Imposto sobre serviços

Artigo: ISS deve ser cobrado pelo município da sede da empresa.

Autor

31 de julho de 2000, 0h00

Nenhum tribunal tem o poder de, — a pretexto de “interpretar” a “pretensão” do legislador — ampliar ou alterar o texto legal que examina.

Ao julgar Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 130.792, do Ceará, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “Para fins de incidência do ISS- Imposto Sobre Serviços , importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do artigo 12, alínea “a” do Decreto-Lei nº 406/68″.

Tal decisão, aparentemente, estaria a confirmar outra (RE 168.023-CE, in DJ de 3/11/99) onde se afirma que “O município competente para exigir o ISS é aquele onde o serviço é prestado”.

No acórdão mais recente, onde a decisão foi por maioria e não unânime como já se noticiou, registram-se outros precedentes de diferentes unidades da Federação : Goiás (RE 59.466), Espírito Santo (RE 115.338), Rio Grande do Sul (RE 188.123), Rio de Janeiro (RE 115.279). Originário do Estado de São Paulo apenas um, o RE nº 16.033, relacionado com serviço de paisagismo.

Com base nesses precedentes, o Município de São Paulo vem sustentando que aqui deve ser recolhido o ISS pelas empresas de prestação de serviços que mantenham clientes neste Município, embora elas , prestadoras de serviços, tenham sede em outros da região metropolitana, onde as alíquotas são menores. Tal é o caso, por exemplo, de Barueri, Santana do Parnaiba, Bom Jesus do Pirapora, Poá, etc.

O decreto municipal (de São Paulo) nº 39.017, de 31 de janeiro de 2.000 resolveu reconhecer que o tributo somente deve incidir sobre o preço do serviço, excluindo-se da base de cálculo os valores repassados a terceiros, como, por exemplo, o custo da mão de obra e respectivos encargos. Nesse ponto o executivo apenas pôs em prática o que a Justiça vinha determinando.

Outro aspecto do decreto foi permitir o uso de uma base de cálculo reduzida para 15% (quinze por cento) da receita, no casos de empresas que atuem na área de “software”. Por fim, São Paulo pretendeu estimular os prestadores de serviço a transferir para cá suas sedes, desde que o fizessem até 30 de abril de 2000, com o que estariam sendo “reconhecidos como válidos e eficazes” os recolhimentos do imposto anteriormente feitos aos municípios de origem dessas empresas.

Em julho último, o Secretário dos Negócios Jurídicos de São Paulo, em debate sobre o assunto, realizado na TV São Paulo, canal mantido pela Câmara Municipal, admitiu que o decreto poderá ser ampliado, reabrindo-se o prazo.

O assunto merece uma análise mais atenta, antes de se imaginar que estejam os prestadores de serviço obrigados ou interessados em pagar tributo a São Paulo.

As decisões do Superior Tribunal de Justiça, ao contrário do que sustentam as autoridades fiscais paulistanas, não se aplicam a todos, mas somente às empresas que foram partes naqueles processos. Muito embora indiquem a tendência do Judiciário, ainda são passíveis de mudança.

O artigo 102, inciso III, letra “a” da Constituição Federal, diz ser competente o Supremo Tribunal Federal para julgar recurso extraordinário contra decisão que contrarie dispositivo constitucional. O artigo 156, inciso III, por sua vez, diz que compete ao Município instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar que neste caso, é o decreto-lei 406/88 , assim materialmente considerado e como tal recepcionado pela Constituição de 1988.

O artigo 12, letra “a” , expressamente citado em todas as decisões já mencionadas, diz claramente que o local da prestação do serviço é o “do estabelecimento prestador”. Em nenhum momento prevê que seja o do “tomador” do serviço, nem que o fato gerador ocorre neste ou naquele local.

Veja-se que o artigo 8º estabelece como fato gerador “a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista”. Não se exige a existência de “estabelecimento fixo” para caracterizar o fato gerador do ISS, nem que ele ocorra no estabelecimento daquele que contrata os serviços.

Quando o STJ decidiu a questão num recurso oriundo do Rio Grande do Sul, afirmou que: “Embora o artigo 12, letra a, considere como local da prestação de serviço o do estabelecimento prestador, pretende o legislador que o referido imposto pertença ao município em cujo território se realizar o fato gerador.”

Essa afirmação é isolada e totalmente equivocada, não resistindo ao mais singelo exame. Convém lembrar que o decreto-lei 406, publicado no Diário Oficial da União de 31/12/68, foi assinado pelo General Costa e Silva. Não há nenhum fundamento jurídico, legal ou doutrinário que ampare essa estranha interpretação do texto legal, baseada em suposta “pretensão” de um “legislador” que governava o país sem nenhum limite constitucional que definisse com clareza os direitos e garantias individuais e especialmente os dos contribuintes.

Nenhum tribunal tem o poder de, — a pretexto de “interpretar” a “pretensão” do legislador, seja ele um ditador militar imposto pelas armas, um presidente eleito pelo voto, ou mesmo um congresso supostamente democrático, — ampliar ou alterar o texto legal que examina.

Ainda que se admita como lógico o entendimento do STJ, no sentido de que o ISS deva pertencer “ao município em cujo território se realizar o fato gerador” é bom lembrar que, na forma do texto legal, (DL 406, art. 8º) o fato gerador é a prestação do serviço e que essa prestação considera-se ocorrida no local “do estabelecimento prestador” (artigo 12, letra “a”). Portanto, paga-se o ISS no município onde está o estabelecimento do prestador do serviço. A única exceção admitida pelo “legislador” refere-se à construção civil.

Aliás, o único recurso de São Paulo, já julgado pelo STJ da forma mencionada, relaciona-se com serviços de paisagismo, que são serviços auxiliares ou complementares de construção civil, a respeito dos quais é fácil definir o local da prestação, que é onde o imóvel se situar.

Não vemos como possam os prestadores de serviços com sede em municípios da região metropolitana de São Paulo, ou mesmo de outras localidades, serem obrigados a recolher o ISS na Capital, pelo simples fato de que os tomadores desses serviços estejam aqui localizados.

A decisão do STJ, citado no início deste trabalho, admite que para tanto, deva ou possa ser “relevado” o disposto na letra “a” do artigo 12 do decreto-lei 406. Essa posição é ilegal e perigosa, na medida em que sugere possa o Juiz “relevar” expressa determinação legal. Se algum Juiz não estiver satisfeito com a lei vigente, deve tornar-se legislador, o que num Estado Democrático de Direito se consegue através das urnas.

Como nos ensinou o saudoso Sobral Pinto e como nos garante o parágrafo único do artigo 1º da nossa Constituição, “todo o poder emana do povo”. Esse poder não está nas mãos dos Juizes, ainda que do STJ ou mesmo do STF.

Não nos parece também que possa ser levado a sério o decreto municipal 39.017 de São Paulo. Ao pretender que empresas se mudem para cá, não pode dar o Prefeito qualquer garantia de que aqui obtenham as mesmas facilidades com que contam nos municípios onde hoje se situam.

Isso para não falarmos no verdadeiro cipoal que é a legislação paulistana, onde criam-se inúmeras dificuldades para as empresas, desde as limitações relacionadas com o zoneamento, até as imposições burocráticas da escrituração de livros e emissão de documentos, passando pelas dificuldades criadas por uma fiscalização que não tem tradição em respeitar os direitos do contribuinte, mas é conhecida por lhe criar embaraços de duvidosa legalidade.

A única solução para que São Paulo possa atrair empresas prestadoras de serviços, é uma ampla reforma tributária municipal, onde seja permitida a localização de empresas pequenas em zonas estritamente residenciais, onde seja admitido fixar sede de empresas na própria residência do seu titular, e, principalmente, com uma alíquota de imposto adequada a cada tipo de serviço.

Enquanto se cobrar 5% (cinco por cento) sobre a receita bruta dessas empresas, elas não terão qualquer estímulo para tornarem-se paulistanas.

Dessa forma, não haverá trégua nem rendição nessa “guerra fiscal” , que para alguns pequenos municípios pode representar uma “GUERRA SANTA” .

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!