Cláusulas questionáveis

Consumidores precisam questionar juros de cartão de crédito

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8 de dezembro de 2000, 11h33

Seguidamente observamos que, em ações movidas contra as administradoras de cartão de crédito, têm os advogados deixado de prequestionar três teses fundamentais:

a – a de nulidade da cláusula mandato – cláusula mediante a qual o consumidor autoriza a administradora a contrair empréstimos em nome do titular junto a instituições financeiras para quitar os gastos feitos com o cartão;

b- a de que, se considerada válida a cláusula mandato, então a administradora tem que provar o seu exercício, provando os empréstimos que teria contraído em nome do titular e a que taxa de juros;

c- a de que, considerada inválida tal cláusula, ou não provado o seu exercício, não poderiam as administradoras de cartão de crédito cobrar juros acima do permitido pela Lei de Usura, por não serem instituições financeiras.

Da nulidade da cláusula mandato

Consta da unanimidade dos contratos de cartão de crédito cláusula mediante a qual o titular outorga à administradora mandato para, em nome e por conta daquele, contrair empréstimo junto a qualquer instituição financeira para cobrir eventual saldo devedor do cartão, tudo ao custo da “média das taxas obtidas junto às instituições financeiras” acrescido de “remuneração pela garantia prestada e pelos serviços de administração do financiamento”.

Mas, como é cediço, tais cláusulas, denominadas genericamente de cláusula mandato, são nulas , por envolverem uma série de ilegalidades.

Neste sentido, com agudeza de raciocínio, doutrina ALEXANDRE DAVID MALFATTI, na revista jurídica eletrônica Direito Bancário On-Line, que “no mandato instituído em favor da sociedade administradora não há indicação sobre quais instituições financeiras serão contratadas pela sociedade administradora. Também não há limites acerca das taxas de juros e encargos a serem contratados pela última. E, ainda, não se informa qual será o valor da ‘remuneração’ da sociedade administradora pela garantia prestada junto às instituições financeiras”, tudo a ferir o disposto no inciso VIII do artigo 51 da Lei n0 8.078/90, configurando a nulidade da cláusula mandato vez que impõe ‘…representante para concluir ou realizar outro negócio pelo consumidor…’.

E, lapidarmente, conclui MALFATTI:

“Em resumo, por haver exagerado favorecimento da sociedade administradora em prejuízo do usuário, obrigando o consumidor a contratar empréstimos bancários sem qualquer informação ou limitação sobre as taxas praticadas e possibilitando a unilateral estipulação da remuneração da sociedade administradora, entendo que a cláusula mandato inserida no contrato de utilização de cartão de crédito é ilegal.” (grifamos e sublinhamos).

Da prova do exercício da cláusula mandato

Questão que mais espanta, contudo, é a suspeita de que a referida clausula mandato possa estar servindo, na verdade, para que as administradoras, sem serem instituições financeiras, estejam a utilizar recursos próprios para cobrir o saldo devedor dos cartões, e cobrando juros muito acima dos de mercado. Em uma palavra: agiotagem.

A denúncia é do elogiado doutrinador CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY, também Juiz de Direito do 3º Juizado Especial Cível de Porto Alegre (RS), no seu artigo “Financiamentos com cartões de crédito: as aparências podem estar enganando” em Direito Bancário On-Line quando relata que “há algum tempo, uma das maiores operadoras de cartão de crédito do país foi condenada a restituir o que cobrara indevidamente de um usuário, diante da ausência de prova de que contraíra empréstimo para financiar as compras feitas pelo mesmo” (grifamos)

Segundo CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY, tal se deu no processo de nº 01196607970, que correu perante o 4º Juizado Especial Cível de Porto Alegre, e cuja sentença foi mantida no recurso nº 01597524980 pela 2ª Turma Recursal dos Juízados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul, e traz excerto do decidido:

“Diante do que os autos contêm e do que se pode inferir do comportamento processual da requerida, a única conclusão possível é de que a administradora de cartões, ao menos no período em que perdurou a relação negocial sob exame, nunca utilizou capital de terceiros para cobrir os saldos devedores da requerente. Se não o fez, é porque, evidentemente, utilizou recursos próprios. E não sendo instituição financeira, como a própria ré salientou em sua resposta (fl. 37), está impedida de cobrar taxa de juros superior a 12% ao ano”.

“De qualquer forma, estaria ainda assim exigindo taxa bem superior à que supostamente teria pago. O demonstrativo de fl. 114 informa que a taxa de juros repassada na fatura com vencimento em 08 de março de 1996, para pegar apenas um exemplo, foi de 12,26% ao mês. Este saldo devedor poderia ter sido coberto, utilizando-se das linhas de crédito contratadas, com custo não superior a 3,95% ao mês, que é a taxa estipulada no contrato de fl. 132/134, com vigência de 02 de fevereiro a 04 de março do referido ano…”.

Adiante CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY comenta o julgado:

“O processo mencionado acima permitiu descobrir que, ao menos no que diz respeito à empresa ré, esse procedimento é considerado pouco prático e, em conseqüência, não é utilizado. Admitiu a ré que, pela maior facilidade operacional, celebra com instituições financeiras da sua escolha contratos de crédito em conta corrente, como representante do universo dos usuários dos seus serviços, nos quais intervém como fiadora. Instada a comprovar a realização de empréstimos em nome da autora, contudo, permaneceu inerte, deixando de apresentar qualquer prova de que, nos períodos em que houve financiamento, os débitos tenham sido cobertos com recursos de qualquer instituição financeira contratada”.

“Parece mais do que razoável afirmar, nestas circunstâncias, que a empresa mantinha contratos de crédito em conta corrente apenas pró-forma, financiando as compras com recursos próprios.

Conseqüências jurídicas: As operadoras de cartão de crédito estão sujeitas à limitação imposta pela Lei de Usura – ou seja, não podem estipular taxa de juros superior a 12% ao ano (não poderiam fazê-lo ainda que fossem instituições financeiras, conforme forte corrente jurisprudencial) -, e, por óbvio, nada podem cobrar a título de ‘remuneração de garantia’ e de ‘administração de financiamento’ quando estiverem financiando com recursos próprios”.

“De qualquer forma, o valor ou forma de cálculo da remuneração pela prestação de fiança ou aval deve estar especificado no contrato. Não sendo assim, nada pode ser exigido do consumidor a esse título por falta de acordo prévio entre as partes. Registre-se que cláusula contratual que permite resultado mais gravoso – alteração unilateral de preço – é considerada absolutamente nula pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 51, X).

“Comportamentos diversos dos descritos acima, em conclusão, autorizam o consumidor a recorrer ao Poder Judiciário para buscar a restituição do que foi pago indevidamente.”

As administradoras de cartão de crédito não são instituições financeiras. Realmente, o site do Banco Central informa que o regular funcionamento de uma instituição financeira depende prévia autorização daquele órgão, dizendo, porém, em outro ponto, que “não autoriza e não fiscaliza regularmente administradoras de cartões de crédito”, Banco Central.

Ora, se uma instituição financeira, para funcionar regularmente, necessita de prévia autorização do Banco Central, e se às administradoras de cartões de crédito é garantido o funcionamento sem tal chancela, então, evidentemente é porque não revestem-se da qualidade de instituição financeira e, portanto, não estão ao abrigo da famigerada Lei 4.595/64 e, muito menos, a salvo da incidência da Lei da Usura, sendo-lhes vedada, destarte, a prática de juros superiores a 12% ao ano, em tese permitida somente às instituições financeiras, entras as quais, como visto, não se enquadram as administradoras de cartões de crédito.

Tal tese, aliás, segundo a renomada revista eletrônica Consultor Jurídico esteve, ano passado, em julgamento no Superior Tribunal de Justiça, quando, em recurso apresentado, o Banco do Brasil pediu que as administradoras de cartão de crédito fossem reconhecidas como instituições vinculadas ao Sistema Financeiro Nacional, e assim pudessem cobrar juros de acordo com as oscilações do mercado e as variações dos índices inflacionários.

Na ocasião, o primeiro voto, dado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, foi no sentido de que “as administradoras de cartão de crédito não são instituições financeiras e, por isso, não podem cobrar juros na fatura dos clientes superiores a 12% ao ano”.

Ocorre que, também de acordo com informação da Consultor Jurídico , pouco depois, o Banco do Brasil desistiu do recurso, certamente temendo perdê-lo em face do referido voto – o que implicaria em perigoso precedente para as administradoras de cartão de crédito.

Em instâncias inferiores, contudo, tal entendimento ganha força.

A 23ª Vara Cível de São Paulo, por exemplo, decidiu que as administradoras de cartões de crédito não são instituições financeiras, e portanto, não podem cobrar as mesmas taxas de juros que os bancos, pelo que condenou as empresas Credicard e Real Visa a devolver em dobro juros abusivos cobrados de alguns de seus clientes, vale dizer os que ultrapassassem 1% ao mês, obedecendo a Lei da Usura.

Conclusões

A par de questionar outros pontos importantes (como multa de mora superior a 2%, comissão de permanência, juros abusivos, juros de mora maiores que 1% ao mês, ou, ainda, a capitalização dos juros), deve sempre o titular do cartão de crédito requerer em Juízo, seja como autor ou como réu da ação:

a declaração judicial de nulidade da cláusula mandato, argüindo a ilegalidade tanto dela mesma como do seu exercício, para que seja liberado de honrar os empréstimos em seu nome eventualmente contraídos pela administradora;

a declaração judicial de que a administradora de cartão de crédito não é instituição financeira e, portanto, está sujeita à Lei da Usura;

a inversão do ônus da prova para que a administradora seja constrangida a provar o efetivo exercício da cláusula mandato, mediante a juntada aos autos dos contratos que teria firmado em nome do titular do cartão.

É de se lembrar que se o juiz singular entender que a administradora não logrou êxito em provar o exercício da cláusula mandato, e, em recurso de apelação, o tribunal estadual decidir da mesma forma, não caberá qualquer recurso ao STJ, em razão de a Súmula de n.º 07, daquele mesmo areópago, dispor que não lhe compete rever provas e fatos da causa.

Veja-se que recentemente o Ministro WALDEMAR ZVEITER, do STJ, estribado justamente na Súmula n.º 07, negou seguimento ao Ag. 245272, de São Paulo, interposto de decisão de tribunal estadual que proveu, em favor de titular de cartão de crédito recurso fundado na ausência de provas do exercício da cláusula mandato e na sujeição das administradoras à Lei da Usura, endossando tais teses.

Vale dizer: é de fundamental importância de prequestionar a prova do exercício da cláusula mandato, pois mostra a experiência que as administradoras não a exercem, o que significa resultado breve e eficaz para a demanda, com grandes e justos benefícios para o titular do cartão.

Revista Consultor Jurídico, 12 de dezembro de 2000.

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