Requisitos da liminar

Marcos Porta defende apreciação vinculada em pedido de liminar

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7 de dezembro de 2000, 23h00

A atividade do juiz na apreciação da liminar é vinculada e não discricionária.

Essa é a tese do juiz Marcos de Lima Porta titular da 2ª Vara Cível de Mogi das Cruzes, exposta em decisão proferida em Mandado de Segurança, onde ele aborda os requisitos para a sua concessão.

Cartesiano, Porta defende que a relevância do fundamento deve ter mais consistência que o requisito do fumus boni iuris.

Leia a íntegra da sentença

VISTOS.

Incabível a fixação de multa diária no caso de deferimento da liminar, por falta de amparo legal e por incompatibilidade com a natureza do Mandado de Segurança. Indefiro, pois, esse pedido.

Igualmente, indefiro de plano o pedido constante a fl. 10 dos autos, referente à condenação da impetrada ao pagamento das quantias já pagas a mais, na ótica do impetrante, bem como da “quantia paga para que fosse protocolado o requerimento” visto que inadequado para o provimento que visa nesse mandamus obter. A despeito do disposto no art. 5o, inciso XXXIV, da Constituição Federal, o questionamento desses valores já pagos terá pertinência em outro contraditório a ser instaurado através de ação própria, devido à natureza do Mandado de Segurança.

Passa-se à análise do pedido da liminar.

O art. 7º inciso II, da Lei n. 1.533/51, estabelece a hipótese de liminar no rito do Mandado de Segurança. Exigem-se como requisitos para sua concessão: a) periculum in mora; b) inocuidade, se concedida a ordem a final; (1) e c) a relevância do fundamento, que é mais do que a “fumaça do bom direito”, isto é:

“Em nosso entender, a expressão deve ser escandida em seus dois elementos constitutivos. Assim fazendo-se, ter-se-á como fundamento a relação de adequação lógico-jurídica entre os fatos descritos e as conseqüências postuladas. E como relevância a plausibilidade imediatamente aparente de que, em tese, os fatos descritos possam confluir para as conseqüências pleiteadas na impetração.” (2)

Assim, o papel deste órgão julgador, nesta fase da liminar (para não dizer em todas as vezes em que o juiz diz o direito), consiste em verificar, através da interpretação, se esses requisitos encontram-se presentes ou não no caso concreto, e, dependendo do resultado, se deverá ou não ser concedida a liminar postulada.

O relevante fundamento.

A relevância é uma palavra e, portanto, um signo, que, na lição do Prof. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

“… supõe um significado. Se não haveria palavra, haveria ruído. Logo, tem-se que aceitar, por irrefragável imposição lógica, que, mesmo que vagos, fluidos ou imprecisos, os conceitos utilizados no pressuposto da norma (na situação fática por ela descrita, isto é, no “motivo legal”) ou na finalidade, têm algum conteúdo mínimo indiscutível.” (3)

Então, a relevância do fundamento deve ser entendida como sendo um “conceito com carga valorativa a ser extraída diretamente do ordenamento jurídico. (…) De conseguinte, relevante não é o que se apresenta ao juiz como tal, sem objetividade. Não são os “standards pessoais” do juiz, que estão em jogo. Relevante não pode ser condicionado subjetivamente. Pelo menos não no que tange a garantias fundamentais da Constituição.” (4)

No caso dos autos, vê-se que há uma adequação lógica entre os fatos narrados na inicial e as conseqüências postuladas, bem como há plausibilidade imediatamente aparente de que esses fatos possam confluir para as conseqüências postuladas. Ou seja: afirma – e de certa maneira comprova – o impetrante que reside no imóvel e que necessitou fazer uma melhoria em sua casa.

Para tanto, zelosamente solicitou a religação da água em sua residência; essa circunstância gerou a mudança de qualificação legal para os fins de cobrança por parte do impetrante. Em conseqüência, passou-se a considerar o imóvel como sendo comercial, já que foi constatado que no local funciona o escritório de advocacia do impetrante. Este alega que sua atividade não é comercial e que a alteração efetuada é ilegal. Para tanto invoca a Constituição Federal, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e, ainda, decisões do E. Tribunal de Ética da OAB-SP, o qual, verbi gratia, prevê que o Advogado não vende produto, mas presta serviço especializado (p. 29). Daí a possibilidade e relevância jurídica de seu pedido de liminar, considerado em seu caráter autônomo em relação ao mérito da segurança.

Presente, pois, o primeiro requisito.

A ineficácia da medida, caso não seja concedida a liminar nessa oportunidade.

Igualmente, está caracterizado o requisito da ineficácia da medida, caso não seja concedida nessa oportunidade, uma vez que a impetrada continuará fazendo a cobrança de acordo com a segunda classificação, persistindo, assim, a lesão em desfavor do impetrante.

O perigo da demora.

Finalmente, configurado está também o último requisito, qual seja, o perigo da demora. Nesse caso, o bem jurídico do impetrante – seu patrimônio -, poderá sofrer um dano de difícil reparação já que, verbi gratia, se vencer a ação, os períodos anteriores à sentença final terão sido pagos, com valores indevidos, à maior, e serão de difícil reembolso para o impetrante.

Portanto, os requisitos para a concessão da liminar encontram-se presentes, devendo, pois, este órgão julgador deferi-la nos termos propostos, não lhe restando outra alternativa.

A propósito, a afirmação de que “não resta outra alternativa” ao juiz significa que, uma vez presentes os requisitos legais, deve-se conceder a liminar (5). Isto porque os atos judiciais são decorrentes de competências públicas vinculadas, vale dizer, salvo posicionamento em contrário, não há, mesmo no caso de apreciação de liminar no Mandado de Segurança, discricionariedade jurisdicional (ao “prudente arbítrio do juiz”), pois:

“(…) o específico da função jurisdicional é consistir na dicção do direito no caso concreto. A pronúncia do juiz é a própria voz da lei in concreto. Esta é sua qualificação de direito. Logo, suas decisões não são convenientes ou oportunas, não são as melhores ou as piores em face da lei. Elas são pura e simplesmente o que a lei, naquele caso, determina que seja. Por isso, ao juiz jamais caberia dizer que tanto cabia uma solução quanto outra (que é o característico da discrição), mas que a decisão tomada é a que o Direito impõe naquele caso. Por isso, um Tribunal, quando reforma uma sentença, não o faz, nem poderia fazê-lo, sub color de que a decisão revisanda poderia ter sido aquela, mas que a ele parece preferível outra mais conveniente aos interesses em disputa. A reforma da sentença estará sempre fundada em que o que nela se decidiu estava errado perante o Direito, o qual exigia outra solução para a questão vertente, pois o título competencial do magistrado é o de dizer o que o direito quer em um dado caso controvertido submetido a seu pronunciamento. Juris dictio, significa dicção do direito. (…)” (6)

Todavia, isso não significa que não possam existir temperamentos à concessão da liminar:

“É dizer: se não há propriamente problema de discricionariedade, como vulgarmente conotado o conceito, há de se colocar, todavia, o problema da valoração dos princípios em jogo. (…)

De conseguinte, percebe-se que é importante deixar claro: temperamentos se fazem necessários à concessão da medida liminar, uma vez que podem estar em jogo, em aparente contradição, o interesse particular violado e o interesse público postulando tutela.

Tais temperamentos, entretanto, não se atrelam ao poder discricionário do juiz, mas sim à capacidade de saber escolher e sopesar a norma legal compatível, para ser aplicada àquele determinado fato. Deve decidir, pois, em situação de compatibilidade entre fato concreto e norma.” (7)

Posto isso, concede-se a liminar para suspender o ato administrativo que determinou a alteração T.L. para o código 23 relativo ao hidrômetro n. CBM – 0001431868 do imóvel descrito a fl. 13 dos autos.

Notifique-se a Autoridade apontada como coatora para prestar as informações, consignando-se no ofício, ainda, a obrigatoriedade de efetuar a comunicação prevista no art. 3º da Lei n. 4.348 de 26 de junho de 1964.

Após, ao Ministério Público, e, conclusos.

P.I. Oficie-se.

Mogi das Cruzes, 21 de novembro de 1999.

MARCOS DE LIMA PORTA

Juiz de Direito

Notas remissivas

(1) FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado de Segurança. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 120.

(2) FERRAZ, Sérgio. Mandado de Segurança (individual e coletivo) aspectos polêmicos, São Paulo: Malheiros, 1992, p. 110.

(3) Discricionariedade e Controle Jurisdicional, Malheiros, São Paulo: Malheiros, 1992, p. 29.

(4) FIGUEIREDO, Lúcia Valle. ob.cit., p. 123 e 126.

(5) Ver, nesse sentido, importante texto do Prof. CLÓVIS BEZNOS, “A liminar em Mandado de Segurança. Limites à discricionariedade do juiz”, publicado na RDP 65/56.

(6) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, ob.cit., pág. 26.

(7) FIGUEIREDO, Lúcia Valle. ob.cit., págs. 121/123.

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