Juízes reagem a projeto

Magistratura repele punição por crime de responsabilidade

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9 de outubro de 2000, 12h47

Os juízes brasileiros estão em campanha pela rejeição do projeto que institui punições por crime de responsabilidade para integrantes da carreira.

O Diário Oficial do Rio Grande do Sul publicou, na semana passada, uma coleção de artigos de desembargadores gaúchos contra a proposta, já aprovada na Câmara, e que prevê penas que vão da perda do cargo à reclusão de até 15 anos e multa.

Para rejeitar o projeto, aprovado em maio, a Associação dos Magistrados Brasileiros encomendou parecer dos advogados Miguel Reale Junior e Antonio Luís Chaves de Camargo. A AMB afirma que o projeto é inconstitucional.

O Poder Judiciário do Rio Grande do Sul alega que o documento seria mais uma revanche política contra a instituição do que algo que busque soluções concretas aos problemas de justiça nacional.

Alegam também que a medida afeta a independência do Poder, uma vez que coloca a lei como espada de Dâmocles sobre a cabeça do magistrado.

A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul reuniu artigos de desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado para fundamentar sua posição. Veja os argumentos:

Leia as manifestações dos Desembargadores:

Tupinambá Pinto de Azevedo:

“… A consagração legal do ‘crime de hermenêutica’ desmerece o projeto, privando-o de respeitabilidade. A incriminação do desrespeito à regra de jurisdição ou competência (art. 2º,II), de parte do magistrado, despreza o senso comum, pois as regras legais dependem de interpretação. Mesmo que o entendimento do magistrado, sobre regra de competência, seja afastado na instância recursal, não haverá como concluir por ‘desrespeito’ à norma, intencional e criminoso. Além de que, jamais se conseguirá determinar a medida em que certa decisão sobre competência ou jurisdição seria favorável a uma das partes!”

Vladimir Giacomuzzi:

Procura mostrar que denominado crime de responsabilidade e a infração penal são categorias jurídicas distintas, e que estão agrupadas no substitutivo aprovado, como se fossem duas faces de uma mesma moeda. “O ‘crime de responsabilidade’ e a infração penal atuam e giram em esferas diversas, sem embargo de poder existir entre ambas pontos de contato. Esta modalidade de ilícito não está sujeita aos severos princípios que determinam a estruturação das infrações penais, tais como da reserva e determinação legal, da culpabilidade e da individualização da pena. Faz algum tempo que a doutrina especializada vem advertindo que a expressão ‘crime de responsabilidade’ tem sentido equívoco em nosso ordenamento jurídico-constitucional. ‘Porque ela não designa apenas figuras delitivas de ilícito penal, mas também violação de deveres funcionais não sancionados com pena criminal”.

José Antônio Paganella Boschi:

“Causa espanto, outrossim, a definição como crime de matérias tipicamente processuais, relacionadas com o exercício da jurisdição. O processo presidido por juiz suspeito (inciso IV do art. 1º), impedido ou sem competência (inciso II do art. 2º) deve continuar sendo objeto de nulidade, sem que a conduta do magistrado tenha de ser conseqüentemente etiquetada como crime!”(…) “Incompreensível, ainda, a proposta de inclusão de parágrafo (4º) ao artigo 327 do CP, com a declaração de que, para efeitos penais, deve ser considerado juiz ‘qualquer magistrado do Poder Judiciário’. O citado parágrafo só teria algum sentido se o Brasil passasse a denominar os promotores de justiça como ‘magistrados do Ministério Público’, consoante ocorre em países europeus. O citado preceito, por isso, consagra inutilidade evidente por si mesma.”

* Íntegra dos artigos no “site” da Ajuris – www.ajuris.org.br

Leia a íntegra do Projeto de lei 687/99

Artigo 1º – São crimes de responsabilidade dos magistrados:

I – proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro do cargo;

II – ser desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;

III – alterar, por qualquer forma, exceto pela via do recurso, a decisão ou o voto já proferido em sessão do tribunal;

IV – proferir julgamento quando, por lei, seja suspeito na causa;

V – receber, a qualquer título, custas ou participação em processo;

VI – dedicar-se à atividade político-partidária;

VII – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo de magistério.

Artigo 2º – São também crimes de responsabilidade dos magistrados:

I – extraviar processo ou documento, substituir, juntar ou, de qualquer forma, inovar em processo judicial, com o fim de facilitar ou efetivar fraude;

II – desrespeitar regra de jurisdição ou de competência para favorecer uma das partes em processo judicial;

III – retardar, praticar indevidamente ou deixar de praticar ato de ofício, em processo judicial, com ofensa à lei;

IV – receber ou solicitar, para si ou para outrem, no exercício ou em razão da função jurisdicional, favores ou presentes, ou qualquer tipo de vantagem indevida, financeira ou patrimonial;

V – solicitar, exigir, ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em processo judicial ou em ato de jurado, órgão do Ministério Público, servidor do Poder Judiciário, perito, tradutor, intérprete ou testemunha;

VI – condenar a Fazenda Pública, em ação judicial, ou pagamento de indenização flagrantemente desproporcional ao preço de mercado do bem objeto da ação, em afronta ao princípio constitucional da justa indenização;

VII – ocultar ou não tornar efetiva a responsabilidade dos servidores do Poder Judiciário, quando manifesta em delitos funcionais, quando no exercício de função administrativa;

VIII – ordenar ou executar medida privativa de liberdade sem as formalidades legais ou com abuso de poder, com o objetivo de constranger a parte ou seu advogado, para satisfazer sentimento pessoal ou interesse próprio ou alheio.

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