Máfia dos perueiros

Máfia dos perueiros: a culpa é dos 3 poderes.

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27 de janeiro de 2000, 23h00

O transporte público, como o próprio nome diz, é um serviço público e seu titular é o Estado, nos 3 níveis de administração (União, Estados e Municípios). Os ônibus durante anos tinham escrito na lataria a frase: Transporte: um dever do Estado e um direito do cidadão. Isso está absolutamente certo.

Como atividade estatal que é, o transporte público pode ter o exercício desse transporte concedido para ser explorado por um particular. Trata-se de um contrato administrativo, feito mediante licitação, pelo qual a administração continua titular do serviço, mas permite que um particular exerça a atividade, sob sua fiscalização direta. No caso dos ônibus é controlado o itinerário, o número de veículos, o preço da passagem, enfim, a liberdade do concessionário é bem pequena.

O transporte público, de uma maneira geral, sempre foi problemático, mas recentemente surgiu uma atividade nova, que é ilícita, mas que contou com a complacência de várias autoridades e agora está ficando fora de controle e passando de um ilícito administrativo para um caso de polícia de graves conseqüências. Falo dos chamados perueiros.

Os perueiros são pessoas que utilizam um carro particular e fazem dele um pequeno ônibus, explorando uma atividade do Estado sem licença deste, promovendo uma grande balbúrdia. Como toda atividade ilícita, ela mesma se controla por leis próprias, como é o caso do tráfico de drogas ou a partilha de produtos roubados. No caso dos perueiros o que existe é uma verdadeira máfia, que cresceu sob a simpática impressão de que era o exercício de uma liberdade profissional, que era uma saudável concorrência com as empresas de ônibus, etc.

Digo que os perueiros constituem uma máfia porque eles usam de métodos criminosos para continuar exercendo sua atividade ilegal. Eles ameaçam os perueiros legalizados e até mesmo outros perueiros clandestinos que queiram concorrer com eles, além dos empregados, passageiros e bens das empresas de ônibus. Se nada for feito, logo não teremos mais ônibus e o caos completo estará instalado.

Os perueiros existem em muitas cidades, mas naquelas em que houve regulamentação da atividade e efetiva fiscalização do poder público os clandestinos não proliferaram. Não foi o que ocorreu em São Paulo e em outras cidades metropolitanas, pois o poder legislativo usou de barganha política para autorizar alguns perueiros a fim de conseguir simpatia e votos.

O poder executivo omitiu-se quando o problema ainda estava no início e podia ser facilmente controlado e agora praticamente reconhece sua incapacidade de derrotar o “monstro” que ele mesmo criou ou permitiu existir.

O poder judiciário também tem sua culpa, pois várias decisões foram e ainda são concedidas permitindo a liberação de veículos apreendidos pela administração, o que é fator de forte desestímulo para a fiscalização ao mesmo tempo em que fortifica e encoraja os perueiros, que se sentem respaldados pela justiça para exercer a sua atividade ilícita.

A liberdade de exercício profissional, como qualquer liberdade, tem os seus limites. Não fosse assim, não seria necessário ser médico para clinicar, o médico poderia fazer os abortos que quisesse, o comerciante da casa de armas poderia vender granadas, metralhadoras e bazucas, o dono da drogaria venderia também cocaína e crack, o açougueiro venderia carne humana para quem tivesse tendência canibal, crianças poderiam ser vendidas para pessoas interessadas para adotá-las, o jogo do bicho seria apenas mais um jogo, etc.

Fácil é perceber que há necessidade de controle das atividades para um bem estar comum, principalmente de uma atividade pública. Os perueiros precisam desse mesmo controle, sob pena de fazerem para a coletividade mais mal do que bem, como já está ocorrendo. Os perueiros não recolhem impostos, não registram quem empregam, abordam as pessoas para que utilizem seus serviços. Eles não esperam que as pessoas sinalizem que querem ser transportadas. Quem garante que em poucos dias eles não vão até impedir as pessoas de ingressar nos ônibus? Talvez isso já aconteça em alguns lugares, pois insistir com os passageiros nos pontos eles já insistem e muito.

Os perueiros não transportam gratuitamente idosos, policiais, carteiros, não aceitam passes escolares, nem sempre andam quando há poucos passageiros, mas sim nos horários de pico quando o lucro é fácil, em concorrência ilegal, desleal e ruinosa, que em breve inviabilizará a atividade das empresas de ônibus. Alguém quer ter uma empresa de ônibus que dá prejuízo? Alguém quer ter seus ônibus sejam depredados diariamente? Somos nós contribuintes que pagamos pelos carros de fiscalização que são incendiados e danificados todos os dias. Quem não usa transporte público fica preso no trânsito congestionado pelas peruas, principalmente em dias de protesto.

Os perueiros não respeitam ninguém, pois criam “faixas exclusivas” para eles, simplesmente andando na contramão, fechando carros e ônibus, passando nos faróis fechados. Eles têm um ” “código de trânsito” próprio. Para escapar da apreensão e das multas, muitas vezes são utilizados carros roubados, que por vezes são conduzidos por criminosos procurados pela polícia. Já há registros de vários roubos de peruas escolares com crianças em seu interior para que os veículos sejam usados pelos perueiros. O seguro de uma Kombi é tão caro que quase inviabiliza fazer esse contrato. É claro que as companhias de seguro não se interessam em segurar um carro que tem um risco imenso de ser roubado e muitas vezes desmanchado para utilização das peças. Adivinhem quem estimula esse mercado criminoso desse tipo de carro.

A kombi sempre foi conhecida como um carro frágil e perigoso. Caso isso seja verdade, os seus passageiros estão expostos a um risco maior, ainda mais quando o veículo é dirigido como muitos perueiros fazem. Nunca vi os passageiros usando cinto de segurança. Pois bem, se um passageiro ficar ferido ou morrer num acidente quem é que vai pagar a indenização? Será que um perueiro terá como suportar uma indenização? Uma empresa de ônibus tem, ao menos por enquanto, pois do jeito que as coisas vão logo elas vão falir. Já há casos de atrasos de salários. O passageiro de uma perua está entregue à própria sorte. Por que a sociedade tolera esse tipo de atividade? O que nós cidadãos ganhamos com isso? Nem sequer bom serviço os perueiros ilegais prestam.

Recentemente, um juiz de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, tomou uma elogiável decisão ao deferir um pedido de antecipação de tutela que proibiu a atividade dos perueiros ilegais (que na verdade sempre foi proibida), sob pena de multa diária, apreensão do veículo e até mesmo a prisão do condutor desobediente.

É preciso que as autoridades dos 3 poderes percebam que são as responsáveis pela balbúrdia que está instalada, que não admitam protestos que paralisam toda a cidade, com prejuízos incalculáveis para a coletividade, a pretexto de defender direitos que os perueiros não têm. É preciso uma campanha de conscientização das pessoas para que não utilizem das peruas, que devem ser apreendidas. Se isso não for feito logo, não sei em que cidade nós e nossos filhos iremos sobreviver.

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