Rampas e elevadores

Veja a sentença que negou adequação de prédio para deficientes

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11 de dezembro de 2000, 23h00

Em uma construção pública inadequada para deficientes, não basta apenas a vontade de correção. Qualquer pessoa que entra com uma ação na justiça contra o estado para a construção de rampas ou elevadores em prédios públicos precisa provar a existência de deficientes no local e atendimento inadequado.

Leia abaixo a sentença do juiz Elcio Trujillo, em primeira instância, que negou o pedido de adequação de um prédio público em uma ação civil pública.

A sentença também levou em consideração a necessidade de garantia a outros direitos fundamentais antes da adequação.

Decisão

O Ministério Público do Estado de São Paulo, via seu representante, ingressou com ação civil pública contra Governo do Estado de São Paulo, também qualificado, visando, em face do comando constitucional, o atendimento a alunos deficientes junto a Escola Estadual Profa Herminia Gugliano, localizada na rua Jorge Lobato nº 765 que, com escadas, não permite acesso livre ao segundo andar, inviabilizando o regular trânsito dos alunos portadores de deficiência; diante tal quadro pediu a citação do requerido para responder aos termos da ação até final procedência, condenando-o a realização de edificação e adaptação do prédio para atendimento das necessidades, sob pena de aplicação de multa diária.

Com o despacho, cuidou da apresentação de contestação articulando preliminar e, quanto ao mérito, negando obrigação da realização, por determinação externa, dos trabalhos pretendidos diante, inclusive, princípio federativo, resultando, por outro lado, da competência do poder político a opção por obras, inclusive de cunho social, insistindo, em decorrência, na improcedência da ação.

Manifestaram-se as partes. Relatado, decido:

Julgo o feito no estado em que se encontra.

Em seus limites, dispensável maior produção probatória, cumprindo a aplicação da previsão do inciso I, do artigo 330, do Código de Processo Civil.

Matéria preliminar sem amparo técnico.

Sabido, de longa data e diante posição doutrinária e jurisprudencial, que o inquérito, qualquer seja ele, de formação unilateral, não guarda a reserva do contraditório, resultando em mera peça onde, no interesse do encarregado, se compilam dados e informes sobre determinado tema ou matéria e no sentido, possibilitando observação e estudo, sustentar eventual ação.

Daí a não participação obrigatória das partes.

No caso, ao que se observa, trabalho realizado no âmbito interno do órgão requerente, sem maiores conseqüências e obrigações, reservada a discussão para o limite da ação.

Esta sim, cumprindo as regras básicas do regular contraditório onde, cada parte, tem o ônus de demonstrar aquilo que articula, possibilitando-se a participação conjunta dos litigantes em toda a apuração.

Julguei, por sinal, dia destes, idêntica querela, também envolvendo o Ministério Público do Estado e a Administração Pública do Estado, aplicando-se, diante igualdade da querela, o mesmo resultado diante limites da legislação vigente e a ordem fática vivida.

Realidade que é difícil, principalmente para a população carente que sequer tem condições básicas de saneamento, moradia, saúde, alimentação e segurança, vivendo, não obstante a contribuição tributária incidente de forma indireta sobre os mínimos produtos consumidos, à margem do reconhecimento e da defesa social.

Assim, em meio a tantas e graves faltas, embora meritória a preocupação do pólo requerente, outras condições abrangentes existem a exigir a tutela mais urgente e em cobrança junto ao seu próprio corpo – o Estado.

Moradia, segurança, alimentação.

Ações visando garantir moradia ao sem teto urbano; ações visando garantir terras aos sem terras para o plantio e a produção; ações visando o fornecimento de cestas de alimentos para saciar a fome da massa, principalmente crianças; ações visando a implementação de salário mínimo justo, conforme indicado pelo legislador constituinte, garantindo as condições básicas, inclusive lazer aos assalariados; todas condições possíveis de questionamento, resultando no próprio exercício da cidadania e objetivo de muitos dedicados profissionais.

Contudo, isso não basta. A vontade, o desejo, o sacrifício de bem intencionados não redundam em solução e isso porque não basta, unicamente, se colher, de forma isolada, um tópico posto na Constituição – que representa em nosso país, mero projeto de intenções, tamanhas as diversidades – e solicitar a declaração ainda que judicial da obrigação.

A condição é abrangente e profunda, importando em projeto de realização política, voltado para a área social.

A alteração vem da formação do eleitorado que, nos momentos de opção, deve, de forma qualificada, apontar aqueles que, efetivamente, poderão, em seguro projeto, trazer soluções gerais para a Nação.


Tais referências surgem no sentido de apontar que, não obstante a boa vontade do agente público requerente, não basta atacar partes que, inclusive, às vezes, rendem destaque, mas, numa condição mais sólida, de se observar o campo geral.

De nada adianta elevador na escola se o aluno, sem casa, sem alimento, sem saúde, não tem como sobreviver.

Sequer, como se constata pelos índices divulgados pela imprensa no dia a dia, tem família.

De que adiantará, de forma isolada, o gasto no elevador, na rampa, se pela falta geral, sequer terá condição de uso.

Aquele que chega na escola, passou pelos obstáculos mais terríveis e, portanto, não alçar ao segundo pavimento, ficando no primeiro, mas desde que a escola, não tendo elevador ou rampa, tenha ensino de qualidade e professores adequados, terá condição futura de alçar as alturas diante adequada formação e voará, na certeza, como o Fernão, aquela gaivota de Capelo ou ainda, aquele menino viajante e carente que Exupéry, um dia, numa lição eterna, chamou de Príncipe Pequeno.

Processo: Prédio público, pertencente ao patrimônio estadual.

Destinado à ocupação escolar, observando a construção, bastante antiga, esse desiderato em todos os turnos utilizados, na forma da lei, para a formação educacional.

Existente pavimento superior. Acesso por escadas.

Pretende o requerente, tendo por base comando constitucional indicado e legislação federal suplementar, que o requerido, em regular prazo, construa, em alteração física, condições próprias de acesso ao nível superior, de alunos portadores de deficiência.

Enquanto não atendida a condição, a aplicação de multa moratória.

Esse o quadro. Meritória a proposta.

Revela, ainda que de início, preocupação com o atendimento do serviço público, cumprindo o requerente, em face da lei, o seu importante mister.

Entretanto, fatores diversos precisam ser levados em conta.

Não basta à vontade da correção. Necessária a possibilidade em face da realidade vivida.

De fato e legal

A legislação constitucional fixou tratamento isonômico para o cidadão e outro não poderia, num estado que busca a formação solidária, a solução.

Lançou, portanto, mão de princípios visando a construção de um Estado igualitário e, portanto justo.

Em outras palavras, metas para o desenvolvimento em busca de futuro mais justo.

O anseio de todo cidadão contribuinte.

Mais ou menos, segundo regras próprias, cada qual colabora para o sucesso coletivo, resultando necessitado do atendimento por ente público.

No sistema adotado, em paralelo ao Poder horizontal – Executivo, Legislação e Judiciário – o também Poder vertical – União, Estado e Município, comportando, cada qual, observado o princípio federativo, com atribuições específicas e próprias, bem como algumas concorrentes.

Pois bem, o legislador constitucional traçou rumos, empregando princípios, visando a formação de um Estado desejado e no sentido, conforme já posto, de direcionar a sociedade para um desenvolvimento equilibrado e justo, entre outras condições.

Daí as previsões constantes dos artigos 227, parágrafo 2º e 244, da Constituição da República.

Contudo, não basta, conforme constante da própria indicação constitucional, de comando efetivo, mas, de direcionamento para o atendimento no seguimento desejado de construção, dependendo, portanto, de legislação suplementar.

Surgiu, no âmbito federal, a lei n. 7859, de 24 de outubro de 1989, disciplinando condições para o seguimento da vontade do legislador constituinte.

Ora, não se discute sobre a justiça da fixação; contudo, fator técnico surge a limitar a matéria pois, conforme se apura, legislação federal atendendo diretamente ao serviço público federal.

No caso do estadual, seguindo também o pacto constitucional, observado o comando federativo, não se há falar em ingerência federal no campo da administração estadual havendo, portanto, necessidade de ampla previsão legislativa em tal campo.

Nesse tópico, razão assiste ao pólo requerido, sendo inviável a fixação de obrigação mediante ingerência de nível diverso da Administração.

Ainda assim não fosse, no limite do mencionado poder horizontal, cumpre ao Judiciário verificar, no conflito, mediante provocação, a legalidade do ato por ação ou omissão; entretanto, embora possível, em modernos tempos, para tal fim, a análise do próprio mérito, impraticável avocar-se o comando de execução de projeto político, próprio do Executivo que, via eleição, tem seu projeto de atendimento aprovado, em maioria, pelo cidadão.

Portanto, o atendimento aos princípios básicos da cidadania, via efetivação de obras, resulta pertinente ao Executivo que, inclusive, nos limites da lei, no manejo da receita destina, em investimentos, as despesas necessárias, sob necessário e rígido controle orçamentário.


Assim, a edificação de benfeitoria em prédio público é matéria exclusiva da conveniência e oportunidade do administrador, escolhido, no campo democrático, pela maioria e que, conforme já posto, realiza programa aprovado pelo povo.

Opções, prioridades, realizações pelo Executivo decorrentes dos limites do Poder político, não alcançado no limite da análise do ato sob o prisma da legalidade, ainda que se aprofundando quanto ao seu mérito.

Nessa condição, diante limites constitucionais decorrentes, ausentes amparo na pretensão do requerente, resultando carente da ação.

Também, por ausente comando legislativo na esfera vertical do poder apontado – o Estadual.

Omisso o legislador estadual ou o executivo estadual, condição diversa da pretensão esboçada na inicial.

No tocante aos demais fatores de mérito, conforme apontado, cuida-se de prédio escolar antigo, anterior mesmo ao novo desenho de Estado apresentado em 1988.

Embora possuindo dois pavimentos, do volumoso inquérito instaurado, nada se apura no tocante a problemas surgidos por ausente rampas ou congêneres para acesso ao segundo.

Funcionamento em ambos os pavimentos, presente algum aluno portador de deficiência, os atos administrativos decorrentes para o atendimento.

Não fez prova qualquer o requerente, em primeiro, da existência de portadores de deficiência na referida escola e, em segundo, ainda que existente, a falta de adequado atendimento.

Sim, porque o adequado atendimento não se resume apenas na alteração física do prédio, podendo surgir em boa condição, mediante a vontade administrativa, adaptando-se setores do próprio edifício o que, em regra, se apura em todos os seguimentos da Administração.

Ademais, em nome da qualificação da despesa, que, no mandamento constitucional, deve ser produtiva, cumpre ao Administrador a busca do melhor resultado com o mínimo de dispêndio.

E, conforme apontado, nem sempre o melhor resultado surgirá, tão somente, pela utilização da receita em reforma física do prédio que, inclusive, exige previsão em regular orçamento.

O importante fator e que cumpria apuração prévia a justificar a ação, seria, conforme já posto, a constatação da existência de portadores de deficiência sem atendimento ou tratamento adequado.

Ao depois, o motivo da falta e, por último, entre muitas soluções, aquela de edificação, com utilização de recurso público numa época, inclusive, em que todos pedem redução de gastos para motivar, em paralelo, a redução das exigências de receitas.

Essa a realidade.

Num país pobre, de deficiências gerais, inclusive de alimentação e saúde, onde pessoas resultam sem padrão mínimo de segurança e habitação, prioridades maiores existem.

Não se trata, conforme também já posto, de se afastar a busca do ideal de vida e convivência, mas, em meio a tantas faltas, a escolha de prioridades mais abrangentes e necessárias, resultando o mundo ideal para a contemplação e o estudo em metas e projetos.

Daí a fixação da necessidade da comprovação da existência, de fato, de alunos portadores de deficiência e, em segundo, do não atendimento, mediante solução local, levando em conta a realidade presente.

O homem do povo, simples, humilde, reconheceria o fato como viver com o pé no chão.

Para o técnico, o atendimento público, em prioridade, para a satisfação abrangente, diante limitações existentes, em face necessidades concretas e não de mero ideal.

Para outros, viver e sentir a realidade num aspecto possível de administração.

POSTO ISSO e considerando o mais que dos autos consta, quanto ao aspecto legal, declaro a carência da ação por ausente suporte legislativo na instância de poder, respeitado o princípio federativo e, quanto ao mérito, por não provadas as condições de necessidade, JULGO IMPROCEDENTE a inicial, resultando o requerente condenado ao pagamento, em prol do requerido, dos emolumentos e honorária do patrono que arbitro, em condição de valorização da classe dos operadores jurídicos, em R$ 1.500,00.

P. R. e Intimem-se.

ELCIO TRUJILLO

Juiz de Direito, designado

São Paulo p/ Rib. Preto, 25 de novembro de 2000.

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