Comportamento eleitoral (II)

Advogado estuda comportamento da classe na hora do voto (II)

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2 de dezembro de 2000, 11h05

A dificuldade em se registrar chapas desestimula o debate classista, favorecendo a situação dominante. Desestimula a prática eleitoral sadia eis que setores de oposição, antagônicos, são instados a se coligar já para uma eleição que não tem segundo turno, o que facilita a situação, vez que ela pode se apresentar de forma mais “homogênea e purificada” aos eleitores, enquanto que os adversários são facilmente identificados como uma chapa equivalente a “um balaio de gatos” com interesses pessoais.

Se, de uma forma, o sistema eleitoral que busca a escolha por maioria simples de votos, força a bipolarização do certame, não é incongruente afirmar-se que, quando o embate se divide em muitas correntes, perfeitamente identificáveis e inconciliáveis, acaba por beneficiar quem está no poder, ou com o poder em profundo desgaste. Ou seja, a desastrosa administração de uns, e o seu ínfimo lastro de legitimidade, podem acabar por lhe propiciar a sua permanência no poder, excepcionalmente, eis que podem permitir a deflagração de inúmeras correntes que se acham cada qual com força suficiente, para, sozinha, vencer o certame eleitoral ante a pouca aceitação da chapa de situação. Nestes casos a estratégia é quem manda. O bom estrategista usa da divisão para tirar proveito e se perpetuar no poder. Quando tem uma relativa aceitação, a bipolarização com uma outra chapa lhe beneficia pois pode se apresentar pura. Quando a aceitação é fraca, o sistema eleitoral lhe permite que, pela fragmentação dos votos, possa se manter no exercício do poder. Foi o que aconteceu em Alagoas.

O sistema de dois turnos, ainda que na opinião de Duverger possa indicar a propensão da bipolarização partidária, com os sucessivos certames, no caso de uma eleição classista pode ser o diferencial. Na opinião do mestre José Antonio Giusti Tavares o “sistema de dois turnos contém um mecanismo que produz um curto-circuito no processo que conduz da defracionarização do sistema partidário parlamentar, à defracionarização do sistema partidário eleitoral, detendo o movimento de concentração e oligopolização do mercado eleitoral que se dirige para o partidarismo” .

Atacado por tudo e por todos, sendo candidato de um grupo com um mínimo de aceitação ante o colégio eleitoral, Humberto Eustáquio foi ao dia da eleição respaldado com expressivo patrocínio e segurando a sua campanha na divisão das oposições. O fator de desequilíbrio da disputa seria a entrada novamente em cena de uma categoria rejeitada: os inadimplentes.

O inadimplente era a incógnita. Mais de 40% dos advogados obtiveram direito de votar menos de 24 horas antes do início do pleito. Cassada a liminar e dada sentença contrária na quinta-feira sobre um escrutínio que se realizaria na terça-feira, todos achavam que a eleição estaria ganha por Humberto pois, ao mesmo tempo em que se escorou na divisão das oposições, conseguiu patrocínio e, anunciava-se, havia pago inúmeras anuidades de inadimplentes que teriam consigo o compromisso de voto.

O imponderável ocorreu no final da tarde de segunda-feira. O grupo “Reage Advogado” não se quedou ante a decisão do juiz Francisco Wildo. Promoveu dois recursos: um pedido de liminar no TRF da 5ª Região para dar efeito suspensivo à decisão do Juiz da 1ª Vara até o Tribunal julgar a Apelação interposta e outro, em Maceió, pedindo, excepcionalmente, que o próprio juiz sentenciante desse efeito suspensivo à decisão.

No TRF da 5ª Região a liminar foi rejeitada ao argumento de que o autor não tinha anexado o despacho de acolhimento ou não do recurso, no caso, da Apelação. Também, pudera, o magistrado só a acolheu por volta das 15h e, como o TRF não aceita interposição de recursos por fax, os advogados viajaram para o Recife apenas com a comprovação de entrega do recurso ao Juiz da 1ª Vara.

A surpresa ocorreu adiante. Tão logo despachou o recebimento do recurso, o juiz titular da 1ª Vara se ausentou do Fórum. Em seguida chegou à vara o pedido para que se concedesse excepcionalmente ao recurso o efeito suspensivo. O despacho foi prolatado, então, pelo Juiz substituto da 1ª Vara, Dr. Sérgio Wanderley que, ante os argumentos expostos, analisando o teor do mérito da causa e principalmente o fato de que a eleição iria se iniciar em menos de 24 horas, concedeu o efeito suspensivo ao recurso e restaurou a liminar inicialmente concedida pelo magistrado Francisco Wildo. Argumentou sua decisão, da seguinte maneira:

“Com efeito, cumpre ao magistrado, valendo-se do poder geral de cautela, e mesmo da condição de dirigente do processo, reconhecer a excepcionalidade da situação, e, em conseqüência, afastar a regra genérica do art. 12 da Lei 1.533/51, porquanto configurada, in concreto, sua incompatibilidade com os princípios constitucionais da segurança jurídica, do duplo grau de jurisdição e máxime com a dignidade da OAB, que, por seu status constitucional, e por seu compromisso com a legalidade e com a jurisdição plena é a interessada maior em que a controvérsia jurídica posta seja real e definitivamente deslindada, sem sacrifício da apelação a ser Julgada pelo Tribunal Federal. Desse modo, em função do relevo e dos valores postos em conflito, não poderia o Juízo processante do recurso negar o acautelamento postulado pelo autor, até mesmo porque o mesmo não gerará qualquer embaraço ao pleito, eis que os votos dos advogados inadimplentes serão colhidos em urna própria e distinta…a jurisprudência em nossos Tribunais Federais tem reconhecido a necessidade de proteção cautelar nessas excepcionalíssimas situações, recomendando que seja afastada a aplicação da Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal, e mantidos os efeitos da liminar, até o trânsito em julgado da sentença denegatória do mandamus…”

De interessante teor, revela a decisão acima transcrita que o magistrado, ante o dogma jurídico da Súmula, rejeita-a para, analisando os elementos objetivos e sociológicos do caso, dar nova interpretação à sistemática do recurso, concedendo-lhe o efeito suspensivo que não teria e propiciando a reintegração ao eleitoral de expressiva parcela de advogados, sem transbordar para o campo do “Direito Alternativo” .

3. Da Eleição. Votantes, não votantes e o eleito.

Dentro da expectativa gerada pela eleição, na qual os contendores fizeram propaganda paga até no horário mais caro da televisão brasileira – Solange e Humberto veicularam peças publicitárias na concessionária da TV Globo, domingo, no horário do Fantástico – e com o clima acirrado, a porta da OAB virou a atração do dia. Torcidas organizadas, policiais à paisana, repórteres de rádios, tv’s e jornais se postaram na frente da sede da instituição. Todos os candidatos aproveitaram os meios de comunicação para pedir os votos dos inadimplentes. Humberto Eustáquio, por ser “enteado” do presidente das organizações Arnon de Mello, concessionária da Globo, teve espaço redobrado. Os demais falaram resumidamente na emissora. A TV Alagoas postou uma equipe externa na porta da entidade e dava flashes, ao vivo, de meia em meia hora. Sindicalistas foram presenciar o andamento da votação e queriam a todo custo saber como foi que os inadimplentes tiveram o direito de votar. Os ânimos se acirravam e as maiores torcidas, quase todas pagas, eram dos candidatos Cordeiro, Solange e Humberto Eustáquio.

No início dos trabalhos de votação o candidato a vice-presidente da Chapa Reagir, Everaldo Patriota, perante a Comissão Eleitoral, acusou o candidato Humberto Eustáquio (Chapa Advocacia e Cidadania) de estar se utilizando de capangas armados, vestidos com a camiseta do candidato, para fazerem cabalagem de votos.

Às 17h, a votação acabou e uma hora depois o resultado foi conhecido: Humberto Eustáquio, o candidato da situação, que lutou para impedir o voto do inadimplente, era o novo presidente da OAB-AL. Márcio Guedes, o “candidato dos inadimplentes”, o único que defendeu na justiça o direito de sufrágio destes e lutou até o último momento para garantir o “direito de voto a todos os advogados”, como dizia em seu outdoor lançado às vésperas das eleições, ficou em último lugar. Solange ficou em segundo, seguida de Cordeiro e Raimundo Palmeira.

A eleição se deu em duas urnas eletrônicas, por seção, cedidas pelo TRE/AL. A urna “A” era para coleta dos votos dos advogados em dia com a anuidade. A urna “B” se destinava à votação dos inadimplentes. O resultado do pleito, na capital e no interior, foi o seguinte:

A)No Interior:

1. Humberto Eustáquio (A) 96 (B) 39 (T)135

2. Solange Jurema (A)30 (B)12 (T)42

3. José Cordeiro Lima (A)35 (B)22 (T)57

4. Raimundo Palmeira (A)04 (B)03 (T)07

5. Márcio Guedes Souza (A)07 (B)02 (T)09

BRANCOS E NULOS (A)5 (A)6 (B)11

B) Na Capital:

1. Humberto Eustáquio (A)488 (B)188 (T)676

2. Solange Jurema (A)509 (B)202 (T)711

3. José Cordeiro Lima (A)297 (B)154 (T)451

4. Raimundo Palmeira (A)76 (B)38 (T)114

5. Márcio Guedes de Souza (A)48 38 (T)86

BRANCOS E NULOS (A)18 (B) 27 (T) 45

c) Resultado final:

1. Humberto Eustáquio – 584 – 227 – 811

2. Solange Jurema – 539 – 124 – 753

3. José Cordeiro Lima – 302 – 176 – 508

4. Raimundo Palmeira – 80 – 41 – 121

5. Márcio Guedes Souza – 55 – 40 – 95

Brancos/ Nulos – 23 – 33 – 56

Considerando que 1.999 advogados estavam adimplentes e 1.800 eram devedores, observamos que o índice de comparecimento entre os eleitores do intitulado grupo “A” foi de 79,18 % enquanto 40,6% dos eleitores do grupo “B” compareceram para depositar seu voto nas urnas. Pode ser fruto da impossibilidade de comunicação do direito que lhes foi albergado por decisão judicial. Pode ser que não, apenas desinteresse, ou vergonha de ir votar.

4. Análise dos resultados. Como se portou o inadimplente? Conclusões e reflexões.

Dos resultados parciais pode-se inferir que:

a) mesmo dentre os eleitores inadimplentes, o candidato da situação obteve a melhor votação;

b) a menor votação entre os inadimplentes foi do candidato que defendeu os seus direitos;

c) o candidato Cordeiro Lima que havia feito trabalho entre os inadimplentes durante três anos, não conseguiu sair da terceira posição;

d) a candidata Solange Jurema conseguiu obter a maioria dos votos dos inadimplentes na Capital, mesmo tendo o candidato Márcio Guedes enviado correspondência dizendo que ela havia tentado impedir o voto deles.

O inadimplente votou em quem e por quê? Por que o inadimplente, que nunca pôde votar nas eleições da OAB, não votou no candidato que lutou por seus direitos na Justiça Federal?

Visando ter uma noção sobre esses questionamentos, mas sem ter a pretensão de preparar uma pesquisa cientificamente perfeita, foi feito um questionário sucinto e respondido por trinta inadimplentes, da capital e interior, questionados por telefone.

Quatro perguntas foram feitas: a) em quem votou; b) qual a razão do seu voto; c) sabia que o voto do inadimplente foi conseqüência de uma ação judicial intentada pela Chapa “Reage Advogado”? d) qual a sua opinião sobre o candidato Márcio Guedes e por que não votou nele?

As respostas coletadas foram as seguintes:

a) EM QUEM VOTOU?

Humberto 15

Solange 11

Cordeiro 08

Raimundo 02

Márcio 01

Não quis dizer 03

b) O MOTIVO DO VOTO?

1.O candidato ou seu correligionário me pediu pessoalmente o voto – 16

2.Pela consciência, independente de pedido – 7

3.Outros motivos – 2

1. Não quis dizer – 5

c) SABIA QUE O VOTO DO INADIMPLENTE FOI MOTIVO POR UMA AÇÃO JUDICIAL INTENTADA PELA CHAPA “REAGE ADVOGADO”?

Sim. Todos os 30.

d) O QUE ACHA DO EX-CANDIDATO MÁRCIO GUEDES E POR QUE NÃO VOTOU NELE?

1. um candidato sério 08

2. um candidato temperamental 06

3. um candidato radical 04

4. um candidato honesto 07

5. um aproveitador que tentou usar o inadimplente 01

6. não tem opinião firmada 04

POR QUE NÃO VOTOU EM MÁRCIO GUEDES?

1. Porque ele não me pediu o voto 10

2. Porque não o conheci pessoalmente 07

3. Não era o tipo de candidato em quem pretendia votar 06

4. Outros motivos 03

5. Não responderam 03

Sobre o questionário pode-se concluir que a imagem do candidato da Chapa “Reage Advogado” é boa – 50% dos entrevistados concederam conceitos positivos à pergunta de número 2; 40% o qualificaram negativamente e 10% não souberam opinar. Inobstante isso, o que motivou o voto do inadimplente foi o contato e o conhecimento pessoal do candidato – 17 votos -, e não as suas idéias.

Mas o dado mais interessante da pesquisa é o de que apenas 6 dos inadimplentes confessaram que votaram pela consciência e 16 disseram que votaram a pedido do candidato ou por correligionário, o que confirma a tendência de se votar em quem lhe pede pessoalmente o voto, reafirmando o resultado do quesito sobre o motivo pelo qual o candidato da Chapa “Reage Advogado” não foi votado.

Essas respostas fazem sentido e justificam os fatos que ocorreram na eleição. Foi apurado que enquanto um candidato lutava na Justiça pelos votos dos inadimplentes, três outros trataram de ligar pessoalmente ou por correligionários para a casa destes, no final de semana anterior à eleição. Solange Jurema e Humberto não saíram dos comitês e arregimentaram quase 50 pessoas cada um para pedir voto por meio de telefone. Apenas Raimundo Palmeira e Márcio Guedes assim não o fizeram. Suas votações foram inexpressivas. No caso de Márcio Guedes o ataque foi mais feroz. Até Conselheiros de sua chapa foram instados a não votar nele, sob a alegação de estar dividindo as oposições, sendo alcunhado de candidato “laranja” por membro da chapa da candidata Solange Jurema.

Mais do que uma intenção de voto, surge uma questão. Por que o advogado, uma categoria de nível superior, não vota pelas idéias e, tal como se fosse um alienado, ou um analfabeto, vota pela emoção e não pela razão?

No processo que gerou a concessão da liminar, indo até a sua cassação, Humberto Eustáquio e Solange Jurema foram acusados de tentar impedir o voto dos inadimplentes. Humberto, ao contestar a decisão do eminente magistrado, através da OAB. Solange, que foi acusada de se ter utilizado de sua amiga Ana Florinda, juíza estadual e esposa do magistrado que concedeu a primeira liminar, para pedir ao mesmo o julgamento prematuro do mérito e de forma contrária ao direito de voto a todos os advogados. A imprensa noticiou todos esses fatos. Os candidatos trataram de propagá-los. Mesmo assim Humberto e Solange foram os mais votados entre os adimplentes e os inadimplentes. Qual o motivo? Pedidos, trocas de favores?

É de se salientar que o voto do advogado é obrigatório. Tendo o direito de votar deve às urnas se dirigir, sob pena de aplicação de multa pesada. Poder-se-ia então dizer que tem absoluta razão o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello ao afirmar que:

“O voto obrigatório apresenta inconvenientes óbvios. Desde logo, é o melhor aliado da utilização do poder econômico como recurso eleitoral. Com efeito, o eleitor que necessita ser ameaçado de sanções para votar, ou que precisa ser arrastado às urnas pelos candidatos, dado o escasso ou nenhum interesse em fazê-lo sponte propria, demonstra de modo evidente que valoriza o próprio voto e que não tem consciência alguma de sua importância. Daí que dele disporá, sem resistência ou constrangimento, em troca de benefícios ou comodidades materiais, os quais serão tanto mais facilmente ofertáveis quanto maiores forem os recursos econômicos que o candidato possa mobilizar para tal fim (…) Quem não se sente interiormente estimulado para escolher um mandatário, é porque não atribui significado político a este comportamento ou sequer tem consciência disso, razão por que, compelido ao voto, com maior facilidade do que outros facilmente sufragará qualquer pessoa de notoriedade, seja no âmbito esportivo, radiofônico ou televisivo, sem que seu sufrágio esteja a exprimir o correlato gesto de cidadania.”

Será que a eleição da OAB-AL, por ser atípica, merece um estudo mais aprofundado, eis que o comparecimento do inadimplente à seção de votação foi de apenas 40%?

BIBLIOGRAFIA

LIVROS E ARTIGOS

AKEL. Hamilton Elliot. “O poder Judicial e a criação da norma individual”, Saraiva, 1995, São Paulo.

BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. “Representatividade e Democracia”. In Direito Eleitoral/coordenadores Cármen Lúcia Antunes Rocha e Carlos Mário da Silva Velloso, Belo Horizonte, Del Rey, 1996.

SILVA. José Affonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”, São Paulo Malheiros, 9ª Ed., 1995.

SOUTO. Cláudio e Solange. “Sociologia do Direito. Uma visão substantiva”, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2ª Ed., 1997.

TAVARES, José Antonio Giusti. “Sistemas Eleitorais nas democracias contemporâneas: teoria, instituições, estratégia.”, Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994.

OLIVEIRA, Luciano. “Ilegalidade e direito Alternativo. Notas para extrair alguns Equívocos”.

DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA

EDITAL DA COMISSÃO ELEITORAL Nº 02/97, publicada no D.O.E./AL de 21.10.97, pg. 48.

RESOLUÇÃO OAB Nº 01/97 publicada no D.O.E./AL de 12.09.97, pg 40.

PETIÇÃO INICIAL DO PROC. 97.006564-2 1ª VARA DA JF EM ALAGOAS, DA LAVRA DO AUTOR DA MONOGRAFIA.

Revista Consultor Jurídico, 2 de dezembro de 2000.

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