dos autos, em que a conduta omissiva da autarquia constituiu, certamente, na causa eficaz do acidente.

Nesta Corte, já se decidiu que:

“RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – COLISÃO COM ANIMAL EM LEITO CARROÇÁVEL DA RODOVIA – CULPA “IN VIGILANDO” DO DERSA, UMA VEZ QUE COMPETENTE PARA FISCALIZAR E IMPEDIR QUE ANIMAIS TENHAM ACESSO A RODOVIA – ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA RECONHECIDA – INDENIZATÓRIA PROCEDENTE – SENTENÇA MANTIDA.” (Apel. n° 432.211-1, Americana, j. 07.03.90, v.u., Rel. Rodrigues de Carvalho. No mesmo sentido: Apel. n° 429.663-7, Rel. Paulo Bonito; Apel. n° 435.743-7, Rel. Donaldo Armelin, Apel. n° 442.401-5, Rel. Toledo Silva)

“RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – COLISÃO COM ANIMAL EM RODOVIA – RESPONSABILIDADE DO DNER POR ATOS OMISSIVOS E COMISSIVOS DE SEUS PREPOSTOS – HIPÓTESE EM QUE SENDO DIFÍCIL A IDENTIFICAÇÃO DO PROPRIETÁRIO DO ANIMAL, CABE AÇÃO REGRESSIVA CONTRA ESTE, A QUEM COMPETE A CONSERVAÇÃO DAS CERCAS NAS MARGINAIS – INDENIZATÓRIA PROCEDENTE – RECURSO IMPROVIDO.” (Apel. n° 624619-1, Orlândia, v.u., 5ª Câm., j. 13.09.95, Rel. Sílvio Venosa)

“ILEGITIMIDADE “AD CAUSAM” -RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – PISTA INVADIDA POR SEMOVENTE – INGRESSO DE SEU DONO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA – IMPOSSIBILIDADE – RESPONSABILIDADE DA AUTARQUIA MANTENEDORA DA RODOVIA RECONHECIDA, PODENDO ESTA REGRESSIVAMENTE AGIR CONTRA O PROPRIETÁRIO DO ANIMAL – ARTIGO 1527 DO CÓDIGO CIVIL – LEGITIMIDADE PASSIVA DESTE NÃO CARACTERIZADA – PRELIMINAR REJEITADA. – RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CUMULAÇÃO COM DANO MATERIAL – ADMISSIBILIDADE, MANTIDO O VALOR FIXADO COMO PENSÃO PORQUE OBSERVADO OS CRITÉRIOS RAZOÁVEIS CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL DESNECESSÁRIA POR TRATAR-SE DE AUTARQUIA ESTADUAL, PODENDO OS BENEFICIÁRIOS RECEBER A PENSÃO MEDIANTE INCLUSÃO DE SEUS NOMES NA FOLHA DE PAGAMENTO – VERBA HONORÁRIA ALTERADA PARA 10% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO ATUALIZADO – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE PARA ESSE FIM.” (Apel. n° 716677-6, Orlândia, j. 25.02.97, v.u., 9ª Câm. Esp. Jan/97, Rel. Lobo Júnior. In JTALEX 165/163)

Subsiste, pois, o dever do DER de indenizar o autor pelos danos materiais sofridos, encontrando-se estes cumpridamente demonstrados e não impugnados pela ré.

Devida, ainda, a verba decorrentes dos danos morais, consideradas as circunstâncias do acidente e a dor intensa sofrida pelo autor e sua família.

WILSON MELO DA SILVA assim conceitua danos morais: “Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja susceptível de valor econômico”. …”Seu elemento característico é a dor, tomado o termo em sentido amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, como os morais propriamente ditos”.(1)

Há danos morais que devem ser provados, não bastando a mera alegação de sua ocorrência. Há outros, porém, que se presumem, de modo que ao autor basta a alegação, ficando a cargo da outra parte a produção de provas em contrário. Assim, os danos sofridos pelos pais por decorrência da perda dos filhos e vice-versa, por um cônjuge relativamente à perda do outro. Também os danos sofridos pelo próprio ofendido, em certas circunstâncias especiais, reveladoras da existência da dor para o comum dos homens.

No presente caso, em que o autor reclama pela própria dor e de sua família, decorrente de graves lesões físicas, incide a presunção, tendo-se como razoável, a título de verba reparatória, o equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos.

Tratando-se de reparação de danos resultantes de ato ilícito, a correção monetária deve ser plena, ou seja, deve incidir desde o momento do desembolso, consoante jurisprudência há muito tempo pacificada. Aplica-se, pois, na hipótese, a Súmula 43 do C. Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado é o seguinte: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”.

Os juros moratórios serão contados igualmente desde o evento, conforme a Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça, que diz:

“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

Finalizando, consigna-se que é facultado ao DER, caso subsista algum elemento que permita a identificação do dono do animal, intentar contra ele ação regressiva, nos termos do artigo 1527 do Código Civil.


Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para se julgar integralmente procedente a ação, condenando-se o réu ao pagamento dos valores referidos na inicial, mais a indenização pelo dano moral acima estabelecida, além dos acréscimos já disciplinados, ficando invertidos os ônus da sucumbência, incidindo a taxa honorária sobre o montante da condenação.

Presidiu o julgamento o Juiz TÉRSIO NEGRATO e dele participaram os Juízes ROQUE MESQUITA e ANTONIO RIGOLIN.

São Paulo, 29 de julho de 1999.

ITAMAR GAINO

Relator

Fácil é perceber a superioridade técnica dos prolatores do julgado acima, que por sinal encaixa-se como uma luva no presente caso, em vários aspectos, o que me dá a certeza do acerto de minha sentença. Resta apenas definir o valor da indenização.

Como disse no início da fundamentação, a única indenização a ser aqui julgada é a que diz respeito aos danos morais, que devem ser arbitrados e variam de caso a caso.

Sobre o valor do dano moral, tema sempre espinhoso, invoco aqui os ensinamentos do Prof. Pires de Lima, conforme texto publicado na Revista Forense 84.224, onde há uma monografia do referido Professor da Universidade de Coimbra, que entende que quando se pensa no castigo do ofensor deve se levar em conta as suas condições pessoais, assim como também são importantes as condições pessoais do ofendido, que com a indenização deve sentir alegrias ou prazeres capazes de compensar ou de lhe confortar pela dor sentida, como se vê do trecho abaixo transcrito.

São dois os modos por que é possível obter-se a reparação civil: a restituição do estado anterior e a reparação pecuniária, quando o direito lesado seja de natureza reintegrável. Ora, a ofensa causada por um dano moral não é suscetível de indenização no primeiro sentido, mas o é de uma reparação em dinheiro, que em todo caso se distingue da indenização exigida pelos danos patrimoniais. Com a indenização não se pretende refazer o patrimônio, porque este nem parcialmente foi diminuído, mas se tem simplesmente em vista dar à pessoa lesada uma satisfação que lhe é devida por uma sensação dolorosa que sofreu, estamos em presença de puros danos morais, e a prestação pecuniária tem neste caso uma função simplesmente satisfatória. Se é certo não poderem pagar-se as dores sofridas, a verdade é que o dinheiro, proporcionando à pessoa disponibilidade que até aí não tinha, lhe pode trazer diversos prazeres que até certo ponto a compensarão da dor que lhe foi causada injustamente.

Entendo que no presente caso a indenização deve ser no valor de R$ 50.000,00, o que por sinal coincide com o valor dado à causa.

Levo em consideração no arbitramento acima que a requerida tem patrimônio suficiente para pagar essa quantia sem sofrer abalo financeiro, mas sem que seja esse valor insignificante para ela, que estará sofrendo um efetivo castigo.

Por outro lado, esta sentença serve de exemplo para as demais pessoas que dela tomem conhecimento, para que saibam que em situações análogas podem ser ressarcidas, bem como as demais administradoras de rodovias no sentido de que devem cuidar melhor da segurança dos usuários contra acidentes envolvendo animais na pista.

Finalmente, penso que a autora esteja sendo consolada com o dinheiro em questão, pois para uma pessoa simples, do lar, com mais de 60 anos de idade, é sempre motivo de grande alegria receber quantia que para ela pode ser considerada uma pequena fortuna.

Essa alegria não substituirá a perda de seu companheiro de quase 5 décadas, mas dará a ela algumas satisfações pessoais, como por exemplo a possibilidade de ajudar seus 5 filhos. Isso em certa medida a compensará pela perda prematura do marido. É como se, mesmo morto, o pai ainda estivesse ajudando sua família (mulher e filhos).

Assim, julgo procedente em parte os pedidos formulados por ALZIRA DOS SANTOS DE ALMEIDA contra TRIÂNGULO DO SOL AUTO ESTRADAS S.A., para o fim de condenar a ré a pagar em favor da autora a quantia de R$ 50.000,00, a título de danos morais pela morte de seu marido, além das custas do processo em reembolso e mais os honorários do advogado, que arbitro em 10% sobre o valor da causa, já que a requerente decaiu de parte mínima do pedido. A ré ainda pagará juros legais e correção monetária desde a data do evento.

Nota de rodapé:

1 – O Dano Moral e sua Reparação”, 2a ed, págs. 13/14

P.R.I.

Campinas 29 de março de 2001.

JOSÉ LUIZ GERMANO

JUIZ DE DIREITO

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