Cassação de aposentadoria

MP quer que Nicolau devolva dinheiro de aposentadoria

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19 de dezembro de 2000, 13h00

O ex-juiz Nicolau dos Santos Neto poderá ter a sua aposentadoria cassada pela prática de atos de improbidade enquanto estava na ativa.

Se ocorrer a cassação, o ex-juiz terá que devolver aos cofres públicos todo o dinheiro recebido desde que se aposentou.

O procurador-geral do Trabalho Guilherme Mastrichi Basso interpôs um recurso ordinário em matéria administrativa, junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, para pedir a cassação da aposentadoria do ex-juiz.

Na segunda-feira (18/12), o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região negou liminar para reestabelecer o pagamento da aposentadoria de Nicolau.

Veja, na íntegra, o recurso apresentado pelo procurador-geral do Trabalho:

Para ler as notas remissivas, passe o mouse sobre os números correspondentes.

Excelentíssimo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

Processo: TRT-Ma-25/2000.

Requerente: Exmo. Sr. Senador Renan Calheiros

Assunto: Requerimento aprovado pela subcomissão do Judiciário do Senado Federal.

O Ministério Público do Trabalho, por intermédio de seu Procurador-Geral do Trabalho, vem à elevada presença de Vossa Excelência interpor Recurso ordinário em matéria administrativa contra a r. decisão, prolatada nos autos do Processo TRT-MA-25/00, em que é requerente, o Exmo. Sr. Senador Renan Calheiros, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

Egrégio Tribunal,

Da notificação do Ministério Público do Trabalho

Preliminarmente, é de se registrar, que o Ministério Público do Trabalho, não foi notificado pessoalmente da decisão, proferida pelo Órgão Especial do TRT da 2ª Região, tendo tomado conhecimento em 14.12.00 da publicação do “Expediente 25/OE”, quando requereu vista do referido processo administrativo.

A ausência da notificação do Ministério Público aflora nítida dissonância com o disposto no art. 84, IV da Lei Complementar nº 75/93, que atribui dentre outras funções institucionais deste Parquet, a de “ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, nas causas em que o órgão tenha intervido ou emitido parecer escrito”.

Nos termos dos artigos 18, alínea “h”, c/c o art. 21 da LC nº 75/93, a intimação pessoal do Ministério Público constitui prerrogativa inerente ao exercício de suas funções, sendo inclusive, irrenunciável.

Apesar da prerrogativa mencionada o Ministério Público do Trabalho, quando oficiou nos autos, requereu a intimação pessoal das decisões tomadas neste processo e no TRT da 2ª Região.

É pacífico no Colendo TST que a intimação do Ministério Público deve ser feita pessoalmente, através de ofício de intimação expedido pelo Tribunal, que deverá ser feita na pessoa do Procurador-Geral, conforme se infere das ementas colacionadas:

“Ministério Público. Notificação. O Ministério Público tem a prerrogativa de receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista, conforme lhe assegura o inciso IV do art. 41, da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de1993. Recurso parcialmente provido. (TST-RO-AR 176.845-1995 – SBDI 2 – Rel. Min. Angelo Mário de Carvalho e Silva – DJU – 01.08.97).

Agravo de Instrumento. Ministério Público do Trabalho. Tempestividade. Aferição. Intimação Pessoal. Deficiência de Traslado. Não configuração. Segundo o artigo 84, inciso IV da Lei Complementar nº 75/93, a intimação do Ministério Público do Trabalho será feita pessoalmente.

Nesse contexto, a tempestividade dos recursos interpostos pelo Parquet será aferida, não com base na certidão de publicação da decisão recorrida, mas por meio do ofício de intimação pessoal expedido pelo tribunal, esta sim peça essencial e de traslado obrigatório por ocasião da interposição do agravo de instrumento. Embargos conhecidos e providos” (TST-AI-RR-409734/97, DJU- 12.11.99, Rel. Min. Moura França).

Considerando os princípios da celeridade e economia processual, o Ministério Público se dá por notificado a partir desta data, 14.12.00, data que deverá ser contada para contagem do prazo recursal.

Do aditamento do Ministério Público à denúncia

O Ministério Público do Trabalho, através do ilustre Subprocurador-Geral do Trabalho, dr. Otávio Brito Lopes, ao exarar o Parecer no Processo TST-REQ- 689263/2000.0 , aditou o requerimento do Exmo. Sr. Senador Renan Calheiros, requerendo que a recomendação da Subcomissão Permanente fosse conhecida como denúncia, na forma do art. 27 da LOMAN, portanto o Ministério Público do Trabalho, a partir deste momento, passou a ser parte interessada no requerimento.

Apesar do aditamento da recomendação retro mencionada, o Eg. Regional da 2ª Região, não constou como requerente o Ministério Público do Trabalho, consignando apenas o Exmo. Sr. Senador Renan Calheiros. Assim sendo, requer o Ministério Público do Trabalho que seja determinada a reautuação do processo, para que conste como Requerente além do exmo. sr. Senador Renan Calheiros, o Ministério Público do Trabalho.

Do mérito

O Eg. 2º Regional em relação à determinação do Colendo TST no sentido de que tomasse as providências necessárias à apuração dos fatos narrados no processo TST – Requerimento nº 689263/2000, determinando ainda, a instauração, na forma da legislação específica, inclusive do processo administrativo disciplinar assim decidiu , in verbis:

-Do procedimento administrativo disciplinar: Como é público e notório, Nicolau dos Santos Neto é acusado do cometimento de vários delitos (amplamente divulgados pela imprensa falada e escrita), e que envolvem a construção do prédio, cuja finalidade era instalar o Fórum Trabalhista de São Paulo.

Segundo noticiam os periódicos, Nicolau dos Santos Neto seria o mentor do esquema montado para desviar grande parte da verba remetida pelo Governo Federal destinada à construção do edifício da Barra Funda.

Ao lado do dano material, advindo do erário público, é flagrante o prejuízo moral à imagem do Poder Judiciário – especialmente do Trabalhista – ante os fatos mencionados nas atitudes nefastas de Nicolau dos Santos Neto.

O E. Tribunal Superior do Trabalho, por voto da unanimidade de seus membros, sugere que esta Corte providencie o quê de direito, através de regular processo administrativo disciplinar.

A Justiça Federal há mais de dois anos apura os fatos desabonadores contra Nicolau dos Santos Neto.

É de nosso conhecimento de que há, pelo menos, dois processos contra Nicolau dos Santos Neto: um na esfera criminal pela prática de ato de improbidade administrativa; outro no âmbito cível, oposto pelo Ministério Público Federal, objetivando o ressarcimento do erário.

Hei que a Justiça Federal vem proporcionando encaminhamento adequado quanto aos fatos relatados.

Como já se expôs anteriormente, o objeto do pleito formulado por Ilustres Senadores da República foi devidamente satisfeito com a suspensão do pagamento dos proventos de inatividade”.

O r. acórdão Regional não examinou o aditamento da denúncia feita pelo Parquet do Ministério Público do Trabalho, quando exarou o Parecer no processo TST-REQ-689263/00 e tão pouco observou a determinação do Colendo TST, em adotar as providências cabíveis para instauração do processo administrativo disciplinar e por estes fundamentos recorre ordinariamente do acórdão do 2º Regional.

Considerando que a matéria foi exaustivamente abordada pelo Exmo. Sr. Subprocurador-Geral do Trabalho, dr. Otávio Brito Lopes ao exarar o referido Parecer, adoto as razões do mesmo, como fundamentação do recurso ordinário, que ora transcrevo:

“Trata-se de recomendação aprovada pela Subcomissão Permanente destinada a acompanhar a fiscalizar as indicações apontadas na CPI do Judiciário, ao d. Presidente dessa c. Corte para que suspenda administrativamente o pagamento dos valores referentes à aposentadoria do ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Nicolau dos Santos Neto, tendo em vista a extraordinária quantia de dinheiro obtida ilegalmente e depositada em seu benefício no exterior e o fato dele se encontrar foragido da polícia federal há mais de três meses, e ainda, que não se proceda qualquer pagamento adicional enquanto o Sr. Nicolau dos Santos Neto não apresentar atestado de vida e residência.

Da suspensão, por decisão administrativa, dos proventos de aposentadoria do juiz Nicolau dos Santos Neto

O ex-presidente do TRT de São Paulo, Nicolau dos Santos Neto, como é público e notório, encontra-se aposentado, recebendo dos cofres públicos os proventos respectivos.

Também é de conhecimento público que o ex-presidente do TRT da 2a Região encontra-se foragido há 4 meses e responde, na Justiça Federal, à acusação de locupletamento ilícito e participação na prática de infrações penais relacionados com o superfaturamento da obra do fórum trabalhista de São Paulo.

A suspensão pura e simples do pagamento dos proventos de aposentadoria do ex-magistrado Nicolau dos Santos Neto, por ato administrativo do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, como proposto pela Subcomissão Permanente destinada a acompanhar e fiscalizar as indicações apontadas no Relatório da CPI do Judiciário não encontra amparo na Constituição Federal, na LOMAN ou na Lei nº 8.112/90.

Com efeito, apesar de todos os indícios de culpa, da indignação geral e do clamor popular (que não podem ser ignorados), a verdade é que qualquer penalidade a ser aplicada ao juiz Nicolau dos Santos Neto deverá buscar amparo na lei, sob pena de desrespeito à ordem jurídica e à democracia.

O ordenamento jurídico abriga os mecanismos necessários à apuração da verdade e punição de eventuais infrações, o que é mais delicado e complexo quando a questão envolve agentes políticos detentores de parcela da soberania estatal, pois não se pode arranhar o princípio da independência entre os poderes e as garantias da magistratura.

Entretanto, a impunidade em casos como o do juiz Nicolau dos Santos Neto é inadmissível para a sociedade e nefasto para a democracia e para a estabilidade e credibilidade das instituições.

Após consagrar o princípio da independência harmônica entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo (art. 2º/CF), a Constituição distribuiu as funções derivadas da soberania estatal, sem, entretanto, se ater a uma exclusividade absoluta, de forma que cada Poder possui uma função predominante a par de outras funções que em tese seriam próprias dos demais Poderes.

Deste modo, o Poder Legislativo tem por funções predominantes, ou funções típicas, legislar e fiscalizar os demais Poderes, e por funções atípicas administrar e julgar. O Poder Judiciário, a seu turno, tem por função típica o exercício da jurisdição, e por funções atípicas a administração e a produção legislativa (quando elabora os regimentos internos dos tribunais). Por fim, o Poder Executivo, tem por função típica administrar, e por funções atípicas julgar e legislar.

Para o regular e eficiente desempenho das funções derivadas da soberania do Estado, os membros de cada um dos Poderes gozam de certas garantias e de certas prerrogativas.

Ao Poder Judiciário, por exemplo, a Constituição assegura garantias institucionais e garantias aos seus membros. As garantias institucionais têm pertinência com a instituição considerada como uma unidade, e visam a garantir sua independência em relação aos demais poderes (autonomia funcional, administrativa e financeira – art. 99/CF e a eleição dos dirigentes dos tribunais – art. 96, I, a/CF). As garantias aos seus membros têm por destinatários os membros que integram o Judiciário (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos)(1), e por escopo o exercício independente e imparcial da jurisdição.

Como se pode observar, tanto as garantias institucionais, quanto as garantias aos membros, têm por objetivo assegurar a independência e autonomia do Poder Judiciário, pressuposto indispensável a qualquer Estado democrático de Direito e à garantia efetiva da democracia e dos direitos fundamentais do cidadão. Pode-se dizer que a independência do Poder Judiciário, por si só, representa um dos direitos fundamentais e um dos pilares básicos da democracia.

A par das garantias outorgadas pela Constituição aos agentes políticos, existe um direito fundamental básico e de importância extrema em qualquer democracia e Estado de direito. Trata-se do princípio da igualdade de todos perante a lei (art. 5º da CF), que constitui um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, IV/CF).

O princípio da igualdade é de tal envergadura que Jorge Miranda o eleva ao patamar de verdadeiro alicerce dos demais direitos fundamentais, quando leciona que “os direitos fundamentais não podem ser estudados à margem da idéia de igualdade”. (2).

A efetivação do princípio da igualdade implica não só na vedação de discriminações, mas também na proibição de privilégios para certas castas, classes ou categorias de pessoas. Por outro lado, exige:

a) tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes);

b) tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais – impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas – e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador;

c) tratamento desigual que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação;

d) tratamento igual ou semelhante, em moldes de proporcionalidade, das situações desiguais relativamente iguais ou semelhantes;

e) tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição material (acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei)” (3).

Não existe, em tese, incompatibilidade entre as garantias e prerrogativas conferidas aos membros do Judiciário e dos demais Poderes e o princípio da igualdade.

Entretanto, para que esta harmonia não desapareça e a garantia ou prerrogativa do agente político não assuma a forma de privilégio violador do princípio da igualdade, é necessário estabelecer como limite para a prerrogativa ou garantia a condição da indispensabilidade para o exercício das respectivas funções com independência, dignidade, imparcialidade e desassombro. Qualquer “prerrogativa” ou “garantia” desnecessária ou excedente se constituirá, na verdade, em privilégio odioso e violador do princípio da igualdade e da democracia.

No âmbito do Poder Judiciário a garantia ou prerrogativa só se justifica e legitima na medida em que seja necessária para garantir a independência dos órgãos encarregados do exercício da jurisdição, ou, em outras palavras, para garantir aos cidadãos o direito fundamental a uma jurisdição independente e imparcial.

Assim sendo, pode-se afirmar que a prerrogativa ou garantia dos membros do Poder Judiciário é mais uma garantia dos cidadãos que um privilégio dos juizes, e muito menos uma garantia de impunidade.

Ocorre, entretanto, como já nos referimos alhures, que os membros do Poder Judiciário, a par da função judicante, podem exercer outras funções atípicas, destacando-se, pela pertinência com o caso dos autos, a função de administração pública.

O magistrado, ao praticar atos de administração se coloca numa posição bastante assemelhada aos servidores públicos em geral, e pode ser responsabilizado pelos desvios cometidos, sem atingir sua independência, que tem mais pertinência com o exercício da jurisdição.

Julgando situação que não é idêntica, pois se refere à prerrogativa de foro dos parlamentares, mas bastante assemelhada, o a. Supremo Tribunal Federal, em voto da lavra do e. Ministro Carlos Velloso, consignou que ” a prerrogativa de foro pressupõe o exercício do cargo ou do mandato, vale dizer, tem por finalidade, segundo os que o imaginaram, garantir o exercício do cargo ou do mandato, ‘e não a proteger quem o exerce’ e muito menos ‘ainda quem deixa de “exerce-lo'” (4).

Neste mesmo julgamento, o Ministro Sydney Sanches, ao proferir seu voto, trouxe à lume manifestação do Ministro Victor Nunes Leal, em julgamento anterior pertinente com a matéria, in verbis:

“A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade”.

É óbvio que a prerrogativa de foro não se confunde com as garantias da magistratura, entretanto, têm em comum a instituição no interesse público, e não do titular do cargo, e o escopo de buscar a independência e isenção do agente político para que possa bem desempenhar suas funções, em benefício da sociedade.

Assim sendo, a conjugação do princípio da igualdade com a finalidade das garantias e prerrogativas da magistratura resultará na conclusão de que estas se referem ao exercício das funções judicantes e não podem ser usadas como verdadeiro salvo conduto para a prática de desvios e atos de improbidade administrativa.

Após este prolegômeno, voltamos ao requerimento objeto desta manifestação: é compatível com a ordem jurídica o atendimento do requerimento encaminhado ao Presidente desse Tribunal?

Acreditamos que a cassação da aposentadoria do juiz Nicolau dos Santos Neto seja compatível com a ordem jurídica vigente, desde que observados os procedimentos legais próprios e a independência do Poder Judiciário.

A suspensão, pura e simples, do pagamento dos proventos da aposentadoria, por ato do Presidente do TST, voltamos a afirmar, não é juridicamente possível.

A Constituição Federal não garante qualquer privilégio para os juízes e agentes políticos em geral, mas sim garantias e prerrogativas instituídas em nome do interesse público e não do interesse pessoal da autoridade.

Por outro lado, ao praticar atos de administração (função atípica) o juiz deve, tanto quanto qualquer outro administrador público, observar os princípios constitucionais da Administração Pública, tais como os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência etc, e sujeita-se às mesmas penalidades nos casos expressamente previstos na Constituição, tais como violação da regra do concurso público (§ 2o do art. 37) e atos de improbidade administrativa (§ 4o do art. 37).

Dentre as penalidades expressamente previstas no § 4º do art. 37 da Constituição de 1988 está a perda da função pública, que abrange, inclusive, a cassação da aposentadoria, pela prática de atos de improbidade durante a atividade. Não sendo assim, o agente público com o implemento dos requisitos para aposentadoria por tempo de serviço poderia, a qualquer momento, inviabilizar a ação punitiva prevista na Constituição, requerendo a aposentadoria. Ou ainda, com a aposentadoria, ganharia um verdadeiro “salvo-conduto” ou uma “anistia”, pelo menos parcial, por qualquer ato de improbidade praticado durante a atividade. Não me parece esta a melhor exegese constitucional.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) prevê as seguintes penalidades disciplinares para os magistrados (art. 42):

Advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, demissão.

Não existe, na LOMAN, qualquer alusão expressa à suspensão ou cassação da aposentadoria, como penalidade a ser imposta ao magistrado faltoso. Entretanto, deve-se observar que a LOMAN prevê um conjunto de deveres e um aparato punitivo compatível com as funções jurisdicionais (função típica), mas é omissa quanto aos deveres relativos ao exercício pelo magistrado das funções administrativas e legislativas (funções atípicas).

Observe-se que a Constituição de 1988 ampliou as funções atípicas do Poder Judiciário, principalmente a nível de administração ou auto-governo, enquanto a LOMAN, de 1979, foi elaborado sob a égide do Constituição anterior, mais restritiva no particular.

A Lei n. 8112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, prevê as seguintes penalidades disciplinares (art. 127):

Advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão, destituição de função comissionada.

A pena disciplinar de cassação da aposentadoria, para o servidor público, será aplicada quando o inativo houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão (art. 134 da Lei no 8.112/90). E dentre as faltas puníveis com a pena de demissão destacamos as seguintes: crime contra a administração pública, improbidade administrativa, aplicação irregular de dinheiro público, lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional, e corrupção (art. 132 da Lei no 8.112/90).

As punições por ato de improbidade administrativa estão previstas expressamente na própria Constituição Federal (§4o do art. 37) e alcançam todo e qualquer administrador público, tanto na esfera penal quanto na esfera cível e administrativa. Além do dispositivo constitucional citado, o art. 12 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, prevê expressamente a punição do administrador improbo em todas as esferas jurídicas.

Assim sendo, e considerando-se:

que as prerrogativas ou garantias conferidas pela Constituição aos membros do Poder Judiciário representam uma verdadeira garantia aos próprios cidadãos e não um privilégio do juiz, e menos ainda uma garantia de impunidade;

que da independência entre os Poderes decorre a garantia do auto-governo pelo Poder Judiciário;

que todos são iguais perante a lei, não se admitindo privilégios;

que a Constituição de 1988 ampliou as funções atípicas do Poder Judiciário, principalmente a nível de administração ou auto-governo;

que a LOMAN foi elaborado sob a égide do Constituição anterior;

que o regime de deveres dos magistrados (arts. 35 e 36) e conseqüentes penalidades (art. 42), previsto na LOMAN, é omisso quanto aos deveres relativos ao exercício pelo magistrado das funções administrativas e legislativas (funções atípicas), limitando-se a regular o assunto tendo em mira a função judicante;

que a Constituição prevê expressamente a punição dos atos de improbidade administrativa, mesmo quando praticados por magistrados, na qualidade de administradores públicos;

que a Constituição, ao prever a penalidade de perda da função pública, abarca, inclusive, a cassação da aposentadoria por ato de improbidade administrativa praticado durante o exercício da função pública;

que o Poder Judiciário é independente, cabendo-lhe adotar as medidas punitivas porventura cabíveis contra seus membros;

que cabe ao Tribunal Regional do Trabalho a adoção das medidas necessárias à punição do Juiz Nicolau dos Santos Neto (art. 27 da LOMAN).

Requer que a recomendação da Subcomissão Permanente seja conhecida como denúncia, na forma do art 27 da LOMAN, aditada com as razões deste parecer, e encaminhada ao e. TRT da 2ª Região para as providências necessárias à punição do Juiz Nicolau dos Santos Neto, com a cassação da aposentadoria, intimando-se o MPT pessoalmente das decisões tomadas.

Da suspensão provisória do pagamento dos proventos da aposentadoria do juiz Nicolau dos Santos Neto

Independentemente das medidas anteriormente requeridas, esse Tribunal poderá, com espeque na alínea “c” do art. 707 da CLT, por seu Presidente, expedir instruções ao TRT da 2ª Região relativamente ao pagamento dos proventos de aposentadoria do Juiz Nicolau dos Santos Neto, levando em conta o fato de encontrar-se foragido há quatro meses, sem que se possa afirmar, com certeza, que está vivo, ou não.

O ideal seria a adoção de procedimento similar ao recadastramento ou atualização cadastral de aposentados e pensionistas, previsto no regime geral de previdência (art. 76 da Lei nº 8212/91) e no regime especial (art. 9º da Lei nº 9.527/97), estabelecendo-se prazo para que o juiz Nicolau compareça ao órgão encarregado do pagamento dos proventos da aposentadoria, e atualize seus dados, sob pena de suspensão do pagamento.

Tal medida, além de proteger o erário, não deixa de atender aos interesses do próprio aposentado, já que evitará que os seus proventos sejam levantados à sua revelia, mediante procuração, contas conjuntas etc.

Conclusão

Diante do exposto, o Ministério Público do Trabalho:

1) opina pela impossibilidade jurídica da suspensão do pagamento dos proventos da aposentadoria do juiz Nicolau dos Santos Neto, por ato do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho; 2) requer que a recomendação da Subcomissão Permanente seja conhecida como denúncia, na forma do art 27 da LOMAN, aditada com as razões deste parecer, e encaminhada ao e. TRT da 2ª Região para as providências necessárias à punição do Juiz Nicolau dos Santos Neto, com a cassação da aposentadoria, intimando-se o MPT pessoalmente das decisões tomadas.

Sugere, outrossim, com espeque na alínea “c” do art. 707 da CLT, que o Excelentíssimo Senhor Presidente desse c. TST expeça instruções ao TRT da 2ª Região relativamente ao pagamento dos proventos de aposentadoria do Juiz Nicolau dos Santos Neto, na forma constante da fundamentação supra.

É o parecer.

Brasília, 05 de setembro de 2000.

A decisão do Eg. Regional de não instaurar o inquérito administrativo disciplinar impede a apuração dos fatos noticiados no Requerimento, que se confirmados possibilitarão a perda da função pública do Juiz Nicolau dos Santos Neto, inclusive com a cassação da aposentadoria, pela prática de atos de improbidade durante a atividade, nos termos do parágrafo 4º do art. 37 da Constituição Federal.

Nos termos do disposto no artigo 18, inciso II, alínea “h”, c/c o artigo 84, inciso IV da Lei Complementar nº 75/93, requer a notificação pessoal das decisões proferidas nos autos.

Ante o exposto, requer o Ministério Público do Trabalho que seja reformada a r. decisão do Eg. 2º Regional, para que seja determinada a instauração do processo disciplinar para apuração dos fatos noticiados no Requerimento do Exmo. Sr. Senador Renan Calheiros e no aditamento da denúncia formulada pelo Ministério Público do Trabalho, nos termos do acórdão TST-REQ-689263/00.

Nestes termos, pede deferimento.

Brasília, 18 de dezembro de 2000.

Guilherme Mastrichi Basso

Procurador-Geral do Trabalho

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