Vida ou direito de recorrer?

Devido a recurso, doente de Aids não pode pagar tratamento

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22 de junho de 2000, 0h00

Um portador do vírus HIV, demitido sem justa causa e que ganhou na Justiça o direito a receber indenização de aproximadamente R$ 200 mil, não tem condições de pagar o tratamento da Aids. A multinacional que, segundo a Justiça paulista, demitiu o funcionário de forma preconceituosa e discriminatória, optou por recorrer da decisão, em vez de desembolsar o valor devido.

Danilo Tavares Guerreiro Filho, 46, que trabalhava na empresa como vendedor, começou a perceber os sintomas da doença e pediu licença para fazer exames e se tratar. Ao voltar, ficou sabendo que não tinha mais emprego. Segundo Danilo, a empresa não informou o motivo da demissão.

O juiz da 30ª Vara Cível de São Paulo, Dimas Borelli Thomaz Júnior, reconheceu o direito do ex-vendedor à indenização por danos materiais, referentes a gastos com médicos e remédios, e por danos morais em valor equivalente ao dobro de todos os salários que Danilo receberia se ainda estivesse contratado, desde a data de sua demissão até o final de sua vida.

A empresa apresentou embargos de declaração, pedindo esclarecimentos sobre a sentença e também apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo, alegando que o teor da decisão foi “humanitário” e não “técnico”.

“Apesar da garantia constitucional ao duplo grau de jurisdição (direito a novo julgamento da ação), a opção da empresa de recorrer não foi uma medida moral”, afirmou o advogado do ex-vendedor, Adnan El Kadri. Danilo encontra-se em estado grave.

“Os portadores do vírus HIV, que sofrerem alguma espécie de discriminação no trabalho, não devem se sentir apequenados diante do poder dos empregadores” – recomendou Danilo – “A discriminação existe porque as pessoas a aceitam. Quem for prejudicado por atitudes preconceituosas deve enfrentar o causador dos danos e reivindicar seus direitos”.

Havendo conflito entre dispositivos constitucionais, como neste caso em que estão envolvidos a dignidade humana e a vida de um lado, e o direito à ampla defesa de outro, deve-se ponderar qual prevalecerá.

A proteção à vida é um pressuposto do Estado Democrático de Direito e o pilar do sistema constitucional brasileiro. Os recursos apresentados pela empresa colocam em risco a vida de Danilo, que depende do dinheiro da indenização para receber o tratamento adequado.

Pergunta-se: a multinacional estaria realmente agindo conforme os princípios fundamentais previstos na Constituição? O que é mais importante, o direito à vida ou ao duplo grau de jurisdição?

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