Família: Ações Cautelares

Ações Cautelares no Direito de Família

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5 de outubro de 2000, 13h44

O desembargador Wilson Marques, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, compara as leis brasileiras no que se referem à família e sucessões com as de Portugal e Itália e destaca a importância das modificações introduzidas no Código de Processo Civil no sentido de agilizar o trâmite de um processo e dar mais fundamento legal ao que se é exigido.

Ele cita a lei 8.952 do Código de Processo Civil sobre tutela, que agiliza a avaliação dos bens de um casal em separação, e elogia as mudan-ças feitas na legislação brasileira. A íntegra de seu comentário vem a seguir:

AS AÇÕES CAUTELARES NO DIREITO DE FAMÍLIA

Conceito:

Ação cautelar é a ação que visa garantir resultado útil à tutela de outra natureza (de conhecimento, ou de execução). Presta-se uma tutela – cautelar – com a finalidade de garantir, através dela, a efetividade de outra tutela – de conhecimento ou de execução.

A liminar

Reunidos os requisitos legais – fumus boni juris e periculum in mora – o juiz, se o perigo for tal que não se possa sequer esperar que se chegue ao fim do procedimento acautelatório, defere desde logo ou após justificação prévia, a medida cautelar, depois de ouvir o réu, ou sem ouvi-lo, se verificar que “este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz…” (artigo 804)

As Ações Cautelares Nominadas no Direito de Família

O uso das ações cautelares nominadas, próprias do Direito de Família, de que passaremos a tratar, obviamente não exclui a utilização, quando for o caso, das ações cautelares inominadas e das ações cautelares nominadas outras, que poderíamos chamar de gerais: Assim, v.g. na execução de alimentos por quantia certa – artigo 732 – o arresto, o seqüestro, a caução, etc. etc.

Não obstante, interessa-nos, mais, no momento, as primeiras, ou seja as ações cautelares nominadas específicas do Direito de Família, sobre as quais passaremos a tecer breves considerações:

1. A SEPARAÇÃO DE CORPOS

Código Civil, artigo 223

Código de Processo Civil, artigo 888,VI.

Conquanto tratada, no Código, como espécie do gênero ação cautelar, com a designação um tanto imprópria de “afastamento de um dos cônjuges da morada do casal” (artigo 888,VI) a separação de corpos não ostenta aquela natureza jurídica, pois a medida não tem a finalida-de de garantir resultado útil à tutela de outra natureza – a separação judicial, o divórcio, a anulação de casamento etc. – o que, como já se viu, constitui a característica fundamental de qualquer ação cautelar genuína.

Com efeito, para que se atinja, com aquelas ações – separação judicial, divórcio, anulação de casamento, etc. – o resultado visado, pouco importa que os corpos estejam juntos, separados e até…interpenetrados.

Na verdade, o que se pretende, com a Separação de Corpos, é a antecipação de um dos efeitos da dissolução da sociedade conjugal ou do casamento – a cessação do dever de satisfazer o debitum conju-gale e, eventualmente, mas não necessariamente, também, o de vida em comum, no domicílio conjugal – o que implica em dizer que a Separação de Corpos participa da natureza jurídica da antecipação da tutela de mérito, regulada no artigo 273, e não de verdadeira e própria ação cautelar, como tal regulada no artigo 888,VI.

O Código brasileiro não faz, mas o italiano faz a distinção entre o que denomina de provvedimenti presidenziali – artigo 708 – (também chamados antecipatori o interinali) incluídos na disciplina das ações do Direito de Família – com os provvedimenti cautelari, tratados em capítulo diferente.

Sobre o assunto há obra clássica de Mandrioli, intitulada Per una Nozione Strutturale dei Provvedimenti Antecipatori o Interinali, onde o autor fundamenta cientificamente a distinção entre os provimentos cautelares e os interinais não cautelares, incluindo expressamente a separação de corpos no elenco daqueles Provvedimenti Antecipatori o Interinali.

Da circunstância de não ostentar a separação de corpos natureza jurídica cautelar decorrem conseqüências importantes:

A primeira delas consiste em que a duração do decreto que concede a separação de corpos, ou, para usar a nomenclatura do Código, deter-mina ou autoriza o afastamento de um dos cônjuges da morada do casal, deve estender-se até o trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida na causa principal, ficando assim imune à revogações ou modificações, não se lhe aplicando, portanto, o artigo 807, que permite, em relação às verdadeiras medidas cautelares, que sejam “a qualquer tempo…revogadas ou modificadas”.

A segunda – desnecessidade de ser proposta a ação principal no prazo de 30 dias, sob pena de cessação da eficácia da medida (artigos 806 e 808, I) – presta-se a controvérsias.

Mas da premissa de que partimos – a separação de corpos não ostenta natureza cautelar – a conclusão a que se deve chegar é a de que quem a obteve não tem o ônus de propor a ação principal, dentro do prazo legal, para atender a dispositivo que trata daquilo que a separação de corpos não é: medida cautelar.


Nesse sentido, posiciona-se Galeno Lacerda.

Assim também entendeu, por unanimidade de votos, a 4ª Comissão do Congresso de Magistrados, realizado no Rio de Janeiro, em 1.974.

A jurisprudência, no entanto, orienta-se no sentido inverso, no que se faz acompanhar por doutrina de peso (Ovídio Baptista, Humberto Theodoro Júnior, dentre outros.)

Argumenta-se que uma vez concedida a separação de corpos terá a parte que a obteve o prazo do artigo 806 para a propositura da ação, sob pena de a medida perder a eficácia, mas a perda da eficácia da medida cautelar, no caso, dá-se no plano jurídico, tornando ilegítimo o afastamento do cônjuge da morada do casal, não havendo qualquer eficácia condenatória ou mandamental capaz de impor o retorno do separado à convivência conjugal, que é mera questão de fato.

A solução preconizada, além de aplicar à medida não cautelar, o que a lei dispõe a respeito de medida cautelar, ainda não dá solução ao problema que consiste em saber se, decretada a ineficácia da medida, no plano jurídico, teria o cônjuge que se afastou da morada do casal, voluntária ou compulsoriamente, o direito de a ela regressar.

Pensamos, com Galeno Lacerda, que a resposta é negativa. A falta da propositura da ação, no prazo legal, não pode trazer por conseqüência a reunião compulsória de corpos que se odeiam. Se, acaso, o marido se julgar injustiçado pela decisão que o afastou compulsoriamente do lar conjugal, a requerimento da mulher, que se desinteressou pela propositura da ação principal, ele que proponha a ação principal contrária, alegando, por exemplo, em ação de separação judicial, intentada com base no artigo 5° da Lei do Divórcio, grave violação, pela mulher, dos deveres do casamento, v.g. o de vida em comum, sob o mesmo teto, o de prestar o debitum conjugale, etc. etc.

Já antecipamos que a expressão “afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal” é inadequada, porque o que se visa com a medida é a obtenção da separação jurídica dos cônjuges, da qual decorrem os efeitos que já apontamos – cessação do dever de vida em comum sob o mesmo teto e do de satisfazer o debitum conjugale-, mas para a obtenção desse resultado não é essencial a separação física dos cônjuges, que poderá ocorrer, ou não.

Em suma, a separação de corpos não tem por fim obrigar os cônjuges a habitar em lugares diversos, mas simplesmente legitimar a separação dos corpos, enquanto suspensão temporária dos referidos deveres, sendo, pois, perfeitamente possível a concessão de alvará de separa-ção de corpos, permanecendo ambos os cônjuges habitando o mesmo prédio, quiçá a mesma cama, sem convivência conjugal.

E’ claro que freqüentemente o autor pedirá e o juiz lhe concederá, também, autorização para afastar-se do lar conjugal, liberando o requerente, não só dever de prestar o debitum conjugale, como, também, do de vida em comum sob o mesmo teto. Aquele efeito é da natureza e da essência da separação de corpos. Este, não.

Também é certo que o juiz pode impor, a requerimento de um dos cônjuges, além da separação com eficácia apenas jurídica, aquilo que o código chama de “afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal” (artigo 888, VI), havendo, aí, como no caso de pedido de auto-afastamento, uma separação não apenas jurídica, mas tam-bém fática, ou seja física.

Deve-se, portanto, fazer a distinção entre separação de corpos, de eficácia apenas jurídica, tratada no artigo 223 do Código Civil, de acordo com o qual “antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação ou a de desquite, requererá o autor, com documentos que a autorizem, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz, com a possível brevidade” e a medida de eficácia jurídica e fática a que o código denomina de “afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal” e regula no artigo 888, VI, que assim dispõe: ” O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes da sua propositura: VI: o afastamento provisório de um dos cônjuges da morada do casal”.

A separação de corpos, propriamente dita, de natureza apenas jurídica – Código Civil artigo 223 – e, de certo modo, o próprio afastamento da morada do casal, na modalidade de auto-afastamento, depende apenas da mera verificação da existência do casamento, não cabendo, no seu âmbito, qualquer discussão em torno da demanda principal, devendo o juiz concedê-la com a “possível brevidade”.

O juiz não pode negá-la, porque ele não pode substituir as partes na avaliação da existência de constrangimentos resultantes da vida em comum ou da insuportabilidade do convívio durante todo o transcurso da ação principal.

Tratando-se, como já se assinalou, de separação de eficácia jurídica, a anterior separação de fato não impede a concessão da medida, com base no artigo 223 do Código Civil.


Mesmo o pedido formulado por ambos os cônjuges, antes de comple-tado o prazo mínimo de dois anos para a separação consensual (artigo 4° da Lei do Divórcio), há de ser deferido, a uma, porque inexiste vedação explícita; a duas, porque a providência pode revelar-se conveniente ou necessária à preservação do bem comum, no interesse que tem a sociedade em não alimentar animosidade de casal que não mais suporta a vida a dois.

Diverso é o tratamento a ser dado ao “afastamento temporário de um dos cônjuges (leia-se: do outro cônjuge) da morada do casal”.

Aqui, não bastam os singelos requisitos do artigo 223 do Código Civil, nem o deferimento pode ser mais ou menos automático, como deflui do referido dispositivo legal, ao estabelecer que o juiz deve deferir o pedido com a brevidade possível.

Tratando-se de medida de antecipação de efeitos da tutela definitiva de mérito, a sua concessão depende da coexistência dos requisitos do artigo 273 – probabilidade da existência do direito para o qual se pretende pedir tutela, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, inexistência de perigo de irreversibilidade, etc. etc.

Como acontece em todos os casos de antecipação da tutela, não se exclui, sequer, a possibilidade de a medida assumir, excepcionalmente, feição e natureza cautelar: Se a mulher pede o afastamento do marido e alega e prova que se não for afastado ele a matará, tornando inútil a ulterior ação de separação judicial para dissolução da sociedade conjugal, que já se desfez pela morte, a medida é cautelar, não é simplesmente de antecipação da tutela de mérito.

Alguns autores e certa jurisprudência sustentam que há de ficar à discrição do juiz a escolha do cônjuge a ser afastado da morada do casal.

Não há dúvida que assim será se cada um deles tiver pedido o afasta-mento do outro.

Mas se um só deles pediu o afastamento do outro, o provimento judicial que determine o afastamento do lar conjugal do requerente da medida, envolverá, indisfarçavelmente, julgamento extra petita, vedado pelo ordenamento jurídico em vigor (artigos 2°, 128, 460)

Tudo o que foi dito, sobre separação de corpos e afastamento de um dos cônjuges da morada do casal, vale tanto para o caso de haver entre os litigantes casamento, como união estável, porque, nos dois casos há conflitos de família, que merecem tratamento idêntico.

1. ARROLAMENTO DE BENS

Artigos 855/856

Conceito, natureza jurídica

Generalidades.

No nosso direito anterior, o arrolamento não tinha natureza cautelar, eis que destinava-se, apenas, a fins probatórios. Era utilizado para “servir de base a ulterior inventário”, nos casos de desquite, nulidade ou anulação de casamento, como estabelecia o artigo 676, IX, do Código de Processo Civil de 1.939.

Cuidava-se, somente, da segurança da prova. Os bens eram arrolados e descritos, para servirem de base a ulterior inventário, sem cogitar-se de qualquer constrição em relação a eles. Tratava-se de um arrola-mento ad probationem.

Com o advento do Código de 73, adotamos o arrolamento cautelar, à imagem e à semelhança do Código Português, cujo artigo 421 assim dispõe: “Havendo justo receio de extravio ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos pode requerer-se o arrolamento deles”.

O nosso artigo 855 é bastante parecido: ” Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens”.

Há, no entanto, algumas diferenças, pequenas, de menor expressão: Assim, por exemplo, o Código Português admite expressamente o arrolamento de documentos (artigo 421) e prevê a avaliação dos bens arrolados (artigo 424) não se encontrando regras semelhantes no direito brasileiro em vigor.

O nosso arrolamento atual já não tem apenas natureza probatória, mas essencialmente conservativa. Como anota, com precisão, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, “Arrola-se para conservação (artigo 856), havendo fundado receio de extravio ou de dissipação (artigo 855) efetuando-se depois o depósito dos bens (artigo 859). Por isso, deve o autor evidenciar o seu “direito” aos bens (artigo 857, I).

Há, pois, no nosso arrolamento atual uma constrição cautelar, seme-lhante à encontrada no seqüestro.

Não obstante, as duas providências cautelares não se confundem.

O traço distintivo essencial está em que, no seqüestro, o autor não desconhece quais são os bens objeto da medida, e, por isso, o pedido deve trazer a especificação daqueles que se pretende submeter à constrição judicial.

Já no arrolamento, presume-se, em princípio, ignorância ou desconhe-cimento do autor, a respeito dos bens integrantes da universalidade, seja no aspecto quantitativo, seja no qualitativo e, por isso mesmo, torna-se necessário, antes da própria apreensão, a descrição, o arrolamento dos bens aos quais se arroga ter direito o autor da deman-da.


O próprio significado da palavra “arrolamento” abona esse entendi-mento, porque arrolar, segundo os dicionários, significa ” ato de tomar em rol, lançar em memória, inventariar, para se saber o que há, com descrição de números, qualidades, etc. “

Em resumo, se não há embaraço à especificação e identificação dos bens; se não é preciso tomar em rol para saber o que há para ser apreendido, mostra-se adequado o seqüestro. Mas se há dificuldade ou até impossibilidade de o requerente individualizar os bens a serem conservados, confundidos na universitas, ou seja se há necessidade de primeiro identificar e especificar e lançar em memória, para depois conservar, o caso é de arrolamento.

O arrolamento pode ter por objeto móveis, imóveis e documentos, apesar do silêncio da lei brasileira, quanto a estes últimos, diversa-mente do que ocorre com a portuguesa, como já vimos anteriormente (artigo 421). Assim, podem ser objeto do arrolamento, v.g. conjunto de documentos históricos, títulos de crédito, etc. etc.

Quase desnecessário dizer que o arrolamento, em virtude mesmo da sua natureza cautelar, não constitui medida adequada à obtenção da posse definitiva dos bens objeto da constrição cautelar.

Requisitos da medida

O arrolamento de bens, como emerge da regra constante do artigo 855 do Código de Processo Civil, somente tem cabimento se há ” fundado receio de extravio ou de dissipação de bens”.

Como anota Galeno Lacerda, citando José Alberto dos Reis, “fundado receio significa risco objetivo, esteado em motivo sério, a representar ameaça atual ou virtual. E’ inócuo o simples temor, desacompanhado de razões concretas: a lei não se contenta com qualquer receio, mais ou menos vago, mais ou menos definido; exige que o receio seja justo, isto é, fundado; exige que haja razões sérias para temer o extravio ou a dissipação de bens”.

Chamando à colação, acórdão da 3a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, esclarece o notável processu-alista gaúcho, que “a expressão legal significa o receio baseado em fatos positivos, que possam inspirar em qualquer pessoa sensata medo de ser prejudicada”. (Comentários, 2a. edição, volume VIII, Tomo II, n° 159, página 245).

Extravio e dissipação encontram-se, no dispositivo, em sentido amplo, compreendendo destruição, ocultação, desaparecimento, alteração, desperdício, deterioração, etc. etc.

O teor literal do artigo 856 – “Pode requerer o arrolamento todo aquele que tem interesse na conservação dos bens” – sugere que ali se está a tratar da legitimação para a propositura da ação de arrolamento, mas, na verdade, não é disso que se trata.

Ter ou não interesse (material !) significa ter ou não direito aos bens que se pretende assegurar. Trata-se, pois de uma condição de fundo, requisito de procedência do pedido, não de uma condição de legítimo exercício do direito de ação. Assim, se ao final se constatar que o requerente não tem direito algum aos bens, o pedido deverá ser julgado improcedente, não cabendo ao juiz julgar extinto o processo, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade ativa para a causa.

Para o autor ser parte legítima para o arrolamento basta afirmar que é ou pode vir a ser titular dos bens. Nada mais.

O credor comum, desprovido de privilégio especial sobre determinados bens, ou titular de direito real de garantia sobre eles, não poderá pedir o arrolamento, porque não terá, na forma exigida pelo artigo 856, “interesse na conservação dos bens”.

Neste caso, o credor não tem direito aos bens e sim direito a que, com a prestação devida, o devedor solva a obrigação. O arrolamento não cobre essa área, reservada à ação cautelar distinta: a de arresto. Como diz José Alberto dos Reis, sobre o direito português, igual, nesse ponto, ao brasileiro, o arrolamento funciona como meio de obter a conserva-ção dos bens, não como garantia de pagamento de dívidas.

O credor, mesmo com “interesse na conservação dos bens” e, portan-to, legitimado à propositura da ação cautelar de arrolamento, sofre ainda uma outra limitação: diante do que dispõe o artigo 856, § 2°, só poderá intentá-la se for credor da herança jacente, segundo o que dispõem os artigos 1.591 e 1.592 do Código Civil.

Casos mais importantes

de arrolamento cautelar

E’ largo o campo de aplicação do arrolamento.

Embora usado, com mais freqüência, no Direito de Família e no de Sucessões, a fórmula ampla do artigo 856 permite que lance mão do arrolamento “todo aquele que tem interesse na conservação dos bens”.

No Direito de Família, que mais nos interessa, no momento, encontra-mos, com muita freqüência:

a) O arrolamento como incidente ou antecedente à demanda de separação ou divórcio direto, de nulidade ou anulação de casamento, se há comunhão de bens, a reclamar posterior partilha.


Há, no caso, uma aparente superposição do arrolamento com a medida do artigo 822, III, que autoriza o seqüestro “dos bens do casal, nas ações de desquite e de anulação de casamento, se o cônjuge os estiver dilapidando”.

O problema se resolve, neste caso específico, da mesma forma como se resolve nos casos genéricos: Se se ignora quais são os bens que compõem o patrimônio do casal, será necessário tomar em rol, para depois conservar: o caso é de arrolamento. Capacitado o requerente da medida a indicar os bens que serão constritos cautelarmente, mostrar-se-á adequado o seqüestro.

b) O arrolamento entre conviventes, como antecedente ou incidente da ação de reconhecimento e dissolução de união estável é admitido pacificamente pela doutrina e pela jurisprudência.

c) Pode-se propor ação de arrolamento antes ou no curso de ação de investigação de paternidade ou de maternidade, se é de temer o extravio ou dissipação dos bens. Mas é claro que a ação cautelar somente será admissível, se a ação de investigação de paternidade vier cumulada, como é freqüente, com a de petição de herança, pois, na hipótese contrária, a sentença será meramente declaratória da filiação, sem qualquer repercussão patrimonial decorrente da respecti-va sentença.

c) Cabível, também, o arrolamento como incidente ou antecedente do inventário (artigo 982) ou do seu sucedâneo, o arrolamento do artigo 1.031. A quem estiver na posse e administração da herança faltará, obviamente, interesse em requerer a medida. Mas ausente a posse e a administração poderão requere-la o cônjuge supérstite, o herdeiro – legal ou testamentário – o cessionário do herdeiro, o síndico da Massa Falida do herdeiro, a Fazenda Pública, quando tiver direito aos bens, ou se tratar de herança jacente ou vacante, etc. etc. O legatário normalmente não se socorrerá do arrolamento cautelar pois o legado compreende, em regra, coisa certa e delimitada.

Procedimento.

Nada há de particular a realçar, com relação à petição inicial, convindo, no entanto assinalar que o artigo 857, ao exigir que, na petição inicial, o requerente exponha o seu direito aos bens e os fatos em que funda o receio de extravio ou de dissipação dos bens, revela-se um dispositivo inútil e pleonástico porque o artigo 801, ao estabelecer o que deve conter a petição inicial de qualquer ação cautelar já estabelece, no inciso IV, que, na inicial, o autor deve indicar “a exposição sumária do direito ameaçado e o receio de lesão”.

Se o juiz, em juízo de probabilidade, se convencer com ou sem justifi-cação prévia, de que estão reunidos os requisitos legais – aparência do direito, risco de dano – deferirá a medida liminarmente, ouvindo o possuidor ou detentor dos bens (previamente) “se a audiência não comprometer a finalidade da medida” (artigo 858, parágrafo único)

O artigo 858, como está redigido dá a impressão que a liminar so-mente poderá ser concedida após “produzidas as provas em justifica-ção prévia”, mas evidentemente não é assim, porque nada impede que o autor peça e obtenha a liminar, independentemente de justificação, instruindo a petição inicial com prova documental suficiente.

Deferida, ou não, a liminar prossegue-se de acordo com as regras dos artigos 802 e seguintes: a) cita-se o demandado, para apresentar resposta em cinco dias; b) se não houver necessidade de produção de prova em audiência, o juiz julgará de plano; c) no caso contrário determinará a designação de dia e hora para a realização da audiência, seguindo-se, depois, a sentença, da qual cabe recurso de apelação, que a lei manda receber no só efeito devolutivo (artigo 520, IV)

Como a medida é cautelar e constritiva, a ação principal deverá ser proposta no prazo de 30 dias contados da ciência do autor de que foi efetivada a medida, se tiver sido requerida de forma antecedente. (artigo 806), sob pena de cessação da eficácia da medida (artigo 808, I)

Deferido o arrolamento, liminarmente ou ao final, os bens serão depositados com depositário, escolhido pelo juiz, cabendo a aquele lavrar auto contendo a descrição minuciosa dos bens.

Malgrado o teor literal do artigo 859 – “O depositário lavrará auto ” – os autores discutem se o auto deve ser lavrado pelo depositário ou pelos Oficiais de Justiça. Se o Depositário for judicial, dotado de fé pública, não há dúvida que ele lavrará o auto. Se o depositário for o próprio réu também não há dúvida de que ele não lavrará o auto (porque, do contrário, a garantia do autor seria ilusória).

Sobra o caso em que o depositário não é o judicial, nem é o próprio réu. Ovídio Batista acha que, nesse caso, como em todos os outros, o auto será lavrado pelos Oficiais de Justiça. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, com quem estamos de acordo, acha que “por questão de mera conveniência não se deve afastar a clara opção do legislador (pelo depositário).


O artigo 860 dispõe sobre a aposição de selos nas portas das casas ou nos móveis em que se encontram os bens, quando não for possível efetuar, desde logo, o arrolamento ou concluí-lo no dia em que foi iniciado.

Esses selos, em tiras de papel, de pano, metal, cera derretida ou outro material adequado, serão assinados, marcados ou rubricados pelos participantes da diligência. Quem os violar cometerá o crime do artigo 336 do Código Penal:: “…. “Violar ou inutilizar selo ou sinal empregado por determinação legal ou por ordem de funcionário público para identificar ou cerrar qualquer objeto…”

2. GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS E

REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE

VISITAS.

Artigo 888, VII

Há, na lei, diversas regras sobre a guarda de menores, como o artigo 16, § 2°, do Decreto Lei n° 3.200, de 19.04.41, e 9° e seguintes da Lei do Divórcio.

No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação consen-sual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos (artigo 9°). Se a separação for litigiosa, os filhos menores ficarão com o cônjuge inocente (artigo 10). Se ambos forem culpados os filhos menores ficarão com a mãe (artigo 10 § 1°). No caso de separação judicial fundada em ruptura da vida em comum por mais de um ano (artigo 5°, § 1°) os filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja compa-nhia estavam durante o tempo de ruptura da vida em comum (artigo 11). E assim por diante.

Mas, ao lado dessas regras, há a “regra que desfaz todas as regras “. E’ “a regra das regras “: “Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais” (artigo 13 da Lei do Divórcio e 16, § 2°, do citado Decreto Lei n° 3.200, de 19.4.41, na redação que lhe deu a Lei n° 5.582, de 16.06.70).

Em suma: prevalece, sempre, o interesse do menor. E para descobrir onde está o interesse do menor, o juiz examinará, em toda a sua profundidade, o caso concreto, podendo recorrer a assessoria de técnicos especializados que lhe fornecerão estudos sociais, familiares, econômicos, psiquiátricos, psicológicos.

A ação de guarda e educação dos filhos e de regulamentação de visitas não ostenta natureza cautelar, porque não visa garantir resulta-do útil à tutela de outra natureza, de conhecimento ou cautelar. Trata-se de providência de índole satisfativa. Participa da natureza da antecipação dos efeitos da tutela de mérito.

Por essa razão, não tem o autor que obteve a medida, liminarmente, ou ao final, o ônus de propor a ação principal (que pode até nem existir) no prazo de 30 (trinta) dias (artigo 806), sob pena de cessação da eficácia da medida (artigo 808, I)

A guarda é da natureza do pátrio poder, pois, de acordo com o artigo 384, I e II do Código Civil, “compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e educação e tê-los em sua companhia e guarda”, mas não é da sua essência, porque bem pode estar despojado da guarda quem não perdeu o pátrio-poder, como acontece, no caso corriqueiro, de o juiz atribuir a guarda do menor à mãe, retirando-a do pai que, não obstante, não perdeu o pátrio-poder.

A ação de guarda e educação dos filhos e de regulamentação de visitas, que não ostenta natureza cautelar, pode também não ostentar natureza provisória e ser postulada, desde logo, autonomamente, em termos definitivos, independentemente de qualquer outra ação ou providência judicial.(v.g. ação de guarda postulada pela mãe, em face do pai, não sendo casados, entre si, os litigantes; ação de guarda proposta por um dos cônjuges, em face do outro, sem pretensão de separação judicial, mas com aspiração à resolução definitiva do problema da guarda dos filhos, etc. etc.)

A ação de revisão da guarda e do regime de visitas, havendo motivos que a justifiquem, pode ser proposta através do procedimento sumário e autônomo contemplado no mesmo dispositivo em exame (artigo 888, VII). Há, jurisprudência, a que não aderimos, exigindo, neste caso, a adoção do procedimento ordinário.

Embora seja mais comum a ação de guarda proposta pelo pai em face da mãe ou vice-versa, nada impede que a intentem terceiros, a quem, no interesse do menor, o juiz pode outorgar a guarda, principalmente, mas não necessariamente, parentes próximos, como avós, tios, irmãos, etc.)

Não concordamos com doutrina e jurisprudência que admitem, no caso, a decretação das medidas ex officio, pelo juiz, e, por este, julgamento ultra ou extra petita. A segurança jurídica decorrente da observância das regras e princípios processuais supera em muito as poucas vantagens que podem decorrer da inobservância daquelas e destes.

Em outro inciso do mesmo artigo 888, o de n° III, o Código dispõe a respeito da “posse” provisória dos filhos, nos casos de desquite ou anulação de casamento”.


Ressalte-se, de início, o uso inadequado do vocábulo posse, que, como se sabe, só existe de coisas e filho não é coisa, de modo que não há e nem pode haver “posse…dos filhos”. Leia-se, no lugar da expressão profligada, “guarda dos filhos”.

Por outro lado, nada justifica a adoção da medida somente nos casos de “desquite ou anulação de casamento”. Aqui a interpretação deve ser extensiva, ampliativa, para alcançar, também, ações de outra natureza, como a ação de nulidade de casamento, ação de dissolução de união estável, ação de suspensão ou destituição do pátrio poder, etc. etc.

Esta ação de “posse provisória” é preparatória ou incidente de outra ou outras onde as partes litigam ou vão litigar sobre o próprio direito de guarda do menor (inclusive da do 888, VII)

A sua utilidade, no caso de ser preparatória ou antecedente da do 888, VII, é, ao menos, discutível, porque se a ação definitiva, do referido dispositivo legal, admite a concessão de liminar, que, deferida, importa-rá em atribuir ao autor a mesma “posse provisória” que ele obteria intentando a ação do 888, III, necessidade do uso desta e, pois, interesse processual, ele somente terá em casos outros, que não o figurado.

4. ALIMENTOS PROVISIONAIS Artigo 852

O conceito jurídico de alimentos, como se sabe, não coincide com o seu conceito comum, pois abrange, não apenas as substâncias nutritivas de que o corpo humano necessita para manter-se vivo, como, também, tudo o mais que a pessoa humana necessita para viver com um mínimo de dignidade: habitação, vestuário, remédios, instrução, lazer, etc. etc.

Parcela ponderável da doutrina não vê nenhuma diferença ontológica entre os alimentos ditos “provisionais”, do artigo 852 do Código de Processo Civil, e os alimentos chamados provisórios, da Lei n° 5.478, de 1.968.

“A diferenciação entre as duas espécies – diz Sérgio Gischkow Pereira – é apenas terminológica e procedimental; em essência, em substância, são idênticas, significam o mesmo instituto, a saber, prestações destinadas a assegurar ao litigante necessitado os meios para se manter na pendência da lide” (Ação de Alimentos, 1.983, página 49)

Outros sustentam que a diferença entre as duas espécies de alimentos está em que os provisionais incluem e os provisórios, não, as chama-das expensa litis – verbas destinadas ao custeio da causa.

Dúvida, inexiste, no entanto, que, nos dois casos, é de antecipação de tutela que se trata e não de medida cautelar.

Também é certo que somente pode pedir alimentos, inclusive provisó-rios, pelo rito da Lei n° 5.478, de 1.968, aquele que disponha de prova da relação de parentesco ou da obrigação alimentar, nos exatos termos do seu artigo 2°.

Como este dispositivo alude a parentesco ou à obrigação alimentar e considerando que alimentos, no regime do Código Civil, são unica-mente os devidos entre parentes (artigos 396 e seguintes), a mulher casada, que não é parente do marido, em princípio, não poderia lançar mão da Ação Especial da Lei n° 5.478, porque o marido não lhe deve alimentos, (senão que apenas assistência, na linguagem do artigo 231, III), mas a convivente, na união estável, poderia fazê-lo, desde que comprovada a união estável (reconhecimento em testamento, escritura pública, instrumento particular, existência de contrato escrito, reconhe-cimento judicial de forma incidental, etc. etc.) porque, de acordo o artigo 7° da Lei n° 9.278, de 10.05.96, “dissolvida a união estável, por rescisão, a assistência material prevista nesta lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos”.

Esse entendimento, que importa em tratar melhor a convivente do que a mulher casada, ao que sabemos, jamais foi sufragado pela jurispru-dência e pela doutrina, apesar de decorrer, logicamente, da exegese dos textos legais examinados.

A Lei n° 5.478, em seu artigo 2°, estabelece que “o credor, pessoal-mente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se e exporá suas necessidades, provando, apenas, o parentesco ou a obrigação alimentar do devedor.

Melhor seria que tivesse dito provando apenas o parentesco e a obrigação alimentar do devedor.

Como está na lei, os requisitos não são cumulativos. Basta a existência de qualquer deles isoladamente – parentesco ou obrigação alimentar – para autorizar o uso da ação especial, com todas as conseqüências daí decorrentes, sobretudo a obrigatória fixação dos alimentos provisó-rios, desde logo, “salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”, o que nunca vimos ocorrer em processo algum.

Assim, pela lei, toda ação de alimentos entre parentes, é de rito especial e o autor passa a receber, desde logo, alimentos provisórios, mesmo sendo o autor filho maior, saudável e vadio; irmão, com qua-renta anos de idade, que goza de boa saúde, mas detesta trabalhar, e, assim, por diante.

Para evitar o despautério, parece-nos válido um esforço exegético no sentido de ler “provando, apenas, o parentesco e a obrigação de alimentar do devedor, onde está escrito, “provando, apenas, o paren-tesco ou a obrigação de alimentar do devedor”.

Pensamos que, cabível a ação de alimentos da lei especial, em que podem ser pleiteados os provisórios, que o juiz só não concederá se a parte declarar que deles não necessita (artigo 4°), o autor não tem interesse em propor a ação do artigo 852, reservada, portanto, apenas aos casos em que a primeira não é utilizável: v.g. a ação de alimentos do filho não reconhecido.

Note-se a diferença: na ação da Lei n° 5.478 o autor precisa provar que é filho. Na do artigo 852, que provavelmente é filho (artigo 273).

Proposta a ação do artigo 852, o juiz poderá conceder os alimentos initio litis, ou ao final, se reunidos os requisitos que a lei exige para a antecipação da tutela (artigo 273), não sendo de se cogitar, aqui, dos requisitos necessários à concessão de medida cautelar – fumus boni juris e periculum in mora – porque, como já se salientou, não é disso que se trata.

Com o advento da Lei n° 8.952, de 13.12.94, que, modificando o artigo 273 do Código de Processo Civil, introduziu, entre nós, o instituto da antecipação da tutela, a ação de alimentos provisionais, regulada, no Código, como ação cautelar, que ela não é, perdeu muito da sua substância.

Com efeito, uma de duas: ou o autor dispõe ou não dispõe da ação especial da Lei n° 5.478.

Se dispõe, não precisa da ação do artigo 852, porque ao despachar a inicial, o juiz obrigatoriamente fixará os provisórios, exceto se o autor declarar que os dispensa.

Se não dispõe (v.g. filho não reconhecido e que, portanto, não pode ministrar, desde logo, prova do parentesco ou da obrigação alimentar) ele pode propor a ação de alimentos, submetida ao procedimento ordinário, e pedir, ao juiz, desde logo, a antecipação da tutela de condenação do réu no pagamento dos alimentos de que necessita para viver.

Assim, para que serve, presentemente, a ação de alimentos provisio-nais regulada no artigo 852 do Código de Processo Civil? Só para uso, nos escassos casos, em que, não sendo cabível a ação de alimentos da Lei n° 5.478, não estejam, presentes, igualmente, os requisitos necessários para a antecipação da tutela de mérito. Mas, nesse caso, terá possibilidade de êxito a ação de alimentos provisionais do artigo 852?

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