Imposto de Renda na Fonte

Artigo: Não pagamento de IRF em serviços prestados por empresas do ext

Autor

5 de maio de 2000, 0h00

Não Incidência de Imposto de Renda na Fonte sobre Rendimentos de Serviços Prestados no Brasil por Empresas Estrangeiras situadas em países com os quais o Brasil tem Tratado para Evitar a Dupla Tributação

I – Introdução

O presente estudo visa abordar, de forma preliminar, a possibilidade do Brasil não mais tributar rendimentos pagos a empresa estrangeira, localizada em país signatário de Tratados para evitar a Dupla Tributação (“Tratados”)(1), por serviços prestados a empresa brasileira, que não envolvam transferência de tecnologia, não obstante a posição contrária das autoridades fiscais brasileiras, constante no Parecer CST 58, publicado em 1º de outubro de 1999, confirmada no Ato Declaratório Normativo 1, de 5 de janeiro de 2000.

II – Definição de Serviços Puros

Entende-se por serviços puros aqueles cuja prestação não implica em transferência ao adquirente de qualquer conhecimento ou técnica, mas restringe-se, apenas, à execução de um serviço.

Os serviços puros, portanto, não são remunerados por “Royalties”(2) conforme definido nos Tratados.

Alguns Tratados determinam que também sejam remuneradas por “Royalties” a Assistência Técnica (definida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial “INPI” como contrato que estipula as condições de obtenção de técnicas, métodos de planejamento e programação, bem como pesquisas, estudos e projetos destinados à execução ou prestação de serviços especializados) e a prestação de Serviços Técnicos (que envolvem a transferência de tecnologia).

III – Tratados para evitar a Dupla Tributação

Os Tratados consistem em acordos (no caso bilaterais) que visam a evitar, ou, pelo menos atenuar a tributação de um mesmo rendimento, pelos dois países signatários. Em outras palavras, os Tratados têm como objetivo evitar a dupla tributação, disciplinando a atuação dos Estados contratantes quanto à aplicação ou incidência dos impostos sobre a renda ou sobre capital. O Brasil, apesar de não ser país membro da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), adotou o modelo de Tratado desse importante organismo internacional (“Modelo da OCDE”)

Sobre a aplicação dos Tratados em nosso sistema tributário, o artigo 98 do Código Tributário Nacional (“CTN”) estabelece que “os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Uma vez entendida a prevalência dos Tratados sobre a legislação tributária interna, temos que, de forma sintética, a questão quanto à possibilidade de o país receptor do serviço tributar os rendimentos dele derivados está intrinsecamente relacionada a em qual artigo do Tratado devem ser enquadrados os rendimentos auferidos na prestação de serviços puros (sem a transferência de qualquer tecnologia).

A matéria gera divergências nas decisões administrativas do Fisco pois, dependendo da interpretação, pode se entender que os rendimentos pagos por residentes brasileiros a beneficiários residentes em países que têm Tratado com o Brasil podem ser entendidos conforme o disposto no artigo 7º(3) (lucro das empresas) ou nos artigos 21 ou 22(4) (outros rendimentos) do Modelo da OCDE.

O “caput” do artigo 7º do Modelo da OCDE, presente na maioria dos Tratados firmados pelo Brasil, trata do lucro das empresas e estabelece que os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só serão tributáveis nesse Estado. O artigo possibilita ao outro Estado tributar os lucros apenas no caso de a empresa ter estabelecimento permanente(5) nele constituído. Entretanto, a tributação nesse caso alcançará, somente, os lucros atribuíveis a esse estabelecimento permanente, considerado como entidade distinta da empresa estrangeira.

Já os artigos 21 ou 22(6), incluídos em grande parte dos Tratados firmados pelo Brasil, de forma geral estabelecem que os rendimentos de um Estado Contratante, expressamente não mencionados no Tratado, que forem pagos pelo outro Estado Contratante, serão tributados nesse outro Estado.

IV – Localização nos Tratados dos Rendimentos Provenientes da Prestação de Serviços Puros

Lembramos que, apesar da existência do Ato Declaratório Normativo (ADN) nº 1, de 05 de janeiro de 2000, e do Parecer CST nº 58, publicado em 1º de outubro de 1999, a seguir explicados, a questão em tela decorre da adequada interpretação do Tratado.

Nesse sentido, devemos levar em consideração que a Convenção de Viena (assinada pelo Brasil em 23 de maio de 1969 e submetida ao Congresso em 22 de abril de 1992), em seus artigos 31 e 32 estabelece que a interpretação de um Tratado deve ser feita de mútuo acordo. Este entendimento está transcrito nos próprios Tratados que, via de regra, no artigo 25, referente a “Procedimento Amigável”, dispõem que “as autoridades dos Estados esforçar-se-ão para resolver quaisquer dúvidas relativas à interpretação ou aplicação deste Tratado”.


Portanto, não basta um Ato Declaratório, ou qualquer outro normativo do Poder Executivo, estabelecer, de forma unilateral, o sentido e o alcance da norma contida em um Tratado(7).

Ainda no tocante à interpretação, reza a Convenção de Viena que o Tratado deve ser interpretado dentro de seu contexto. Partindo desse pressuposto e, já excluindo os serviços puros do conceito de “Royalties”, ou de Serviços Profissionais (já que estes são prestados por pessoas físicas) temos que os rendimentos de serviços podem ser enquadrados no artigo 7º, referente aos lucros das empresas.

Embora os Tratados não apresentem qualquer definição de “Outros Rendimentos”, as seguintes observações devem ser levadas em consideração, a fim de ajudar-nos em nossa conclusão:

– É de extrema importância o fato de que o pagamento de prestação de serviços compõe o lucro operacional da empresa, sendo incluída no artigo 7° pelos comentários da OCDE.

– O artigo 7°, denominado Lucro das Empresas, determina que a tributação do lucro de uma empresa cabe ao Estado de sua residência, colocando exceções, apenas, no caso em que essa tiver um estabelecimento permanente no outro Estado.

– O artigo em questão, estabelece, ainda, em seu item 5, que “quando os lucros compreenderem elementos de rendimentos disciplinados separadamente em outros artigos dessa Convenção, o disposto em tais artigos não é prejudicado pelo que dispõe este artigo”. Dessa afirmação, pode-se entender que o próprio Tratado, expressamente, reconhece que a categoria lucros é ampla, envolvendo significativa parcela, se não a totalidade dos rendimentos que podem ser auferidos no outro Estado.

– Por conseguinte, tendo em vista a ampla estrutura do artigo 7°, os Estados envolvidos normalmente afastam sua aplicação no caso de os rendimentos estarem disciplinados em outro artigo, já prevendo eventuais conflitos.

– Entendemos que, apesar de o Brasil não ser membro da OCDE, a adoção de seu Modelo sujeita o país à sua interpretação ou; caso contrário, que a não concordância esteja expressa no Tratado. (Lembramos que os Tratados firmados pelo Brasil expressamente expõem os critérios que os diferenciam do Modelo, como: (i) a extensão do conceito dado a “Royalties”, ou (ii) a permissão da tributação pelo Estado em que se encontra a fonte pagadora).

– Os artigos 21 ou 22, denominados Outros Rendimentos ou Rendimentos Não Expressamente Mencionados, dependendo do Tratado, apesar de não conterem definição expressa atribuída pelo Tratado, são entendidos nos comentários da OCDE como aplicáveis a rendimentos atípicos, inusuais, ou de pequena expressão, exemplificados pela doutrina como pagamentos de Seguridade Social nos Estados Unidos, ou prêmio ganho na Disney. A expressão Outros Rendimentos não abrange, portanto, os rendimentos provenientes da própria atividade da empresa. Dessa forma, ao adotar o modelo da OCDE, o Brasil deveria seguir esse entendimento.

– Se não for entendida como rendimentos atípicos, a expressão “Outros Rendimentos” torna-se muito ampla, podendo abranger quaisquer rendimentos não expressamente mencionados. É nessa definição mais ampla que as decisões, o ADN e o Parecer inserem os rendimentos de prestação de serviços. Se levada a tal ponto a interpretação do alcance dos artigos 21 ou 22, o artigo 7° perderia sua aplicação porque todos os rendimentos que compõem o lucro estariam ali inseridos.

V – Interpretação dos Tratados e Legislação Aplicável

Do exposto até aqui, é possível concluir que os serviços puros, cujas receitas compõem o lucro operacional das empresas, estão inseridos no artigo 7° dos Tratados, sendo sua tributação matéria exclusiva do Estado em que se localiza a empresa prestadora de serviços.

Assim sendo, o Brasil não pode sujeitar à tributação pelo Imposto de Renda na Fonte (“IRF”) os pagamentos por serviços prestados por empresa situada em país com que tenha assinado Tratado.

V.1 – Decisões e Legislação Desfavoráveis

Diversamente desse entendimento, conforme pudemos levantar, as Decisões 47, de 9 de março de 1999 e 144, de 21 de maio de 1999, opinam pela tributação dos serviços puros pagos ao exterior pelo IRF, dado o seguinte:

a) A Decisão 47/99, que trata do Acordo entre Brasil e França, entende que, por não haver regra referente à tributação de outros rendimentos, os pagamentos por serviços prestados pela empresa estrangeira, e que não envolvam transferência de tecnologia, não estão disciplinados pelo referido Tratado e, por conseguinte, estão sujeitos à tributação em ambos Estados Contratantes.

b) No mesmo sentido, a Decisão 144/99, que trata do Acordo entre Brasil e Bélgica, decidiu pela incidência do IRF, enquadrando os rendimentos em questão como rendimentos não expressamente mencionados nos demais artigos da Convenção e, portanto, sujeitos à tributação nos 2 Estados (art.22).


Foi publicado, em 1° de outubro de 1999, o Parecer CST n° 58 que, com base no mesmo Tratado, determina a retenção do IRF, à alíquota de vinte e cinco por cento, dos pagamentos de serviços que não envolvam a transferência de tecnologia.

Posteriormente, foi editado o Ato Declaratório Normativo (ADN) n° 1, de 05 de janeiro de 2000, decidindo pela incidência do IRF nas remessas ao exterior, decorrentes de contrato de prestação de serviços que não envolvam a transferência de tecnologia. O referido ADN estabeleceu que esses rendimentos se classificam no Artigo 21, Rendimentos não Expressamente Mencionados, sendo, portanto, tributados na fonte. Indo ainda mais longe, o referido ADN estabelece a referida tributação mesmo no caso de o Tratado não conter esse artigo.

Em síntese, o Fisco defende a incidência do IRF sobre o pagamento por serviços prestados, inserindo esses rendimentos nos artigos 21 ou 22 dos Tratados. No mesmo sentido, quando o Tratado não contém esses artigos, entende o Fisco que o Tratado não dispôs sobre esses rendimentos, motivo pelo qual não haveria qualquer empecilho para que sejam tributados no Brasil.

V.2 – Decisões Favoráveis

Em sentido oposto, as Decisões 9E97F007, de 8 de outubro de 1997 e 336, de 3 de dezembro de 1999, concluíram pela não incidência do IRF com base no Tratado firmado entre Brasil e França, tendo enquadrado o pagamento por serviços prestados no artigo 7°, referente a lucros das empresas.

Nessas decisões está refletido o entendimento de que os rendimentos por serviços integram o lucro da empresa, motivo pelo qual não podem ser tributados pelo Brasil. Note-se que esse entendimento está de acordo com a interpretação dada pela própria OCDE ao artigo 7° de seu Modelo.

Ressaltamos, ainda, que a Decisão 336 foi posterior à publicação do Parecer CST 58, entretanto, foi anterior ao Ato Declaratório Normativo n°1.

VI – Conclusão

Ante o exposto, entendemos ser defensável, e bem mais lógica, a não tributação das remessas a título de serviços puros, levando em consideração os seguintes argumentos:

– A interpretação dos Tratados não deve ser feita de forma unilateral. Deve ser dado o mesmo sentido e alcance à norma nos dois Estados Contratantes. Nesse sentido, a França, por exemplo, não tributa tais rendimentos, ao mesmo tempo que não aceita como crédito de imposto (“tax credit”) o IRF retido no Brasil, uma vez que entende que esse imposto não deveria ser retido no país. Agindo dessa forma, o IRF retido no Brasil não seria recuperado na França, tendo sido, portanto, a mesma riqueza tributada duas vezes, em violação à intenção e espírito do Tratado;

– Os rendimentos de serviços prestados integram o lucro das empresas e, portanto, conforme o artigo 7°, só podem ser tributados no Estado onde a empresa prestadora dos serviços é residente;

– O artigo 21 ou 22 só pode ser interpretado de forma restritiva, caso contrário o artigo 7° não teria qualquer aplicabilidade no caso de a empresa estrangeira não ter Estabelecimento Permanente no Brasil. Essa inaplicabilidade do artigo 7° reforça o entendimento de que o artigo 21 ou 22 deveria ser interpretado de forma restritiva, uma vez que uma lei ou um Tratado não deveriam conter dispositivos inócuos.

Notas

(1) O Brasil assinou Tratado com os seguintes países: Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, China, Coréia, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Holanda, Hungria, Índia, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Portugal, República Tcheca, República Eslovaca e Suécia.

(2) Nos Tratados o termo “Royalties” designa as remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, qualquer patente, marcas de indústria ou comércio, desenho ou modelo, plano fórmula ou processo secretos, bem como pelo uso pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico, e por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico.”

(3) O artigo 7° dos Tratados com os Países Baixos (Holanda), utilizado nos demais Tratados, dispõe que “Os lucros de uma empresa de Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado; a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante, por meio de um estabelecimento permanente ali situado. Se a empresa exerce suas atividades na forma indicada, seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem atribuíveis àquele estabelecimento permanente.”

(4) Os artigos 21 ou 22, intitulados “Outros Rendimentos” ou “Rendimentos não Expressamente Mencionados”, que não estão presentes nos Tratados celebrados com a França e com o Japão, como regra geral, estabelecem que “Os rendimentos de um residente em um Estado Contratante, provenientes de outro Estado Contratante e não disciplinados nos Artigos precedentes desta Convenção, podem ser tributados nesse outro Estado”.

(5) O conceito de Estabelecimento Permanente é apresentado nos próprios Tratados, que o definem como “uma instalação fixa de negócios em que a empresa exerça toda ou parte de sua atividade”. A expressão “Estabelecimento Permanente” abrange especialmente: (a) uma sede ou direção; (b) uma sucursal; (c) um escritório, (d) uma fábrica, (e) uma oficina, (f) uma mina, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais; (g) um canteiro de construção ou de montagem, cuja duração exceda doze meses.

(6) Quanto a esses dois artigos, que são desdobramentos do artigo 21 do Modelo da OCDE, é importante observar que os Tratados firmados pelo Brasil adotaram critério de tributação diverso daquele estabelecido no Modelo, ao permitir a tributação dos denominados “outros rendimentos” pelo Estado em que se encontra a fonte pagadora, enquanto o Modelo da OCDE determina que a tributação pelo Estado de residência do titular dos rendimentos.

(7) Nesse aspecto, visando a obtenção de uma interpretação comum, é de grande utilidade verificar o tratamento concedido pelo outro Estado Contratante à mesma situação. Lembramos que essa prova foi crucial na Decisão 9E97F007, abrindo-se um precedente para os casos que envolvam empresas francesas.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!