A Súmula Vinculante

Artigo: Súmula vinculante e norma jurídica.

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18 de maio de 2000, 0h00

“O direito, como disse Jhering, é conjunto das condições existenciais da sociedade, coactivamente asseguradas pelo poder público. Ora, se essas condições não são as mesmas para todos os povos, como a prima facie poder-se-à ver, é claro, somos forçados a repetir com o inclyto jurista cujo nome acaba de ser invocado, que é também impossível um só remédio para todas as moléstias como um direito único para todos os povos”.

CLÓVIS BEVILÁQUA, “Resumo das Licções de Legislação Comparada”, Livraria Magalhães, Bahia, 1897, pág. 47.

1 – Reacende-se o debate em torno da súmula vinculante como fórmula para descongestionar os Tribunais, inviabilizar recursos contra sua orientação e uniformizar decisões, insuscetíveis de serem contrariadas em primeiro grau.

Argumentos apontam-se a seu prol, além daqueles: cristalizam a experiência sedimentada, enunciam direções mais claras, conferem estabilidade à ordem jurídica, e evitam decisões freqüentemente conflitantes.

Não há negar tais benefícios, bastando, a este fim, observar os efeitos positivos das Súmulas do Supremo Tribunal Federal, seu constante incremento no Superior Tribunal de Justiça e acolhimento nas Cortes estaduais.

2 – Cumpre, porém, refletir se os enunciados de interpretações pretorianas, em reiteração das decisões no mesmo sentido as recomenda, devem impor-se, com o caráter coativo das normas jurídicas, aos juízes e jurisdicionados.

Implicam em mudança fundamental em nosso sistema, filiado ao da civil law continental, de bases romano-germânico-cristãs, com o primado do Direito escrito, da Lei.

Argumentar-se-ia que as Súmulas, como se tem percebido de sua permanente elaboração em nossas Cortes, não o desviariam de seu curso, porquanto fixam a sua compreensão.

O cunho vinculativo, entretanto, altera aquele caráter conferindo-lhes atributos de generalidade, impessoalidade, abstração e cogência, próprios da Lei.

Esta é interpretada, consoante os mais modernos métodos de hermenêutica, que ensejam adaptarem-se às peculiaridades do caso concreto, em determinado tempo lugar, o que se afigura de relevo em país de extensão territorial, com variedades locais, como o nosso. A Súmula, porém, já é interpretação, que pode não atender àqueles reclamos.

3 – O Juiz, viva vox iuris, no dizer de FERRARA (“Trattato di Diritto Civile Italiano”, pág. 195/96), aplica a Lei diante das circunstâncias do caso concreto, a exigirem sua exegese em lavor de adaptar a mens legis a situações fáticas cambiantes. A Súmula, por encerrá-la, não abre margem àquele elastério, indispensável ao magistrado para entregar a prestação jurisdicional justa.

Demais disso, o precedente no qual se inspira a Súmula, próprio dos países da common law, porque é proferido em julgamento, não tem em vista servir de diretriz para hipóteses ulteriores, pois não ultrapassa os lindes do caso decidido. Daí a sabedoria da norma, de alcance mais amplo, em fórmulas abrangentes, encerrando a previsão de conduta, a permitir e impor sua inteligência na aplicação às espécies.

Eis porque, ao cogitar-se da Súmula vinculante, tais aspectos não podem ser olvidados no Direito brasileiro, que muito deve em sua evolução à jurisprudência construtiva.

Por derradeiro, tem-se nítido conceito de Súmula em aresto da lavra do insigne Ministro MOREIRA ALVES, in Ag. 121.969-6 (AgRg)-RJ, in DJU de 5.2.88, pág 1.389:

“… não é norma jurídica, mas representa a cristalização da jurisprudência da Corte e seu alcance se afere das decisões tomadas nos precedentes em que ela se baseia. A Súmula é mero instrumento de trabalho que simplifica o julgamento uma vez que com sua referência, o julgador não precisa de repetir os fundamentos que deram margem à tese nela enunciada…” (grifo nosso).

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