Suicídio Profissional

Artigo: Suicídio Profissional.

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15 de maio de 2000, 0h00

A OAB-SP tem recebido diversas propostas para adotar medidas objetivando impedir que setores da administração pública continuem praticando atos que prejudicam o direito das pessoas em geral. Por exemplo: a Associação dos Advogados de São Paulo sugeriu que fosse proposta uma ação civil pública para suspender uma lei municipal que tornou progressivo o imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI) na Capital e um respeitável advogado de Mogi das Cruzes propôs que fosse estudada uma ação direta de inconstitucionalidade face a uma lei daquele município relacionada com a indevida cobrança de tributos. Em ambas as propostas vislumbra-se evidente propósito de defender o interesse público, evidencia-se uma pertinente insatisfação diante de abusos praticados pelos poderes públicos e nota-se clara demonstração de pleno exercício da atitude que num regime democrático conhece-se pelo nome de “cidadania”.

Existem diversos outros encaminhamentos imbuídos daqueles mesmos propósitos , feitos por advogados e mesmo por outras pessoas e entidades não profissionais, sugerindo o engajamento da OAB e mesmo o patrocínio desta em ações com os mais diferentes objetivos. Em muitas situações a entidade tem se engajado na luta do povo pela cidadania, criando até Comissões especializadas, como as que tratam dos direitos do consumidor, dos deficientes físicos, da questão agrária, etc. Ainda recentemente foi pedida essa intervenção em assuntos relacionados com pedágio, cobranças de energia elétrica, instalações de telefones, etc.

Todas essas questões revelam a grande carência da coletividade em praticamente todos os assuntos e ao mesmo tempo a grande confiança que a sociedade deposita hoje na entidade que congrega os advogados paulistas. Se de um lado, – o da confiança – isso pode nos orgulhar e até envaidecer, de outro – o excessivo apelo à entidade – traz-nos uma preocupação enorme, já que corremos o risco de ver nossa entidade diluir seus esforços em inúmeras trincheiras, podendo até desviar-se de suas funções institucionais.

Primeiro, é bom deixar claro que a OAB não é representante do Povo, mas dos advogados. Quem representa o Povo, conforme diz a Constituição Federal, é o Poder Legislativo. Senadores, Deputados e Vereadores são eleitos e pagos por todos nós, contribuintes, para defender os interesses populares. Isso leva a uma primeira questão: quem pretende alterar ou revogar uma lei municipal deveria, antes de procurar a OAB, levar a questão ao seu representante no legislativo. Afinal, este não serve apenas para arranjar empregos, dar nome a ruas ou criar datas comemorativas.

Por outro lado, não pode uma entidade que representa advogados adotar medidas que possam restringir ainda mais o campo de atuação desses profissionais. No caso da progressividade do ITBI na Capital e das taxas de Mogi das Cruzes, todos os advogados que estão defendendo os contribuintes estão obtendo sucesso na Justiça, através de Mandados de Segurança. Nesse tipo de ação, como se sabe, é obrigatória a intervenção do Ministério Público. Se este, como fiscal da Lei que é, não pode propor ação coletiva, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, por se tratar a questão tributária de matéria relativa a interesse individual disponível, menor será a razão para que a OAB venha a adotar tal medida que, além de tudo, prejudica a nossa classe na exata medida em que faz diminuir o trabalho dos advogados.

Não nos parece razoável que a entidade mantida pelos profissionais da advocacia venha a desenvolver atividades em prejuízo da profissão. Sempre é bom lembrar que existe um equívoco muito grande quando se afirma que a advocacia é um “sacerdócio”. Aliás, há quem diga que até os sacerdotes estão atualmente muito preocupados com a sobrevivência, com alguns já se dedicando às artes e aos espetáculos como forma de ganhar dinheiro.

Advogados investem em educação, instalação e manutenção de escritórios e esses investimentos precisam dar retorno. Advocacia é profissão, atividade econômica, meio de ganhar a vida. Assim, não podemos permitir que um suposto “idealismo” ou mesmo um alegado “exercício de cidadania”, impeçam ou dificultem o exercício da profissão. Queiramos ou não, estamos num regime capitalista e sujeitos às suas regras. Uma delas é o direito e o dever de extrairmos de nossa profissão, de forma digna e honrada, o nosso sustento e o de nossos dependentes e colaboradores.

Pretender usar a OAB como substituta dos poderes da República, incumbidos de zelar pelo interesse e pelos direitos coletivos, é condenar a entidade ao desprestígio e ao enfraquecimento. E cada advogado que alimentar essa fantasia de “cidadania” ou “sacerdócio” em detrimento de suas próprias possibilidades de trabalho, estará, sem dúvida, cometendo SUICÍDIO PROFISSIONAL.

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