STJ defende reajuste

Costa Leite diz que 11,98% para servidores é questão de direito

Autor

8 de outubro de 2000, 1h00

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Costa Leite é um juiz diplomático e cauteloso. Mas nem por isso deixa de enfrentar questões bastante delicadas e que podem colocá-lo em posição de confronto com o Palácio do Planalto.

Diante da insinuação, por parte do Executivo, de eventual corporativismo na tese abraçada pela magistratura em relação aos 11,98% extraídos dos contracheques dos servidores do Judiciário, ele reage sereno: “É uma questão de direito”.

Em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) – contra a incorporação dos salários dos servidores do STJ e do Tribunal Superior Eleitoral – Costa Leite diz que não se preocupa.

Para ele, este é o caminho certo para se definir uma questão de direito. O que o aborrece são as críticas, principalmente do Executivo, segundo as quais o Judiciário estaria sendo irresponsável ao conceder a incorporação. “Quem diz coisas assim tem enorme desprezo pela normalidade institucional”, rebate Costa Leite.

De acordo com o presidente do STJ, toda a polêmica criada em torno do assunto decorre, em primeiro lugar, da insistência em se classificar como reajuste de salário o que, na verdade, é apenas a incorporação de um percentual devido aos servidores do Judiciário.

Em segundo lugar, do não reconhecimento que foi o próprio governo quem errou ao efetuar a conversão da URV para o Real no final do mês, sem levar em conta que os pagamentos no Judiciário são realizados no dia 20.

Tendo como fundamento o Plano de Cargos e Salários, utilizando como base o salário de agosto de 1995, que já deveria contar com a incorporação dos 11,98%, Paulo Costa Leite acredita que o Supremo reconhecerá o direito dos servidores. “Trata-se de uma mera restauração, uma reposição salarial”, disse: “Mexeram no bolso dos servidores do Judiciário. Trata-se apenas da reparação de um direito ferido.”

Leia a íntegra da entrevista do presidente do STJ:

Pergunta – Por que o STJ decidiu pela incorporação dos 11,98%?

Costa Leite – Depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu que a conversão da URV para o Real deveria ter se dado no dia 20, e não no dia 30, como efetivamente ocorreu, houve o reconhecimento de um direito. É certo que o Supremo limitou isso no tempo. Por que então essa incorporação? O Tribunal Superior Eleitoral, examinando um fundamento novo, que não fora examinado pelo STF, evidenciou que o Plano de Cargos foi baseado no salário de agosto de 1995. E o salário de agosto de 1995 deveria já contar com esse percentual de 11,98 %.

Pergunta – Isso quer dizer que se o Governo tivesse fixado o dia 20 como data de pagamento, os funcionários do Judiciário não teriam sido prejudicados?

Costa Leite – Nada disso estaria acontecendo. O problema é que se errou naquela época, e, agora, a conseqüência é, evidentemente, a restauração, a reparação, de um direito. Na verdade, mexeram no bolso do funcionário do Judiciário. É bom destacar que não se trata de nenhum aumento. Trata-se de uma mera restauração, reposição salarial daquilo aquilo que os servidores perderam e que hoje é reconhecido, judicialmente, pelo Supremo Tribunal Federal, a instância máxima do Judiciário brasileiro.

Pergunta – A incorporação é apenas para os funcionários do Judiciário, ou seja, para aqueles que recebiam o pagamento no dia 20. Com isso podemos concluir que quem recebia no final do mês, como os servidores do Executivo, não tem direito à incorporação?

Costa Leite – Correto. Para quem recebia o salário mensal no dia 30, a conversão da moeda está correta. Mas não era esse o caso do Judiciário, cujos funcionários recebiam no dia 20. Ou seja, a conversão em relação aos funcionários do Judiciário, foi lesiva de direito. Quanto a isso não há dúvida, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu. O que se discute é se a incorporação é devida ou não – essa é a questão que está sendo levada ao STF. Eu estou, juntamente com os demais 14 ministros que compõem o Conselho de Administração do STJ, convencido de que as alegações dos ministros do TSE para conceder a incorporação estão corretas e os funcionários do Judiciário têm direito à incorporação.

Pergunta – O Palácio do Planalto entende que a decisão do STJ e do TSE pode provocar um conflito institucional. Qual a sua avaliação?

Costa Leite – Eu não consigo entender o por que de gravidade institucional, quando a decisão, tanto do TSE quanto do STJ, têm exclusivamente o intuito de reparar uma lesão de direito. A gravidade institucional aconteceu – esta, sim – no início do Plano Real, quando houve a conversão e não se respeitou o direito do servidor do Judiciário, que hoje é reconhecido.

Pergunta – Como o senhor avalia a decisão do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, de propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF contra a decisão do STJ e do TSE?

Costa Leite – Eu penso que esta é a via própria. De fato, no lugar de se ficar fazendo pressões pelos jornais, pela mídia de um modo geral, com declarações não muito felizes como esta de atribuir à medida gravidade institucional, o que se tem que fazer é entrar com uma Adin. O STF vai examinar e decidir soberanamente. Não somos os donos da verdade e nem queremos ser. Agora, o que nos não podemos admitir é que haja uma crítica tão contundente sobre uma decisão que consideramos estar respaldada juridicamente.

Pergunta – O Governo alega que a decisão de incorporar o 11,98% deveria ser judicial. Está certo?

Costa Leite – Não vejo nenhuma razão para isso. A administração do Tribunal, reconhecendo que houve equívoco, pode corrigi-lo. Não só pode como deve. Não existe nenhuma base jurídica para esse raciocínio.

Pergunta – Um assessor do Planalto, que preferiu o anonimato, disse que a decisão foi “um sinal de irresponsabilidade fiscal do Judiciário”. O que acha dessa afirmação?

Costa Leite – Tenho como princípio não responder a nada que se esconda atrás do anonimato. Mas é tão grave essa afirmação que devo dizer alguma coisa. Não é possível calar quando se chama um dos Poderes do Estado, justamente aquele que é responsável pela garantia do Estado democrático de Direito, de irresponsável. Isso é uma acusação leviana. É uma acusação de quem, efetivamente, tem desprezo pela normalidade institucional.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!