Salário mínimo

STF pode derrubar proposta de regionalização do Salário Mínimo

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13 de dezembro de 2000, 23h00

Em votação iniciada nesta quarta-feira e que deve ser concluída na próxima terça-feira (19/12) – último dia do ano Judiciário – o Supremo Tribunal Federal vai decidir se é ou não constitucional o salário mínimo regionalizado proposto pelo governo federal.

Se depender do relator, ministro Marco Aurélio, contudo, será mantido o comando constitucional do salário mínimo unificado nacionalmente. Em seu voto, Marco Aurélio adverte para a perversidade que acomete os inativos e funcionários municipais – que estariam vinculados ao salário mínimo federal – enquanto todos os demais trabalhadores teriam o mínimo regionalizado.

O ministro entende que a diferenciação admitida é a que abrange categorias profissionais específicas, mas não a regional. Entre outros aspectos negativos identificados por ele está o incentivo ao mercado informal de trabalho – uma vez que a relação formal de trabalho seria desestimulada com a remuneração reduzida.

O relator deferiu a liminar e suspendeu, com eficácia retroativa até as decisões finais nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2.358-6 e 2.369-1, a eficácia da Lei nº 3.496/2000.

Leia a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio a respeito da Adin 2.358-6, do Rio de Janeiro, apresentada pelas confederações nacionais do Comércio e da Agricultura:

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA

ADVOGADOS: MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI E OUTROS

REQUERIDO: GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

REQUERIDA: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Em 29 de novembro último, a Confederação Nacional da Agricultura ajuizou esta ação direta de inconstitucionalidade, formulando pedido de concessão de medida acauteladora suspensiva contra a Lei do Estado do Rio de Janeiro de nº 3.496, de 28 de novembro de 2000, publicada no Diário Oficial do dia imediato, afirmando-a conflitante com os artigos 7º, inciso IV, e 22, inciso I, da Constituição Federal, no que revelam o caráter nacionalmente unificado do salário mínimo e a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho. Após ressaltar a origem do ato normativo atacado, bem como a legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, acionou a Requerente a Lei nº 9.800, de 26 de maio de 1999, protestando pela apresentação do original da lei impugnada, do seguinte teor:

Art. 1º – É instituído o piso salarial estadual de R$ 220,00 (duzentos e vinte reais) em todo o Estado do Rio de Janeiro para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Art. 2º – O piso salarial a que se refere o art. 1º estende-se aos empregados domésticos.

Art. 3º – São excetuados dos efeitos desta lei os excluídos pelo § 1º, inciso II, da Lei Complementar Federal nº 103, de 07 de julho de 2000.

Art. 4º – Esta lei entrará em vigor no dia 1º de dezembro de 2000, revogadas as disposições em contrário.

A representatividade da Requerente estaria a direcionar à conclusão sobre a pertinência temática. Quanto à pecha de inconstitucionalidade, afirma haver o Estado do Rio de Janeiro fixado não o piso salarial, mas salário mínimo para todos os empregados do Estado, inclusive aqueles que mantém relação jurídica de caráter doméstico. A Lei Complementar nº 103, de 14 de julho de 2000, editada à luz do parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal, abrangeria preceito harmônico com a Carta da República, no sentido da instituição, mediante lei da iniciativa do Poder Executivo do Estado, de piso salarial, mencionando, mesmo, o inciso V do artigo 7º da Constituição Federal, excluída a fixação de piso no segundo semestre do ano de eleição para os cargos de Governador do Estado, do Distrito Federal, de Deputado Estadual e Distrital, bem como em relação à remuneração de servidores públicos municipais, prevendo, é certo, sobre a possibilidade de assim dispor-se no campo das relações domésticas.

Ressalta a Confederação que o inciso V do artigo 7º da Constituição Federal remeteria à extensão e à complexidade do trabalho, enquanto o inciso IV olvidara tal consideração, ao revelar que o salário mínimo deve ser fixado em lei e é instituto nacionalmente unificado. Daí a distinção contida na Lei Maior e que, consoante o sustentado, acabara por tornar-se letra morta com a edição da lei estadual em comento. Cita a Requerente a melhor doutrina – Amauri Mascaro Nascimento, Arnaldo Sussekind, Haddock Lobo e Prado Leite – no tocante à diferenciação entre piso salarial ou salário profissional e salário mínimo.

Salienta, mais, a falta de razoabilidade na fixação verificada: enquanto o Governo Federal enfrentaria sérias dificuldades de ordem financeira para elevar o salário mínimo de R$ 151,00 (cento e cinqüenta e um reais) para R$ 180,00 (cento e oitenta reais), o Legislativo Estadual elevara-o a ponto de alcançar os R$ 220,00 (duzentos e vinte reais). Diz da relevância da articulação versada na inicial, reportando-se a acórdão da Segunda Turma, da lavra do Ministro Maurício Corrêa, revelador da competência exclusiva da União para dispor sobre o salário mínimo. Sob o ângulo do risco de manter-se com plena eficácia a norma, remete à vigência desta a partir de 1º de dezembro do corrente ano e à necessidade de observar-se o texto da Constituição Federal. Tendo em vista a urgência do trato da matéria, requer a dispensa do pronunciamento prévio dos Requeridos e a concessão de liminar, suspendendo-se a eficácia da lei referida, vindo-se, alfim, a fulminá-la por inconstitucional. À inicial juntaram-se os documentos de folha 12 à 46. À folha 49, despachei:


Com a urgência que a hipótese requer, solicitem-se, por fax, os pronunciamentos prévios – artigo 10 da Lei 9868/99, sem prejuízo da apreciação imediata do pedido.

Em 1º de dezembro, seguiram-se os fax, direcionados ao Governador e à Assembléia do Estado do Rio de Janeiro – folhas 51 e 53, remetendo-se, em 4 subseqüente, os ofícios. A Confederação anexou o original do fac-símile da lei, fazendo-o em 30 de novembro, isto é, um dia após o ajuizamento da ação (folha 59 à 61). Em 5 de dezembro, peticionou, requerendo a apreciação imediata do pedido de concessão de liminar, aduzindo:

Desde 1º de dezembro passado, todos os empregadores, inclusive os domésticos, estão obrigados a cumprir a lei inconstitucional, pagando aos empregados diaristas, que recebem por semana, já durante esta semana, considerada a vigência da lei, salário mínimo de R$ 220,00 (duzentos e vinte reais) (folha 65).

Despachei, determinando a conclusão dos autos, quer recebidas, ou não, as informações prévias.

Os autos vieram-me conclusos em 7 de dezembro de 2000, sendo que neles lancei visto no dia 9, designando como data de julgamento a de hoje, 13 de dezembro, isso objetivando a ciência de Requerente e Requeridos, no que prevista na Lei nº 9.868/99 a sustentação da tribuna. É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Impõe-se a imediata correção de rumo, restabelecendo-se a supremacia da Carta da República. Aos trabalhadores, não se pode dar esperança vã, impossível de vir a compor-lhes o patrimônio. Aos Estados federados cumpre observar a Constituição Federal; devem, portanto, fugir à tentação de driblá-la, pouco importando o objetivo a ser alcançado. Organizam-se e regem-se pelas constituições e leis que adotarem, observados os princípios do Diploma Maior – artigo 25 deste último.

As necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, retratadas em moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, não variam de acordo com a região do País. Foi justamente esta premissa, harmônica com o princípio isonômico, que levou o Constituinte de 1988 a prever, no inciso IV do artigo 7º, o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado. É certo que, no inciso V, restou previsto piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho. Todavia, conforme ressaltado por Celso Ribeiro Bastos em artigo publicado na Revista Consulex, ano 4, nº 42, de junho de 2000, precisamente sobre a dualidade “salário mínimo” e “piso salarial”, “a Constituição não usa sinonímia simplesmente para embelezar retoricamente o seu texto; a expressões diferentes tende-se a atribuir interpretações diversas”. Então, o consagrado constitucionalista elucidou as diferenças substanciais entre o texto dos incisos IV e V do artigo 7º da Constituição Federal.

Uma coisa é o salário mínimo, ao qual se colou a unificação. Vale dizer, o valor há de ser único, ficando, assim, assentada a premissa sobre a impossibilidade de ter-se, em cada um dos vinte e sete Estados brasileiros, uma lei própria estabelecendo-o. Sob o ângulo do piso salarial, logicamente a atingir valor superior ao do salário mínimo, o dispositivo constitucional agasalha a consideração do próprio trabalho desenvolvido, ao cogitar não só da respectiva extensão, como também da complexidade.

De acordo com o inciso V do artigo 7º da Constituição Federal, nesse caso, possível é a fixação de valores diversos, sem ofensa ao princípio isonômico, porquanto, na dicção de Rui Barbosa, contida na Oração aos Moços, “a regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar os desiguais na medida em que se desigualem. Nesta igualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”. A diversificação terminológica e de conteúdo entre os institutos do salário mínimo e do piso salarial jamais foi colocada em dúvida. Além dos autores em boa hora citados pela Recorrente, Amauri Mascaro Nascimento, Arnaldo Sussekind, Eugênio Haddock Lobo e Prado Leite, cabe lembrar a lição de Arion Sayão Romita: A Constituição Federal, ao prever, no inciso IV, o predicado nacionalmente unificado, “veda a adoção de salários mínimos locais ou regionais”, sendo certo que “o parágrafo único do art. 22 da Constituição prevê a possibilidade de se delegar aos Estados, mediante lei complementar, a tarefa de legislar sobre questões específicas de Direito do Trabalho, vale dizer, poderiam os Estados legislar não sobre salário mínimo, mas sobre piso salarial” (artigo publicado no repertório IOB de jurisprudência, primeira quinzena de outubro de 2000, nº 19, caderno 2, página 375, sob o título “Salário Mínimo Estadual?”).

Também Carlos Moreira De Lucca assim concluiu em artigo veiculado na Revista Gênesis, de abril de 2000, fazendo-o sob o título “O Salário Mínimo Nacional e o Piso Salarial Estadual. Aspectos Jurídicos”.


Não obstante, a lei atacada remete à Lei Complementar Federal nº 103, de 7 de julho de 2000. Em síntese, ter-se-ia ato normativo local implementado a partir do disposto no parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal – “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. Em primeiro lugar, não coabitam o mesmo teto a norma desse parágrafo e a do inciso IV do artigo 7º constantes da Carta da República. A noção de questões específicas é incompatível com a previsão maior de ter-se salário mínimo nacionalmente unificado. O legislador federal, ao editar a Lei Complementar nº 103/2000, foi fiel ao sistema constitucional. Aludiu, expressamente, não ao inciso IV, mas ao inciso V do artigo 7º. O intróito da Lei Complementar nº 103, de 14 de julho de 2000, é específico, é pedagógico. Revela a autorização aos Estados e ao Distrito Federal para instituírem “o piso salarial a que se refere o inciso V do art. 7º da Constituição Federal, por aplicação do disposto no parágrafo único do seu art. 22”. Por isso mesmo, o artigo 1º veio à balha com o seguinte teor:

Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7º da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Quanto à última cláusula, é de registrar, apenas para citar alguns exemplos, a existência de pisos salariais relativamente às seguintes categorias, restando, no que específicos, atendido o preceito do inciso V, o qual junge à garantia a extensão e complexidade do trabalho desenvolvido:

a) engenheiro, químico, arquiteto, agrônomo e veterinário: Lei nº 4.950-A, de 22 de abril de 1966 (artigo 5º);

b) médicos e cirurgiões dentistas: Lei nº 3.999, de 15 de dezembro de 1961 (artigo 5º);

c) técnico em radiologia: Lei nº 7.394, de 29 de outubro de 1985 (artigo 16);

d) bancários: Convenção Coletiva de Trabalho de 2000/2001;

e) petroleiros: Acordo Coletivo de Trabalho de 1999/2000;

f) metalúrgicos/SP: Convenção Coletiva de Trabalho de novembro de 2000.

Por que o legislador federal não mencionou o gênero “salário mínimo”, mas o piso salarial, remetendo, inclusive, ao inciso V, em vez do inciso IV? A resposta decorre da autorização constitucional. Mediante o parágrafo único do artigo 22, viu-se respaldado pelo envolvimento de questões específicas. A definição destas consta, com mestria insuplantável, em obra que passou despercebida, não bastasse a clareza da lei complementar federal, ao Executivo e Legislativo do Estado do Rio de Janeiro. Refiro-me à “República e Federação no Brasil – Traços Constitucionais da Organização Política Brasileira”, Livraria Del Rey, Belo Horizonte:

Questões específicas são aquelas que não traduzem a essência do instituto ou da matéria cuidada pelo legislador, vale dizer, aquelas que podem ser consideradas como devendo ou podendo receber tratamento diferenciado segundo as peculiaridades de cada qual dos Estados-membros da Federação.

Louve-se Carmem; louve-se Carmem Lúcia Antunes Rocha, a autora da citada obra, pela precisão, fidelidade intelectual e domínio do Direito Constitucional. Conforme já frisado, nem mesmo em passe de mágica é possível, diante do bom vernáculo do inciso IV do artigo 7º da Carta Federal, assentar-se que discussões sobre o salário mínimo hão de fazer-se à luz das peculiaridades de cada qual dos Estados-membros da Federação. O texto constitucional relativo ao salário mínimo impõe a uniformidade de regência, e aí é inconcebível admitir-se a atuação normativa de cada uma das vinte e sete assembléias estaduais. Somente pode legislar sobre o salário mínimo o Congresso Nacional, que vem debruçando-se sobre o tema nos últimos dias. Conforme assinalado por Ives Gandra Martins, “no elenco do art. 22, há matérias em que não cabe a delegação por lei complementar e há outras matérias em que tal delegação é possível e até desejável” (Comentários à Constituição do Brasil, III volume, tomo 1, 1992, Editora Saraiva). É dele a assertiva segundo a qual a essência do parágrafo único do artigo 22 em comento está na expressão “questões específicas”, e, para isso, esteve atento o legislador federal da Lei Complementar nº 103/2000. Tenha-se presente o princípio da realidade a submeter a forma; tenha-se presente que o rótulo não modifica o conteúdo.

Se, de um lado, é certo que a Lei nº 3.496/2000 contém alusão a piso salarial, de outro, não menos correto, é que, ao revelá-lo estadual, abrangente e não ligado a uma certa categoria profissional cuja extensão do trabalho e complexidade pudessem ser aferidas, emprestou-se aos R$ 220,00 (duzentos e vinte reais) generalidade própria a salário mínimo. Vale dizer: o “piso salarial estadual de R$ 220,00 (duzentos e vinte reais) vigente em todo o Estado do Rio de Janeiro para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho”, a alcançar, inclusive, os empregados domésticos de forma linear, nada mais é do que um salário mínimo regional.


Não fora isso, tem-se, ainda, a questão da razoabilidade. No âmbito da União, encontram-se dificuldades maiores para uma elevação de 19,21%, considerado o salário mínimo vigente de R$ 151,00 (cento e cinqüenta e um reais) e o pretendido de R$ 180,00 (cento e oitenta reais). Entrementes, fazendo-se vista grossa às peculiaridades do mercado, especialmente no mundo rural e, portanto, no interior do Estado, acabou-se elevando o salário mínimo para R$ 220,00 (duzentos e vinte reais), alcançando-se, assim, melhoria equivalente a 45,70%, mais do que o dobro do pleito que se tem como a colocar em risco as finanças, especialmente as públicas. Vale dizer que, a persistir o quadro, ter-se-á trabalhadores, os do Estado do Rio de Janeiro, com garantia, sob o ângulo do salário mínimo, diversa da assegurada aos do restante do País. O passo, além de conflitante com a Carta da República, usurpando-se competência do Congresso Nacional indelegável, mostrou-se demasiadamente largo, somente servindo a interesses secundários.

A lei em exame, prenúncio da volta ao salário mínimo regionalizado – e o Brasil já contou, nesse campo, com mais de trinta regiões -, desta vez instituída não mais por ato do Executivo federal e sim mediante atuação das Assembléias dos Estados, serve à discriminação. É que contempla os trabalhadores de um só Estado, ficando excluídos aqueles que mantenham relação jurídica com os Municípios e, o que é pior, o grande contingente de inativos que, portanto, percebem benefício da Previdência Social.

Via desvirtuamento do sistema constitucional, da unicidade do salário mínimo alcançada em 1988, a lei encerra o drible do mandamento maior, preparando os espíritos para trilogia das mais impiedosas. A persistir a eficácia da lei do Estado do Rio de Janeiro, criadora de verdadeiro salário mínimo, agora com a sinalização do Supremo Tribunal Federal aos demais Estados; agora com a porta escancarada a que estes venham a adotar tal prática, elegendo valores diversos, ter-se-á, tornada letra morta a unificação nacional imposta pelo inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, o seguinte quadro:

1. trabalhadores com piso salarial previsto em lei, sentença normativa, convenção ou acordo coletivos, auferindo, conforme autorizado pelo inciso V do artigo 7º da Constituição Federal, remuneração superior ao mínimo constitucional, isso considerado o critério da especificidade estampado na extensão e complexidade do trabalho;

2. servidores estaduais percebendo, em harmonia com a Lei Maior e ante opção político-legislativa dos Estados tomadores dos serviços, remuneração bem superior ao mínimo constitucional;

3. trabalhadores contando, independentemente da extensão e complexidade do trabalho desenvolvido, consoante o que vier a ser fixado pelas Assembléias Estaduais, com salário mínimo substancialmente maior do que aquele que a Constituição impõe nacionalmente unificado;

4. nos Estados que não vierem a fixar, sob o eufemismo de piso salarial, salário mínimo próprio, trabalhadores recebendo o mínimo estabelecido em lei federal, conforme dispõe o texto constitucional;

5. servidores dos Municípios cujas finanças encontram-se fragilizadas – a quase totalidade dos mais de 5.500 existentes – recebendo o salário mínimo previsto em lei federal;

6. os aposentados da previdência social com direito ao salário mínimo tal como aprovado em lei federal.

Excetuadas as hipóteses dos itens 1 e 2, as demais surgem inconstitucionais por discreparem do disposto no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal.

Senhor Presidente, é de recear-se que a lembrança de adicionar-se o parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal, no que prevê a possibilidade de editar-se lei complementar que permita aos Estados legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no artigo – e devemos admitir que a Lei Complementar nº 103/2000 ficou dentro do figurino constitucional, haja vista o fato de restringir-se ao piso salarial – tenha sido precedida de maquiavélica intenção, ou seja, a de instalar a balbúrdia nacional, fazendo surgir salários mínimos distintos por Estado, deixando-se submetidos ao parco valor do federal apenas os servidores dos Municípios e os aposentados da Previdência Social.

Quem sabe o móvel haja sido o esvaziamento das pressões sociais de maior envergadura visando ao abandono do faz-de-conta, da hipocrisia hoje revelada pelo valor do salário mínimo e os múltiplos objetivos deste, tais como explicitados na Constituição. Sim, isolados os servidores municipais e os inativos; criada a dualidade de tratamento, escolhendo cada um dos vinte e sete Estados o salário mínimo que melhor lhes aprouver, a grita será menor e a turba formada pelos esquecidos estará imobilizada.

Onde ficará o mandamento do salário mínimo nacionalmente unificado? O que restará do princípio da igualdade que lhe é o cerne, a razão de ser? O que será da dignidade daqueles que mais necessitam? Como ficarão os que trabalharam e hoje, por isso ou por aquilo, gozam do ócio assegurado constitucionalmente?

A Corte, é certo, vê-se diante de um dilema: ou bem fecha os olhos à supremacia da Carta, embora tenha o dever de preservá-la, adentrando o campo da inconseqüente demagogia, ou, pagando o preço exorbitante de desagradar aos aquinhoados com esse famigerado salário mínimo, que é o estadual, faz cessar, no nascedouro – projetos estão em andamento em outros Estados -, o desvio de finalidade normativa, reafirmando em bom som o primado do Direito, indispensável à noção de Estado Democrático.

Estou certo que a escolha é única, pouco importando aplausos ou críticas. Quem sabe, neste processo, no julgamento que ora se faz, esteja a alavanca redentora do salário mínimo, caminhando-se para a observância, pela União, das balizas constitucionais, vindo a ser fixado, pelos representantes do povo – os Deputados Federais – e pelos representantes dos Estados – os Senadores -, valor que se mostre motivo de alegria e não de tristeza dos que, menos afortunados pela sorte nessa vida, dependem do salário mínimo para prover o próprio sustento e o da respectiva família. Que reine a esperança e não a confusão.

Defiro a liminar e suspendo, com eficácia retroativa até as decisões finais nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2.358-6 e 2.369-1, a eficácia da Lei nº 3.496/2000, evitando, com isso, que os trabalhadores do Rio de Janeiro tenham a desventura de vivenciar o sentido das palavras de John Steinbeck em “O Inverno de Nossa Desesperança”: “quando uma luz se apaga, é muito mais escuro do que se ela jamais houvesse brilhado”.

Declaro o prejuízo do pedido de concessão de liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade apensa, a de nº 2.369-1/RJ.

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