Administração sob suspeita

STJ anula decisão que beneficiou Maluf, Pitta e Wagner Ramos.

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12 de maio de 2000, 0h00

O Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo terá de reavaliar decisão que manteve disponíveis os bens do ex-prefeito paulistano Paulo Maluf, do atual prefeito Celso Pitta e do ex-coordenador da Dívida Pública do Município, Wagner Baptista Ramos.

Os três foram absolvidos em setembro de 1997, quando Pitta era secretário de Finanças, em ação movida pelo Ministério Público (MP), sob o argumento de que não haveria, na ocasião, razões para declarar a indisponibilidade dos bens dos acusados.

A ação do MP pede que os administradores sejam condenados a ressarcir aos cofres públicos cerca de R$ 1,3 bilhão, que teriam sido desviados com a emissão irregular de títulos públicos para pagamento de precatórios de 1993 a 1996.

A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, acolheu os argumentos dos promotores e anulou a decisão do Tribunal paulista. O que obriga os desembargadores a reexaminar a questão.

Contudo, os bens de Maluf, Pitta e Ramos continuam disponíveis até decisão em contrário.

Falando à revista Consultor Jurídico, o advogado de Maluf, Ricardo Tosto, afirmou que a ministra “não analisou o mérito da questão”.

Tosto disse que “ela entendeu apenas que o acórdão deve ser melhor fundamentado”. Com isso, o processo retorna para análise em São Paulo e o TJ vai julgar novamente a questão.

Leia a íntegra da decisão da ministra

RECURSO ESPECIAL N.º 251.049 – SÃO PAULO (2000/0023878-3)

RELATOR : MIN. NANCY ANDRIGHI

RECTE : MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECDO : PAULO SALIM MALUF

RECDO : CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO

RECDO : WAGNER BAPTISTA RAMOS

Decisão

Cuida-se de recurso especial em face de v. acórdão da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em agravo de instrumento, contra decisão monocrática indeferitória de pedido liminar de indisponibilidade de bens em ação de responsabilidade civil por improbidade administrativa, complementado por acórdão em embargos de declaração, constando, em inteiro teor o que segue:

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO n.º 54.867-5/4, da Comarca de SÃO PAULO, em que é agravante o MINISTÉRIO PÚBLICO, sendo agravados PAULO SALIM MALUF e outros:

ACORDAM, em Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

1. Cuida-se de agravo de devolução imediata, tendente à reforma de despacho que em autos de ação de responsabilidade civil por improbidade administrativa, indeferiu pedido liminar de indisponibilidade de bens dos réus (fls. 46/48).

2. O recurso é tempestivo, mas, não comporta foros de prosperidade. E isto porque pese a veemência dos termos em que vasada a petição respectiva e a inicial da ação subjacente, no que tange aos prejuízos que a conduta, ali narrada teria ocasionado aos cofres públicos, o fato é que inexiste, pelo menos por enquanto, necessidade de restrição ao direito de propriedade dos réus, para efeito de eventual e futura procedência da demanda.

3. Do exposto, negam provimento ao recurso. custas da lei.

Participaram do julgamento os Desembargadores RALPHO OLIVEIRA E PAULO FRANCO.

São Paulo, 4 de setembro de 1997.

Inadmitido na origem, por falta de prequestionamento, os autos subiram por força de decisão proferida em agravo de instrumento, pelo e. Min. Hélio Mosimann, meu antecessor.

Sustenta o Recorrente que:

“O v. acórdão recorrido, ao processar e julgar o agravo a revelia do órgão ministerial de segunda instância, nulificou o processo e afrontou os artigos 527, IV, 82, III, 84 e 246 do Código de Processo Civil, 41, III e IV da Lei Federal 8.625, de 1993. Negando provimento ao agravo, sem qualquer fundamentação, contrariou os artigos 165 e 458, II, do Código de Processo Civil e, mais uma vez, viciou o processo. Afrontou, finalmente, o artigo 535, II, do Código de Processo Civil, quando instado através de embargos de declaração a se manifestar sobre ponto que deveria ter decidido, injustificadamente se omitiu”.

Foram opostos embargos declaratórios provocando a manifestação do Tribunal de Justiça estadual acerca dos dispositivos de lei tido como violados, como narra o relatório do acórdão proferido em sede de embargos de declaração no agravo de instrumento, tendo o órgão julgador esposado a tese de que os argumentos foram expostos de forma concisa, mas não carente de fundamentação e “por óbvio que apesar do quanto estabelecido no dispositivos legais que os embargos invocam (Cód. Proc. Civ. – arts. 236, § 2?; 246 e 572, inciso IV; Lei n.º 8.625, de 1993 – art. 41, incisos III e IV e Lei Complementar Estadual n.º 734, de 1993 – art. 224, inciso XI), não há cogitar de nulidade pelo fato de não haver sido proporcionada, ao órgão do Ministério Público de segunda instância, a oportunidade de manifestar-se no feito”.

REPISADOS OS FATOS, APRECIO A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.

São quatro os pontos de insurgência do Ministério Público do Estado de São Paulo: a.) julgamento do agravo de instrumento à sua revelia (art. 82, Código de Processo Civil) e sua intimação para acompanhar o feito (arts. 84 e 246, Código de Processo Civil); b.) oitiva do Ministério Público, em segundo grau de jurisdição, na forma do art. 527, inciso IV, que regula o processamento do agravo de instrumento; c.) nulidade do acórdão por ausência de fundamentação; e d.) violação ao art. 535, II, Código de Processo Civil, porque opostos embargos declaratórios, o Tribunal de Justiça se omitiu sobre questão de obrigatório pronunciamento.

À evidência, o v. acórdão recorrido apreciou a apontada ofensa a dispositivo de lei federal e afastou-a, portanto superada a exigência do prequestionamento e atendido o fim do art. 535, II do Código de Processo Civil.

Dispôs o acórdão recorrido “o fato é que inexiste, pelo menos por enquanto, necessidade de restrição ao direito de propriedade dos réus, para efeito de eventual e futura procedência da demanda”. Não se pode concluir que as razões esposadas no v. acórdão sejam “sucintas”. Depende de explicitação a motivação da decisão judicial que negou provimento ao recurso de agravo de instrumento, porque não foi assentado o pressuposto fático do qual partiu o nobre Colegiado a quo para afirmar que não há necessidade de limitação ao direito de propriedade; ou seja, era necessário, para atendimento do comando constitucional do art. 93, IX, que o acórdão recorrido tivesse exteriorizado, adequadamente, porque as provas colhidas (relatórios do Tribunal de Contas, Banco Central e CPI dos Precatórios) não foram suficientes para firmar a convicção de que a medida cautelar de indisponibilidade de bens não atenderia os fins da Lei n.º 8.429/92.

No REsp n.º 47.169/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in RSTJ 90/166, decidiu-se que:

RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E OMISSÃO. PRECEDENTES DA CORTE.

1 – É nula a sentença que omite questão central posta na contestação e deixa de fundamentar devidamente outras, diante dos termos precisos do art. 458, II, do CPC.

2 – Como ensina Moacyr do Amaral Santos, em preciosa lição, a sentença “é ato de vontade, mas não ato de imposição de vontade autoritária, pois se assenta num juízo lógico. Traduz-se a sentença num ato de Justiça, da qual devem ser convencidas não somente as partes, como também a opinião publica. Portanto, aquelas e esta precisam conhecer dos motivos da decisão, sem os quais não terão elementos para convencer-se do seu acerto. Nesse sentido diz-se que a motivação da sentença redunda de exigência de ordem publica”.

Reconhecida a nulidade do acórdão recorrido, por ausência de adequada fundamentação, os demais pontos do recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo perdem a força inicial, porque acolhida objeção relevante, apta, por si só, a modificar as razões de decidir do acórdão do e. Tribunal paulista.

Por oportuno, frise-se o julgamento, pela e. 2ª Turma desta Corte Superior de Justiça, do REsp n.º 171.531-SP, Rel. Min. Franciulli Netto, julg. em 11-04-2000 (informativo de jurisprudência do STJ n.º 54), no qual, estabelecendo a melhor interpretação do art. 552 do Código de Processo Civil, entendeu obrigatória a intimação de inclusão em pauta do agravo de instrumento.

Exsurge a nulidade do acórdão pelos fundamentos mencionados, porque contraria Jurisprudência pacífica deste Colendo Superior Tribunal de Justiça, atraindo a aplicação do artigo 557, § 1?-A do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n.º 9.756/98.

Forte nestas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para declarar a nulidade do acórdão recorrido, determinando que se prossiga na esteira do devido processo legal.

Intime-se.

Brasília, 11 de maio de 2000.

MINISTRA Nancy Andrighi, Relatora.

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