Cipoal legal

Cipoal de leis inúteis confunde a Justiça brasileira

Autor

24 de dezembro de 2000, 23h00

Se o condutor de um bonde não anunciar o nome das ruas quando o veículo passar por um cruzamento, estará infringindo a lei. Mesmo não havendo mais bondes, a lei paulista de 1954, ainda está em vigor.

Esse é um exemplo de que a mesma legislação brasileira que não consegue levar para a cadeia grandes quadrilhas de ladrões, assassinos e traficantes, por ter textos promulgados há até 150 anos, hoje mantém artigos que podem até transformar pessoas inocentes em criminosos. Além disso, temas irrelevantes são mantidos, como o artigo 600 do Código Civil, que afirma ser do pescador o peixe que ele pescar.

Não há estatísticas, mas não é difícil imaginar que só uma minoria da população conhece pelo menos parte das leis do País. Também não é para menos. São 17 mil leis ordinárias, complementares e delegadas.

Algumas muito antigas, como o Código Comercial Brasileiro, criado em 25 de junho de 1850 por Eusébio Matoso. Isso sem contar outros 120 mil decretos, mais de 1,5 milhão de atos normativos e centenas de decretos legislativos, resoluções da Câmara e do Senado – que também têm validade como lei normal -, afora as medidas provisórias.

Só nos últimos 12 anos o governo editou 5.491 MPs. Uma delas, a de número 1.974, que trata das Letras do Tesouro Nacional, já foi reeditada 86 vezes.

Lamentavelmente, um programa inteligente, o da Consolidação da Legislação Federal, não entusiasmou o país. O projeto já reuniu algumas centenas de leis esparsas que tratam de um mesmo assunto em textos unificados.

Pilotado pelo advogado-geral da União, Gilmar Mendes, o programa de consolidação facilita o trabalho dos juízes, advogados e da população que, entrando em contato com as leis esparsas, dificilmente saberá se algum ou todos os artigos de uma determinada lei foram revogados ou não.

Perdidos

Em geral, grande parte da população considera crimes apenas os delitos mais graves do cotidiano, principalmente os do Código Penal, mas desconhece coisas simples, como o fato de alguém encontrar uma carteira cheia de dinheiro na rua. Ao contrário de ser solução para problemas financeiros, pode representar uma séria dor-de-cabeça.

Poucas pessoas sabem, mas quem não entregar objetos perdidos a seus legítimos donos está cometendo um crime, conforme determina o artigo 603 do Código Civil. Também pode pegar de um mês a um ano de prisão quem perturbar velório ou enterro, por qualquer motivo.

Pedestres e motoristas ignoram, igualmente, que nos locais onde não há semáforo, a faixa de travessia é do pedestre. O motorista é que deve esperar e não o pedestre.

Antiquado

A uma semana da entrada do novo milênio, o Brasil ainda convive com uma legislação que muitas vezes só existe no papel. Uma lei da cidade de São Paulo, por exemplo, determina que as avenidas marginais não podem ter outro tipo de habitação que não seja chácara. Ainda neste caso está outro decreto que proíbe cocheiras em área urbana, mas o jóquei clube paulista está localizado em Cidade Jardim, bairro totalmente habitado.

Os grandes exemplos de legislação antiquada que mais afetam diretamente a família estão em alguns capítulos do Código Civil. “O homem, por exemplo, ainda é o chefe da sociedade conjugal. Ele figura como o representante legal da família”, afirma a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, que integrou a comissão consultiva de modificação do Código. Segundo ela, porém, isso poderá ser modificado no próximo ano, quando a Câmara votar a versão final do Código.

Com texto original do site Congresso On Line.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!