Efeitos da Web

Especialista em Internet debate legislação tributária

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2 de dezembro de 2000, 11h04

A Internet provocou uma revolução em costumes, já que rompeu barreiras e permitiu maior integração entre diferentes pessoas e culturas e maior acesso à informação, e há algum tempo vem modificando (às vezes bruscamente), o dia-a-dia das empresas sejam elas grandes ou não.

Os efeitos da Internet sobre o cotidiano das empresas podem ser facilmente detectados, na visão mais simplista possível, em duas diferentes áreas: serviços e comércio.

Na área de serviços, percebe-se que cada dia mais empresas prestadoras podem, através da Internet, atender seus clientes sem se deslocar ao escritório dos mesmos. Desenvolvedores de software podem disponibilizar seus produtos pela rede, tanto para uso quanto para download e uso no estabelecimento do cliente.

Criam-se todos os dias empresas de leilão virtual, de seleção de profissionais, de certificação eletrônica etc. Na área de comércio, para descrever a revolução, basta mencionar o termo comércio eletrônico. Seja para produtos novos ou para produtos usados (e aí voltamos aos leilões virtuais e aos balcões de produtos usados), a rede vem permitindo o maior leque de opções que já pode ser visto à disposição daquele interessado em adquirir quaisquer espécies de produtos.

Para se adquirir um livro, seja ele nacional ou estrangeiro, basta acessar um site de busca que em alguns segundos (dependendo do seu provedor) surgem em seu computador inúmeras opções de livrarias, com os mais variados preços. Isso permite que o cidadão-consumidor realize, rapidamente, uma pesquisa de mercado, adquirindo o produto daquele que lhe oferece melhor preço, condições de pagamento e prazo de entrega.

Mais cedo ou mais tarde, a Internet funcionará como excelente veículo para ‘controle de mercado’, já que permitirá maior controle de preços por parte do mercado consumidor. Isso tudo foi mencionado apenas para evidenciar, na visão de um advogado, o quanto a Internet está revolucionando o mercado.

Muito provavelmente, economistas, administradores, empresários e investidores, levarão essa visão muito mais adiante. A idéia, contudo, foi modesta: lançar algumas mudanças para verificar o quanto à legislação tributária brasileira está adaptada para a revolução que produziu a Internet.

E, do ponto de vista da legislação tributária, podemos afirmar que revolução semelhante ainda não ocorreu. Como primeiro foco de controvérsias, podemos citar os serviços de telecomunicação. O ICMS, tributo estadual, é atualmente o imposto incidente sobre serviços de comunicação, em que se inclui o de telecomunicação; que bem entendida, significa comunicação à distância (tele + comunicação).

A Lei Kandir, apesar de ser recente (1996), foi construída com base no modelo de telecomunicações existente antes da privatização. Por esta razão, não vislumbra e não consegue regulamentar (e tributar, que é o seu propósito) corretamente as inúmeras possibilidade de negócios surgidas na área desde que a ANATEL passou a regulamentar a atividade do setor.

A impossibilidade de tributar corretamente gera incerteza para as empresas de telecomunicações, que freqüentemente disponibilizam novos serviços para atender a demanda de um mercado reprimido por anos, mas muitas vezes se vêem em dúvida quanto à correta aplicação da legislação tributária.

Hoje, além das já tradicionais companhias telefônicas, existem companhias proprietárias de redes de telecomunicação privadas, existem serviços prestados via satélite etc. Isso, a princípio, não demandaria inovações na legislação, podendo ser aplicada a legislação atualmente vigente.

Acontece que tais serviços são, muitas vezes, interestaduais ou internacionais. Em razão dessa natureza, surgem conflitos de interesse entre dois ou mais Estados pretendendo tributar a mesma prestação de serviços, ou entre empresas de telecomunicação e Estados, respectivamente.

As empresas encontram-se, então, desprovidas de segurança jurídica (essencial para evitar contingências de ordem fiscal) e ficam a mercê de ações fiscais de dois ou mais Estados distintos. Não bastasse isso, a legislação prevê alíquotas diferenciadas em vários Estados e não esclarece, por exemplo, para qual Estado é devido o ICMS em certas operações envolvendo a prestação de serviços de telecomunicação.

Não bastasse isso, citamos também os problemas enfrentados pelos provedores de acesso à Internet. Estados e Municípios disputam a tributação desse novo valioso nicho, representado pelas operações realizadas pelos provedores.

Apresentam diferentes argumentos para justificar ou a tributação pelo ICMS ou pelo ISS, respectivamente, deixando os provedores de acesso (e os clientes, por que não?) no meio de um direito onde corre-se o risco de levar dois tiros.

Sem o recurso ao Judiciário, o contribuinte corre o sério risco de ser obrigado pelo Estado a pagar o ICMS e pelo Município a pagar o ISS; ou seja, pode se sujeitar ao pagamento de dois tributos quando no máximo deveria incidir um.

E se a conclusão descarta o serviço de telecomunicação, uma vez que a Lei Geral de Telecomunicações aponta para a natureza de serviço adicionado (caracterizado como não sendo serviço de telecomunicação), não se pode exigir o ICMS.

Não bastasse isso, o serviço de acesso à Internet (considerado um serviço de valor adicionado) não está elencado na legislação federal que apresenta as regras gerais para a cobrança do ISS e lista de serviços sujeitos ao mesmo.

Ou seja, não temos legislação vigente que autorize, com clareza, certeza e segurança, a cobrança do ICMS ou do ISS sobre os serviços prestados por provedores de acesso à Internet, e corremos o risco de ver tal serviço ser tributado por ambos os tributos. A que ponto chegamos?

Não bastasse isso, surge nova corrente em certas municipalidades pretendendo tributar (pelo ISS) provedores de Internet que provêem o acesso gratuito. Novamente, na busca de receitas para suportas as combalidas finanças públicas, foi deixado de lado o direito e bom senso. Se não há valor na operação (ela é gratuita), não há o que se tributar.

A Internet é um mapa, um grande mapa com esteiras rolantes. Através dela podemos nos localizar (graças aos programas de busca e aos sites que apresentam os assuntos devidamente indexados) e nos dirigir rapidamente para qualquer lugar (virtual). Nesses lugares, podemos contratar serviços e comprar mercadorias.

Assim, não entendemos porque a tentativa de tributar algo que somente tem a contribuir para a contratação de serviços e a compra de mercadorias. Serviços e mercadorias já são normalmente tributados e a tendência é aumentar a arrecadação nessas operações já que a Internet permitirá que novos consumidores tenham acesso a novos produtos.

Assim, voltando ao exemplo do mapa, pretender tributar a Internet me parece querer tributar o cidadão normal que sai de sua casa e se dirige a um shopping center ou a uma loja de leilões. Ou ainda, tributar o cidadão que se dirige a uma biblioteca em busca de conhecimento e informação (não deveriam esses ser os suportes de uma democracia que preza pelo amplo acesso a cultura e informação?).

Por fim, vale dizer que até mesmo a legislação federal, em especial a legislação de imposto de renda (provavelmente aquela que vem se modificando e modernizando com mais rapidez), precisa de modificações. No plano das relações internacionais, já tem início a prestação de serviços internacionais através da Internet, além da comercialização internacional de software (mediante um simples débito em cartão de crédito, por exemplo).

A atual legislação não disciplina com clareza quando tais operações têm de estar sujeitas à tributação no Brasil e os acordos internacionais existentes, celebrados pelo Brasil com pouco mais de dez países, para evitar a dupla tributação da renda, normalmente não prevêem esse tipo de atividade e como o próprio nome diz, voltam-se apenas para a renda, quando sabemos que incidem sobre as empresas atualmente outro bom número de tributos que pode ser afetado pelos novos serviços e pela nova maneira (mais rápida, flexível e remota) de prestá-los.

Esperamos que a reforma tributária que está sendo levada a cabo pelo Congresso Nacional promova algumas mudanças buscando simplificar o sistema atual, reduzindo as zonas cinzentas existentes atualmente nessa área (principalmente no que diz respeito à tributação estadual e municipal) e facilitando a realização de novas alterações pelo legislador ordinário no futuro, visando conferir segurança ao contribuinte e equilíbrio na sua relação com os entes tributantes.

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