O som ameaçador da Grande Rede

Os Sons Ameaçadores da Grande Rede.

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22 de maio de 2000, 0h00

Regras diferentes começam a tomar forma no mundo da música após o estrondoso sucesso das novas modalidades de captura musical (download) via Internet. As grandes gravadoras, também conhecidas como majors, atentas à larga evasão dos generosos lucros fonográficos que sempre comandaram, começam a se movimentar para entrar no mundo virtual e também ali tomar conta do território.

A fusão entre a AOL – America online e a Time Warner há dois meses e a mais recente incorporação da EMI inglesa pelo novo grupo, sinalizam o caminho para a entrada das Big Five na Grande Rede. Antes da compra da PolyGram holandesa pelo grupo canadense Segaram, leia-se Universal Studios e agora Universal Music, havia seis grandes gravadoras multinacionais no topo do mercado: PolyGram, Sony Music, BMG, Warner e EMI e própria Universal/MCA.

Com estupor e medo a indústria musical vê crescer o formato MP3, abreviação de “MPEG Audio-Layer 3“, uma pequena maravilha eletrônica movida a memória, que é capaz de reduzir 12 vezes o tamanho de qualquer arquivo musical ou de vídeo, sem perda de qualidade sonora. O grande problema do MP3 é a pulverização das fronteiras da legalidade no que concerne aos direitos autorais.

Diariamente cerca de 3 milhões de discos são capturados da Internet ao redor do mundo, num procedimento francamente ilegal, e armazenados nos discos rígidos dos computadores ou “queimados” em CDs virgens, graváveis, que podem ser então novamente multiplicados sem qualquer controle. Com isso, quem sai perdendo em primeiro lugar são os autores, intérpretes e produtores fonográficos, que investiram intelectual e financeiramente na criação dessas obras, agora reproduzíveis sem gerar nenhuma receita para os titulares. Mas ainda persistem alguns percalços tecnológicos, que mantêm o nível da utilização desautorizada em patamares bastante toleráveis. Como o da largura de banda, por exemplo.

Para se baixar um CD inteiro da Grande Rede, via método ISDN, leva-se, em média, duas horas. Novas técnicas de velocidade de compressão e descompressão de sinais como T-DSL poderão em breve reduzir esse tempo para 10 minutos mas muitos não têm nem o tempo nem a paciência para ficar esperando horas a fio diante de um PC para baixar seus álbuns preferidos. No mercado americano, por exemplo, o maior do mundo, não chega a 2% (dois por cento) o total anual movimentado via Internet, quer em compras, quer através de downloads. As vendas de produtos online também crescem, mas ainda em lenta progressão.

Como toda nova tecnologia que chega, o mercado pesquisa, vasculha, testa, até adotá-la por inteiro. Mesmo assim, a indústria já demonstra que pretende jogar pesado contra a nova – e até agora ilegal – concorrência. Somente na Alemanha em 1999 foram fechados cerca de 800 sites piratas que estavam comercializando músicas sem autorização, deixando um rastro de prejuízo da ordem de DM 140 milhões, ou algo em torno de US$ 90milhões.

O conceito do “home taping” ou “domestic copying” ainda não é uma unanimidade, nem se encontra regulamentado em forma linear pela comunidade do entretenimento em nível mundial. Parece claro que você pode capturar qualquer obra intelectual da Internet, seja ela literária, artística e até científica, desde que não pretenda dar a ela qualquer destino econômico, isto é, obter lucro com sua re-utilização.

O uso próprio, pessoal e doméstico, restrito ao convívio de sua família e círculo de amigos é, em tese, liberado, pois não estará ocorrendo qualquer violação do Direito Autoral do(s) criador(es) original(is), mas é a impraticabilidade de controle desse uso que se revela o grande vilão da história. Ainda não é possível controlar individualmente o destino dado a cada obra intelectual baixada da Internet individualmente por milhões de pessoas simultaneamente.

A proposta da indústria é mais radical: impedir de todo o método gratuito de captura (download). A RIAA – Recording Industry Association of America, entidade que congrega todas as grandes gravadoras do mercado americano entrou com dois processos judiciais nos Estados Unidos contra dois dos grandes sites de captura musical, o MP3.com e o Napster.com.

O valor dos dois processos pode passar de US$ 10 bilhões em indenizações e na semana passada a corte distrital sul do estado de Nova Iorque concedeu o summary judgment ao caso, isto é, deferiu o procedimento que levará o caso ao banco dos réus. Certamente, a sentença final resultante será um dos primeiros diplomas legais para a regularização dos direitos autorais na Web.

Enquanto o caos continua, a sociedade vai se rendendo aos encantos da nova tecnologia. As pessoas não estão nem um pouco preocupadas com as questões legais, e a música, a literatura e as artes vão dando a volta ao mundo dentro da Grande Rede de computadores, na velocidade da luz, com qualidade digital, delineando um tempo sem precedentes na história da humanidade: nunca se disponibilizou tanta informação em tão curto espaço de tempo a tantas pessoas simultaneamente como agora, na era virtual.

O importante é destacar que, do ponto de vista da legalidade, não se pode realmente utilizar obras intelectuais de terceiros sem autorização e sem o devido pagamento. Algum tipo de controle haverá de ser desenvolvido, e rapidamente, para por fim a toda essa controvérsia e permitir o desdobramento pacífico do futuro, que é na realidade o que sempre vimos com o passar do tempo, principalmente ao longo do século XX, fértil em novas invenções e métodos: a tecnologia sempre assusta quando chega, para depois se incorporar regularmente no cotidiano e se tornar corriqueira, imperceptível.

Daqui a cinco ou dez anos, o ato de escolher e gravar seus próprios discos personalizados via Internet será lugar comum, uma compilação para a esposa no aniversário, um presente para os pais, tudo sem sair de casa e pagando normalmente uma taxa destinada ao recolhimento dos direitos autorais dos criadores e produtores que viabilizaram o produto original.

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