CPMF

Advogados de São Paulo não terão que pagar multa da CPMF

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25 de outubro de 2000, 23h00

Os advogados paulistas não terão que pagar a multa da CPMF. A decisão foi do juiz federal Paulo Sérgio Domingues ao conceder liminar em mandado de segurança impetrado pela OAB-SP, pela AASP e pela IASP.

Leia a íntegra da decisão:

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

5ª Vara Federal Cível de São Paulo

Processo nº 2000.61.00.043004-4

Mandado de Segurança Coletivo

Impetrantes: Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo, Associação dos Advogados de São Paulo – AASP e Instituto dos Advogados de São Paulo

Impetrado: Superintendente da Receita Federal em São Paulo

Vistos.

Trata-se de mandado de segurança coletivo em que as entidades Impetrantes alegam, em síntese, que em julho de 1999 ingressaram com mandado de segurança coletivo visando discutir a constitucionalidade da cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, conhecida como CPMF, instituída pela Emenda Constitucional nº 21199. O processo foi distribuído à 12ª Vara Federal Cível de São Paulo, e recebeu o nº 1999.61.00.03263 1-5.

Naquele feito foi concedida a liminar em 13 de julho de 1999, para o fim de suspender a exigibilidade da CPMF quando da movimentação das contas dos representados, sócios e associados das Impetrantes. Todavia, tal decisão foi reformada por força de decisão concessiva de efeito suspensivo em agravo de instrumento no TRF da 3º Região. Finalmente, o mandado de segurança recebeu sentença de improcedência, e atualmente os autos se encontram no Tribunal Regional Federal aguardando decisão do recurso de apelação interposto pelas Impetrantes.

Em virtude do ocorrido, prosseguem as Impetrantes, por dez dias, ou seja, entre 13 de julho de 1999 e 22 de julho de 1999, vigorou medida liminar suspendendo a exigibilidade do recolhimento da CPMF para todos os representados, associados ou sócios das Impetrantes.

Em 28 de agosto de 2000 foi editada a Medida Provisória nº 2.037-21, reeditada em 26 de setembro de 2000 sob nº 2.037-22, a qual, em seus artigos 45 e 46, regulamentou o recolhimento da CPMF que deixou de ser paga em virtude de medida liminar ou sentença de mérito posteriormente revogadas.

Contudo, entendem as Impetrantes, que essa Medida Provisória se encontra eivada de vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, razão pela qual ingressam com a presente ação objetivando, primeiro em sede de liminar e depois em definitivo, provimento jurisdicional que autorize seus representados, sócios e associados a não se submeterem a seus efeitos.

Argumentam as Entidades Impetrantes, de início, que houve violação ao princípio da legalidade estrita instituído no art. 150 I d a Constituição Federal uma vez que a Medida Provisória não é instrumento hábil a versar sobre matéria tributária.

Prosseguindo, entendem ser a Medida Provisória 2.037-21 inconstitucional, por ausência do pressuposto de urgência exigido em sua edição pelo art. 62 da Constituição Federal.

Aduzem, ainda, que a citada Medida Provisória incorreu em violação ao direito de propriedade e ao direito ao devido processo legal assegurados pelo art. 5°, incisos XXII, LIV e LV da Constituição Federal, pois, ao estabelecer que os bancos devem promover débito automático dos valores que deixaram de ser recolhidos a título de CPMF em virtude de liminares ou sentenças revogadas, atinge o patrimônio dos contribuintes consistente nos seus saldos bancários, e não respeita o devido processo legal por não permitir aos contribuintes o contraditório e a ampla defesa.

Afirmam também estar ocorrendo violação ao principio constitucional que assegura o livre acesso ao Judiciário, uma vez que, ao exigir o desconto imediato da CPMF acrescido de juros e multa, a Medida Provisória ora impugnada está imputando penalidade a cidadãos que buscaram o Judiciário para defender o que entendiam ser seu direito.

Teria, ainda, a MP em comento promovido violação ao sigilo de dados e bancário, pois as instituições bancárias não podem divulgar, mesmo para a Receita Federal, as informações bancárias que possuem a respeito da movimentação de seus clientes sem autorização judicial.

Mais ainda, atacam as Impetrantes a cobrança de juros moratórios e multa moratória, a qual está prevista no art. 46, III da MP 2.037-21 e Instrução Normativa 89 da Secretaria da Receita Federal. Esta instrução prevê a cobrança de juros pela taxa SELIC e multa de 0,33% por dia de atraso até o limite de 20%. A multa de mora seria indevida, por estarem os contribuintes, à época do não recolhimento da CPMF, amparados por decisão judicial, assim como os juros, pelo mesmo motivo e pela inconstitucionalidade da aplicação da taxa SELIC.

É o relatório. Passo a decidir.


Para a análise do mérito, faz-se necessário de início transcrever os artigos da Medida Provisória 2.037-22, de 26.09.2000, ora impugnados:

“Art. 45 – O valor correspondente à Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, não retido e não recolhido pelas instituições especificadas na Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, por força de liminar em mandado de segurança ou em ação cautelar de tutela antecipada em ação de outra natureza, ou de decisão de mérito, posteriormente revogadas. Deverá ser retido e recolhido pelas referidas instituições, na forma estabelecida nos artigos seguintes.

Art. 46 – As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da CPMF deverão:

I – apurar e registrar os valores devidos no período de vigência da decisão judicial impeditiva da retenção e do recolhimento da contribuição;

II – efetuar o débito em conta de seus clientes-contribuintes, a menos que haja expressa manifestação em contrário:

a) no dia 29 de setembro de 2000, relativamente às liminares, tutelas antecipadas ou decisões de mérito, revogadas até 31 de agosto de 2000;

b) no trigésimo dia subseqüente ao da revogação da medida judicial ocorrida a partir de 1º de setembro de 2000;

III – recolher ao Tesouro Nacional, até o terceiro dia útil da semana subseqüente à do débito em conta, o valor da contribuição, acrescido de juros de mora e de multa moratória, segundo normas a serem estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal;

IV – encaminhar à Secretaria da Receita Federal, no prazo de trinta dias, contado da data estabelecida para o débito em conta, relativamente aos contribuintes que se manifestaram em sentido contrário à retenção, bem assim àqueles que, beneficiados por medida judicial revogada, tenham encerrado suas contas antes das datas referidas na alíneas do inciso II, conforme o caso, relação contendo as seguintes informações:

a) nome ou razão social do contribuinte e respectivo numero de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – SPF ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ;

b) valor e data das operações que serviram de base de cálculo e o valor da contribuição devida.

Parágrafo único – Na hipótese do inciso IV deste artigo, a contribuição será exigida do contribuinte por meio de lançamento de ofício.”

Quanto ao mérito, neste exame preliminar vislumbro presentes os pressupostos necessários à concessão da medida liminar requerida.

Em primeiro lugar, o “periculum in mora” é flagrante.Como se extrai da leitura do art. 46, II, “a” da Medida Provisória em discussão e da IN 89/00-SRF, o desconto da CPMF não recolhida anteriormente será feito, para os representados pelas Impetrantes, no próximo dia 27, a eles infligindo dano de difícil reparação futura em caso de procedência da ação.

E, como para a aferição da possibilidade de dano é sempre necessário efetuar a ponderação também em sentido contrário, ou seja, aferir se a concessão da liminar poderá causar dano irreparável à parte contrária, é forçoso mencionar que isso não ocorrerá, pois, em caso de improcedência desta ação a final, o desconto da CPMF das contas correntes dos representados pelas Impetrantes poderá ser feito da mesma forma que a pretendida hoje pelo Executivo.

Também entendo presente a relevância da fundamentação jurídica apresentada pelas Impetrantes, ainda que não em todos seus argumentos.

De início, cabe ressaltar que já é pacificada no Supremo Tribunal Federal a tese da viabilidade da veiculação de matéria tributária por meio de medida provisória.

Contudo, é fato que a MP 2.037-22 não atende ao requisito de urgência e relevância exigido pela Constituição para sua edição. A possibilidade de controle judicial dos requisitos formais do art. 62 da CF para a edição de medidas provisórias já foi admitida pelo Supremo Tribunal Federal em situações excepcionais (ADIN 1753, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, liminar). O presente caso parece-me ser uma dessas exceções, porque a norma veiculada era desnecessária. Todos sabem que a concessão de liminar em mandado de segurança é causa de suspensão da exigibilidade de crédito tributário, nos termos do art. 15 1 do CTN. Reformada por qualquer motivo a decisão, torna-se viável a cobrança do crédito tributário não recolhido, na forma prevista pela legislação em vigor, permitindo-se o lançamento da mesma forma que para o tributo cobrado em seu vencimento.

Por isso, não haveria qualquer necessidade de edição de Norma legal específica para o caso concreto. Bastaria, simplesmente, à Receita Federal cobrar a CPMF não recolhida. Poder-se-ia argumentar que a MP 2.037-22 tencionou disciplinar o recolhimento a destempo da CPMF exatamente porque a cobrança dessa contribuição foge às regras normais de lançamento tributário, e exigiria uma regulamentação específica. Porém, esse argumento de ser a MP em tela uma forma de excepcionar a lei geral de lançamento tributário ou simplesmente de cobrança de tributos, não prospera. É que com isso tem-se uma situação de instituição, agora, sobre a forma de recolhimento de tributos já vencidos de há muito. Com isso, a MP 2.037-22 estaria atingindo situações jurídicas anteriores à sua edição, retroagindo de forma inconstitucional.


Quanto à alegada violação ao direito de propriedade e ao devido processo legal, restam de fato dúvidas sobre a constitucionalidade do procedimento em vias de ser adotado pelo Impetrado.

É certo que a cobrança da CPMF já é feita por meio de débito em conta corrente. Assim, é razoável que a cobrança da CPMF não recolhida ocorra também dessa forma. Contudo, não me parece que esse proceder seja isento da possibilidade de causar transtornos aos correntistas, que se verão debitados de imediato de um valor acumulado, sem que conste ter havido aviso prévio, consulta sobre a existência de saldo ou compromissos assumidos ou a possibilidade de apresentação de qualquer tipo de impugnação administrativa.

Mais frontal, no meu sentir, é a inconstitucionalidade decorrente da imposição da cobrança de multa e juros moratórios do contribuinte que será debitado da CPMF agora.

A norma ora atacada visa precisamente a cobrança da CPMF de contribuintes que procuraram o Poder Judiciário para buscar proteção a direitos que entendiam estar sendo lesados. A garantia de recurso ao Judiciário é princípio basilar de qualquer Estado que pretenda merecer ser chamado de Democrático e de Direito. Ou seja: recorrer ao Judiciário não poderá, jamais, ser considerado ato capaz de causa prejuízo ao cidadão que o pratica.

Porém, é isso que pretende a NT em tela, ao considerar em mora o contribuinte que não recolheu a CPMF por força de decisão judicial que vigorou durante determinado período de tempo – e que aliás ainda não se sabe se não será restabelecida, pois a sentença proferida na ação a respeito do tema ainda não transitou. em julgado.

Ora, se a CPMF não foi descontada dos contribuintes, não foi por mora de sua parte, mas por força de autorização judicial. Admitir-se a cobrança, agora, acrescida de multa moratória e juros significaria aceitar que o recurso ao Judiciário, por parte de cidadão que se sinta ameaçado ou lesado em seus direitos, possa vir a lhe causar prejuizo material! Tal interpretação significa, à toda evidência, em frontal violação ao princípio da inafastabifidade da jurisdição insculpido no art. 5º XXXV, da Constituição Federal.

Ao assim determinar, a MP 2.037-22 considerou inadimplentes todos os contribuintes que foram ao Judiciário (e mesmo aqueles que, não indo ao Judiciário, foram beneficiados por ação análoga proposta pelo Ministério Público Federal onde também houve liminar que vigorou por alguns dias – seria admissível considerar a atuação do MPF em defesa de direitos da sociedade como capaz de levar a prejuízos materiais do cidadão?). Todos estão em situação irregular perante o fisco. Hoje, somos todos inadimplentes s e devedores de quem se cobrará, mediante débito em conta corrente, o principal da dívida acrescido de todas as penalidades que o Estado impõe aos caloteiros.

Ora, isso é inadmissível. Mora é decorrente de ilicitude, impontualidade no pagamento. Quem está amparado por decisão judicial que suspende a exigibilidade de tributo não está em mora. Caso, a final, a decisão seja modificada, o tributo deve ser recolhido, sim, mas no máximo acrescido da correção monetária destinada a recompor o valor real da quantia paga posteriormente à época em que devida. De acréscimos, juros, multa decorrentes da mora não se há de falar.

Finalmente, vale ressaltar que, se a ação judicial proposta pelas entidades Impetrantes ainda está em andamento, não é de se excluir a possibilidade de o Judiciário definir os critérios de recolhimento futuro dos valores não pagos, em caso de improcedência da ação a final. Assim, não caberia ao Executivo substituir-se, já neste momento, aos órgaos do Poder Judiciário na deliberação a respeito de situações jurídicas criadas no curso de processos judiciais e por força de decisões judiciais.

É ainda de constitucionalidade duvidosa a possibilidade de remessa imediata de informações bancárias sobre os correntistas e suas movimentações financeiras por parte das instituições ao Fisco. Se é certo que o sigilo bancário não é um direito absoluto, também o é que ele não é um tigre de papel, passível de ser desrespeitado mediante simples penada que atinge a todos os contribuintes pelo simples fato de terem encerrado suas contas correntes.

De todo o exposto, nesta análise ainda superficial em sede de exame de medida liminar, extrai-se estarem presentes os requisitos necessários ao deferimento da medida.

Ante o exposto, CONCEDO a liminar, para afastar a aplicação dos art. 45 e 46 das Medidas Provisórias 2.037-21 e 2.037-22, bem como da IN 89100-SRF, para todos os representados, associados e sócios das entidades Impetrantes nos limites do Estado de São Paulo, mediante simples identificação e comprovação dessa condição perante as instituições financeiras em que mantenham conta corrente ou em que tiveram conta corrente no período de vigência da cobrança da CPMF.

Intime-se desta decisão o Banco Central do Brasil, para que este comunique as instituições financeiras que atendem no Estado de São Paulo, a fim de que não seja realizado o desconto e o recolhimento da CPMF na forma estabelecida pelas normas ora afastadas.

Oficie-se ao Impetrado comunicando-o desta decisão, bem como para que preste informações no prazo legal.

Com a vinda destas, ao MPF.

I.O.

São Paulo, 25 de outubro de 2000

Paulo Sérgio Domingues

Juiz Federal

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