Estação Carandiru

O artigo fala sobre...Sistema Penitenciário Brasileiro

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25 de julho de 2000, 0h00

ESTAÇÃO CARANDIRÚ:

Fato consumado verifica-se quando indagamos sobre o sistema penitenciário brasileiro, obsoleto e arcaico, que nos remete aos primórdios bárbaros, às ditas masmorras…

Apesar de consumado e incontroverso, não basta o falso moralismo que assola nossos governantes, diante desta situação de precariedade. Reconhecem-na publicamente, porém pouco fazem para mudar tal realidade. E creio que é devido à esta falta de interesse em mudar que nosso país continua a ser o “País do Futuro”, sem nunca qualquer perspectiva de presente.

Porém inerente ao problema, e, provindo de ponto de vista diverso do adotado pela maioria dos cidadãos, devemos lançar os olhos sobre a obra do ilustre Doutor Dráuzio Varella, que sem desviar-se de seus princípios profissionais, e usando de notável percepção, humanismo, e solidariedade, dirigiu importante estudo no maior sistema prisional do País, a Casa de Detenção do Carandirú.

Foi este Ilustre Doutor o responsável por estudos sobre a AIDS promovido dentro da Cadeia, sua rápida expansão e conseqüências. Porém, muito mais que professor, foi aluno…

Descobriu que mesmo para viver na barbárie, é necessário organização, mesmo que conturbada e invertida, pois criada pelos próprios detentos, muitos deles condenados a viver pelo resto de suas vidas trancafiados, seja pelas mãos da Justiça dos Homens, seja pelas da Justiça de Deus.

Simples, mas chocantes observações lançadas na obra, entre as quais podemos citar a propriedade das celas por parte dos detentos – repare que digo propriedade, e não posse, pois mesmo após o cumprimento das penas e já fora do complexo, os ex-detentos cobram aluguel de suas antigas celas dos novos presidiários e a tremenda disseminação do “crack”, que veio a substituir a cocaína, levando ao vício mais rapidamente, e consequentemente ao individamento, o qual ao “ladrão” só resta quitar com a própria vida.

Também há regras que tornam a convivência no meio pacífica, como o máximo de respeito à mulher do próximo – em dia de visita, todos baixam a cabeça ao passar qualquer mulher de “malandro”; a higiene, que deve imperar nas celas para que estas possam ser habitadas, o respeito aos detentos mais velhos, que por critério temporal, possuem mais direitos (de Fato).

Muitos até mesmo tiram o sustento de suas famílias de dentro da cadeia, seja por meio do comércio ora difundido, seja por meio do tráfico ora praticado.

Também nos causa indignação o relato transcrito pelo autor sobre o massacre ocorrido em 92, colhido por meio de conversas informais com os sobreviventes, muitos dos quais tiveram que usar os companheiros mortos como escudos ou até mesmo deitar no meio dos corpos para serem confundidos.

Com uma linguagem coloquial, de fácil entendimento, e a transcrição de muitos diálogos praticados entre o doutor e os detentos, ou simplesmente relatos destes últimos, me deixa a impressão, o ilustre autor, que pretende nos mostrar uma realidade diversa da que entendemos como única, no sistema carcerário brasileiro. Ao contrário do que se pensa, dentro das quatro paredes, não impera o caos, ou muito menos a organização sustentada pelos agentes penitenciários, mais sim a “organização promovida pelos próprios presos fundamentada no código de sobrevivência do próprio presídio. Leitura obrigatória para conhecer os meandros do Sistema Carcerário Brasileiro, principalmente, da “Estação Carandirú”.

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