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Roubo de processos em SP, BA, RJ e DF prejudica julgamentos no STJ

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5 de outubro de 2000, 0h00

Páginas e páginas de processos estão sumindo em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e no Distrito Federal. Quem fez soar o alarme são ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), alertados por advogados.

Os recursos prejudicados são todos contra a Fazenda Pública. Um dos advogados chegou a solicitar formalmente ao STJ que apure os fatos. No Distrito Federal, o delito está sendo investigado pela Procuradoria da Justiça.

Os ministros do STJ vão se reunir para decidir o que fazer a respeito do sumiço de peças dos autos dos agravos de instrumento, que inviabilizam a apreciação dos recursos.

O Tribunal poderá modificar a atual jurisprudência que impede a juntada de peças faltantes quando o recurso já tramita na Casa. O agravo de instrumento é protocolado junto à justiça estadual sempre que esta indefere a subida de recursos às cortes superiores (STJ e STF), mas basta que um servidor retire cópia de um documento juntado aos autos ou da decisão questionada (que depois de publicada transforma-se no acórdão), para que o julgamento do recurso fique irremediavelmente comprometido.

Atualmente o STJ, numa interpretação da lei processual vigente, considera que a responsabilidade pela formação do agravo de instrumento é exclusiva do agravante, a quem interessa o conhecimento do recurso, e não se limita à mera indicação das peças que o compõem, sendo tardia a sua apresentação perante essa Corte.

O assunto vem sendo discutido informalmente pelos ministros. A ministra Eliana Calmon relatou que em apenas uma semana recebeu três reclamações de advogados relativas ao sumiço de peças de seus processos.

“O advogado interpõe o agravo, relaciona as peças que juntou e quando o recurso chega aqui os documentos indicados não estão nos autos. Na verdade, o advogado perde o controle sobre autos, a não ser que depois de protocolá-lo no tribunal estadual pegue um avião para Brasília a fim de esperar sua chegada ao STJ”, disse Eliana Calmon.

Para o ministro Peçanha Martins, como a suspeita recai sobre a Justiça estadual e não sobre o STJ, a investigação deve ser feita na origem. “Com a supressão de algumas páginas se garante o insucesso de uma das partes”, adianta. Por isso, antes de requerer uma investigação perante a Justiça estadual, o advogado não tem meios de solicitar o adiamento do julgamento do agravo pelos ministros do STJ.

Para o ministro Paulo Gallotti, o problema é sério e está sendo praticado por autênticos bandidos. “Alguém que suprime peças de um processo, sabendo que com isso estará prejudicando uma das partes aqui (no STJ), já que nós não poderemos conhecer do recurso por falta de peças, pratica bandidagem”, afirmou.

Uma das soluções, segundo ele, poderá ser a emissão de uma certidão pelos tribunais estaduais de justiça, com a informação de que as peças relacionadas pelos defensores foram efetivamente entregues, uma espécie de recibo.

Gallotti lembrou que os grandes escritórios de advocacia do País adotaram a prática de tirar cópia integral dos autos. A numeração das páginas está sendo burlada com a retirada da peça e sua substituição por folha em branco.

O problema poderá ser sanado caso o STJ reformule a jurisprudência sobre a complementação de peças dos autos. A Corte Especial retomou o julgamento de recurso, da relatoria do ministro César Asfor Rocha.

Por falta de peças, o ministro não conheceu de um agravo de instrumento. Nos autos não havia a íntegra do acórdão recorrido. O documento só foi juntado aos autos pelo agravante quando o processo se encontrava no gabinete do relator, antes de ser apreciado.

Após a decisão desfavorável, o advogado apresentou agravo regimental para que o caso fosse apreciado por todos os ministros da Quarta Turma. Alegou que o agravo de instrumento foi apresentado ao protocolo geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na presença de seu subscritor, com todas as cópias constantes do rol das peças obrigatórias e facultativas, inclusive a peça faltante. “Não poderíamos fiscalizar o encaminhamento dos autos do protocolo geral à terceira vice-presidência do TJ-RJ, eis que, uma vez protocolado o recurso, além dos próprios servidores do tribunal só o advogado da outra parte manuseou o processo que, logo em seguida às contra-razões, foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça”, salientou.

Diante da relevância da matéria, o relator decidiu atribuir seu julgamento à Corte Especial. Para ele, “as formalidades processuais não podem ser exaltadas como valores sagrados a serem adotados por si mesmos, sob o risco de se terminar por atribuir a inócuas filigranas formais insuperáveis empeços de acesso à Justiça”.

Por esse motivo, o ministro considera ser o momento de se “perquirir sobre o resultado útil que se quer obter em face dessas exigências”. Em seu voto, Cesar Rocha admitiu a complementação de peças, mesmo que o agravo de instrumento já esteja em tramitação no STJ, desde que os autos estão completos antes do julgamento.

Sua posição foi acompanhada pelos ministros Vicente Leal, José Delgado, José Arnaldo da Fonseca e Eliana Calmon. O ministro Fernando Gonçalves discordou do relator, abrindo a divergência e foi acompanhado pelo ministro Pádua Ribeiro. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista feito pelo ministro Nilson Naves.

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