Greve no funcionalismo

União: grevistas não têm direito à remuneração por dias parados.

Autor

15 de junho de 2000, 0h00

A administração pública deve descontar da remuneração de seus funcionários os dias em que faltarem ao trabalho, sob o pretexto de greve, porque não existe lei específica regulamentando esse direito. Esta foi a conclusão do parecer apresentado pelo consultor Wilson Teles de Macêdo ao advogado-geral da União, Gilmar Mendes.

Segundo o consultor, só são devidos aos trabalhadores os valores referentes ao tempo em que realmente prestaram serviços. Ele acrescenta que, para que a greve do funcionalismo fosse considerada legítima, a matéria deveria ter sido objeto de lei complementar.

Essa lei deveria estabelecer o conceito de greve, sua amplitude, requisitos do direito de exercício da paralisação, comunicação ao Estado sobre a deflagração e cessação do movimento, garantias dos servidores participantes, configuração da ilegalidade, infrações disciplinares e penalidades, entre outros aspectos.

No parecer foi citada, também, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “devem ser descontados da remuneração os dias em que os servidores faltam ao trabalho, sob o pretexto de estarem exercendo o direito de greve”.

Para o consultor, o pagamento referente aos dias em que os serviços foram paralisados em função da greve seria imoral. Segundo ele, “repugnaria à consciência de todos, o servidor faltar ou sair do local de trabalho, transgredindo a lei, e receber a retribuição como se houvesse prestado serviços. Se a opinião mais generalizada não toleraria tal pagamento, tem-se que seria contrário à moral”.

Leia abaixo a íntegra do parecer entregue à Advocacia-Geral da União:

NOTA N. AGU/WM-30/2000

ASSUNTO: Perda da remuneração relativa aos dias em que o servidor falta ao serviço para participar de movimento de paralisação de serviços públicos federais.

Senhor Advogado-Geral da União,

1. Em observância à determinação recebida para que examine a leicidade dos movimentos de paralisação de serviços públicos, sob o rótulo de reivindicações funcionais, são delineadas as ponderações que se seguem.

2. A remuneração que o servidor tem direito de receber é calculada em vista da quantidade ou da medida de trabalho que ele executa ou do tempo em que fica à disposição do Estado, ou seja, considera-se o tempo durante o qual o servidor trabalha para determinar a importância que deve receber em cada mês.

3. Essa afirmação é por demais verdadeira, notória e tranqüila, motivo pelo qual é desnecessário demonstrar sua procedência, mediante a invocação de entendimentos, doutrinários e jurisprudenciais, e da legislação pretérita. Apenas, torna-se oportuno reproduzir a seguinte alusão feita por Pinto Ferreira:

“Escreve Délio Maranhão (Direito do trabalho, cit., p. 90): O salário é o preço da alienação da força do trabalho e a jornada a medida da força que se aliena” (Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 236).

4. Por esses motivos, a Lei n. 8.112, de 1990, art. 40, enfatizou que a remuneração a que o servidor faz jus é deferida pelo exercício do cargo e, de maneira complementar, nos arts. 116 e 117, caracteriza a assiduidade e a pontualidade como dever do servidor e proíbe que este se ausente do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato.

5. Sendo assim, prescreveu essa Lei, no art. 44, que o servidor perde a remuneração do dia em que falta ao serviço, sem motivo justificado, e a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas e saídas da repartição antecipadas.

6. Nem se diga que a Constituição proporciona guarida às alvitradas faltas remuneradas ao prescrever, no art. 37, VII, que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica” (na redação original, o Art. 37 exigia a edição de lei complementar para regular esse direito de greve, o que foi modificado pela Emenda Constitucional n. 19).

7. É bastante para desautorizar essa tese favorável ao abono de faltas a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao deliberar, à unanimidade de votos, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.306 – BA, pela necessidade da regulamentação do tema em lei, a fim de tornar exercitável o direito de greve, como se vê da ementa do acórdão:

“Insuficiência de relevo de fundamentação jurídica em exame cautelar, da argüição de inconstitucionalidade de decreto estadual que não está a regular (como propõem os requerentes) o exercício do direito de greve pelos servidores públicos; mas a disciplinar uma conduta julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, até que venha a ser editada a lei complementar prevista no art. 37, VII, da Carta de 1988 (MI nº 20, sessão de 19-5-94)”.

8. O STF manifestara-se com o mesmo teor, na oportunidade em que julgou o Mandado de Injunção n. 20 – DF, ficando assim ementado a acórdão:

“Direito de greve no serviço público: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição”.

9. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está constituída no sentido de que devem ser descontados da remuneração os dias em que os servidores faltam ao trabalho, sob o pretexto de estarem exercendo o direito de greve, como se constata das decisões concernentes ao Mandado de Segurança n. 3449 – DF, in D.J. de 13/10/97, p. 51.513, e aos Recursos Ordinários em Mandado de Segurança ns. 8426- PR, in D.J. de 23/3/98, p. 176; 5865 – MG, in D.J. de 7/12/98, p. 112; 8811 – RS, in D.J. de 20/9/99, p. 70; e 10728 – PA, in D.J. de 17/4/2000, p. 73.

10. Em conformidade com a legislação e sentenças judiciais enumeradas, o Decreto n. 1.480, de 3 de maio de 1995, disciplina as providências a serem adotadas pela Administração quando ocorrer a paralisação dos serviços públicos federais, a título ilegítimo de greve, vedando o abono ou a compensação de faltas e a contagem do correspondente tempo.

11. Ainda, serve de suporte a esse Decreto o art. 37 da Constituição que pauta a atuação dos órgãos e entidades públicos ao princípio da legalidade, cuja decorrência imediata consiste em a Administração somente fazer o que a lei determina. Inexiste lei específica regulando a greve e sem a normatização das condições e conseqüências da última, a fazer-se de maneira geral, não se a admite porque, caso contrário, os executores desses movimentos e os órgãos públicos seriam compelidos a adotar critérios para não só determinar a amplitude e condições da paralisação dos serviços públicos, o exercício do direito, as garantias, etc, bem assim fazer frente às medidas administrativas que se impusessem, inspirando-se os representantes dos servidores e administradores no livre arbítrio e no juízo subjetivo de cada um, em detrimento da disciplina e do interesse da coletividade.

12. Dir-se-á que o Decreto n. 1.480, por regular a greve, sem jungir-se a qualquer lei, revestir-se-ia da característica de decreto autônomo, o que o inquinaria do vício de inconstitucionalidade e, via de conseqüência, os descontos dos dias de falta ao trabalho conflitaria com o princípio da legalidade e a proibição de que não incida desconto sobre a remuneração do servidor na falta de permissivo legal ou mandado judicial (art. 45 da Lei n. 8.112). Ademais, possuiria caráter punitivo.

13. A bem da verdade, elucide-se que o Decreto 1.480:

a) no art. 1º: veda o abono, a compensação ou o cômputo do tempo de faltas ao serviço, por motivo de participação de servidor em movimento de paralisação de serviços públicos, enquanto não editada a lei disciplinadora da greve a que alude o art. 37, VII, da Constituição. Determina a exoneração do titular de cargo ou dispensa do ocupante de função de confiança que descumprir a proibição e a instauração de processo disciplinar para apurar responsabilidade, sem prejuízo do ressarcimento do dano ao Tesouro Nacional;

b) no art. 2º: estatui a exoneração ou dispensa de titular de cargo ou função de confiança que participar desses movimentos;

c) no art. 3º: torna obrigatória a denunciação à lide dos servidores que tiverem concorrido para o prejuízo de que advenha “causa cujo objeto seja a indenização por interrupção, total ou parcial, da prestação dos serviços desenvolvidos pela Administração Pública Federal, em decorrência de movimento de paralisação”, desde que citada a União, autarquia ou fundação pública federal.

14. Fácil e razoável concluir que o Decreto n. 1.480 não cuida do disposto no art. 37, VII, da Constituição, pois este dispositivo prescreve:

“Art. 37. ……………………………………………………………………………………………

VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; ………………………………………………………………………………………………………”.

15. A expressão “nos termos e nos limites” é de molde a delimitar a temática da greve em seus conceito, amplitude, requisitos do direito de exercício da paralisação, comunicação ao Estado sobre a deflagração e cessação do movimento, garantias dos servidores participantes da greve, configuração da ilegalidade desta, infrações disciplinares e penalidades, dentre outros aspectos.

16. De suma evidência que o Decreto não regulamentou o exercício do direito de greve e não poderia fazê-lo pelo simples e bom motivo de que a Constituição reservou o assunto à lei, em sentido formal.

17. Em não havendo a lei, é proibido ao administrador público efetuar o pagamento dos dias em que os servidores não trabalham, por imposição do art. 37, caput, da Carta (determina que se observe o princípio da legalidade) e do art. 44 da Lei n. 8.112, que reza a perda da remuneração nos casos de faltas, atrasos, ausências justificadas e saídas antecipadas da repartição.

18. Portanto, o desconto provém de lei e há de ser efetuado, sem que represente aplicação de penalidade.

19. Repugnaria à consciência de todos o servidor faltar ou sair do local de trabalho, transgredindo a Lei, e receber a retribuição como se houvesse prestado serviços. Se a opinião mais generalizada não toleraria tal pagamento, tem-se que seria contrário à moral.

20. O abatimento dos dias de falta ao trabalho ou das ausências da repartição é poder-dever de que a Administração não pode se esquivar, sob pena de o administrador omisso responder por lesão aos cofres públicos, verificada em processo disciplinar, além de ficar obrigado a indenizar o Estado do dano sofrido (art. 132, X, da Lei n. 8.112).

Sub censura.

Brasília, de junho de 2000.

WILSON TELES DE MACÊDO

Consultor da União

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!