Compensação tributária

Íntegra: TRF repele Súmula do STJ que veda compensação por liminar

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3 de novembro de 2000, 23h00

É possível compensar tributos com decisão liminar da Justiça. A Súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que impede a compensação, é inconstitucional.

Esse é o entendimento da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região. A decisão foi publicada no Diário da Justiça do último dia 27 de outubro. Leia a íntegra da sentença, ao final desta notícia.

A decisão, cujo voto condutor foi do juiz Andrade Martins, relator da matéria, é inovadora. Na análise do juiz federal, o impedimento da compensação ofende o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, onde se lê que “a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Nas palavras do juiz relator, a Súmula do STJ induz a “raciocínios jurídicos mutilados ou excessivamente abreviados e, por isso, corre o risco de ser usada como mero ícone, propiciando milhares de afrontas ao sagrado dever de fundamentação que a todos os julgadores se impõe, no artigo 93, inciso IX da Constituição”.

No recurso em questão, uma empresa de importação e exportação pretendia obter a compensação de débitos tributários cobrados a maior pelo INSS.

Para tanto, a empresa entrou com um processo pedindo a tutela antecipada da compensação. A 24ª Vara Federal negou o pedido.

Os advogados do escritório Barbosa e Salles Oliveira, que representam a empresa, entraram com agravo de instrumento no TRF da 3ª Região pedindo a liberação liminar da compensação dos débitos tributários.

Os juizes do TRF negaram seguimento ao pedido, com base na Súmula do Superior Tribunal de Justiça que determina que “a compensação de débitos tributários não pode ser deferida por medida liminar”.

A empresa impetrou, então, um agravo legal pedindo a reconsideração da decisão. A 4ª Turma do Tribunal decidiu conceder a tutela antecipada à empresa, garantindo a compensação liminar do débito tributário.

Na análise do advogado Rui Salles Oliveira Santos, a decisão do TRF “enfrenta, de forma clara, justa e realista, a nefasta consequência da edição da já polêmica Súmula 212 do Egrégio STJ, representando importante precedente para os profissionais da seara tributária”.

LEIA A ÍNTEGRA DA DECISÃO

Agravo legal em Agravo de Instrumento n.º 97839

Reg. n.º 1999.03.00.058064-2

Relator: Desembargador Federal SOUZA PIRES – 4ª Turma

Relator p/ acórdão: Desembargador Federal ANDRADE MARTINS – 4ª Turma

Agravante: Prestofarma Comercial e Importação e Exportação Ltda.

Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Agravado: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE Origem: Juízo Federal da 24º Vara de São Paulo – Sec. Jud. SP Agravante. : Prestofarma Comercial e Importação Ltda.

Agravada. : decisão das fls. 58

Advogados. : Rodrigo Canezin Barbosa e Ikuko Kinoshita

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL PREVISTO NO ART. 557, § 1º, DO CPC. COMPENSACÃO PREVISTA NO ART. 66 DA LEI 8.383/91. RECURSO CONTRÁRIO AO VERBETE DA SÚMULA 212 DO STJ. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCABÍVEL. SOBREPOSIÇÃO DO ART. 5º, INC. XXXV, DA CF.

1. – O enunciado da Súmula n.º 212 do Eg. Superior Tribunal de Justiça, com todo o respeito, não é aplicável ao caso por reputá-lo incompatível com a parte final do art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República, bem como com a disposições legais instituidoras de tutelas judiciais provisórias. A atribuição de eficácia suspensiva ao agravo de instrumento e o julgamento deste, sempre que voltados à proteção de compensações efetuadas pelo contribuinte, têm por objeto, sempre, a concessão ou convalidação de uma tutela provisória, e o fundamento primeiro desta é o constitucional direito dos cidadãos de se manterem incólumes diante da ameaça de injustas lesões.

2. – O verbete de desaconselha a concessão de liminares em matéria de “compensação” (tout court), ganha tal generalidade e universalidade de aplicação que se torna praticamente impossível vislumbrar algum caso que a priori seja suscetível de tratamento diverso.

3. – Ora, isto assim é porque a súmula meramente suasória reúne nesta hipótese duas características que, em conjunto, lhe garantem aplicabilidade de verdadeira súmula vinculante: de um lado, o automatismo com que as súmulas não vinculantes vêm sendo aplicadas; de outro, cumulativamente, o omnímodo alcance do conteúdo meramente processual do verbete, a incidir “em branco” sobre todas as questões de direito material ligadas ao tema da compensação tributária autônoma instituída pelo art. 66 da Lei 8.383/91.

4. – Menoscabando o consagrado direito individual de acesso ao judiciário para obtenção de tutela provisória capa de afastar ameaças de agravamento de danos ou evitar parecimento de direitos, em face da atividade estatal, no caso – um dos grandes passos dados pela constituição de 1988 (CF, art.5º, inc. XXXV, in fine) – a Súmula n.º 212, ao referir-se a liminares a modo de apodíctica proibição, acaba ensejando, enviesadamente, verdadeira onda de negativas de vigência à lei e de aplicação ao que há de mais claro no direito material in judicium deducto, tal seja a consagração, em favor do contribuinte, do direito subjetivo de promover accertamento do indébito tributário e, em seguida, “sob condição resolutória de ulterior homologação “, efetuar (este é o verbo usado no art. 66 da lei n.º 8.383/91) a respectiva compensação cabível, sob as sanções de leis que cominem penas ao inadimplemento de obrigações tributárias.

5. – O que o juiz normalmente examina é a legalidade ou não dos embaraços sucessivamente criados pelo legislador ou pela atividade normativa da pública administração. Vendo que a legalidade se acha totalmente ausente, defere a liminar.

6 – Agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por maioria de votos, dar provimento ao agravo inominado previsto no art. 557, 1º, do CPC, para que o agravo de instrumento tenha normal seguimento, nos termos do voto do Des. Federal Andrade Martins, com quem votou o Des. Federal Newton De Lucca, vencido o Desembargador Federal Relator Souza Pires, tudo na conformidade de relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 31 de maio de 2000 (data do julgamento).

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