Lei das S.A's

Advogado analisa a crise do mercado de capitais e lei das S.A's

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1 de dezembro de 2000, 11h00

Maio de 1997. O governo consegue aprovar a Lei n° 9.457, de 05.05.97, empreendendo decisivas modificações na Lei n° 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), e na Lei n° 6.385/76 (Lei do Mercado de Capitais). Menos de 3 anos depois, começa a tramitar no Congresso Nacional um novo projeto de lei objetivando novamente a reformulação da lei societária.

A pretendida reviravolta legislativa, de iniciativa do deputado governista Antônio Kandir (PSDB-SP), é tida como urgente, diante da acentuada crise no mercado de capitais no país.

Quando da Reforma de 1997, destacou-se, de maneira geral, a intenção do legislador em diminuir o rol de garantias, até então conferidas aos acionistas minoritários em face dos controladores.

Dentre algumas novidades nesse sentido, o ponto mais controvertido foi a extinção da obrigatoriedade de oferta pública para aquisição de ações ordinárias dos minoritários, por ocasião da alienação de controle de companhia aberta.

Sob a égide da legislação anterior, o comprador deveria adquirir as ações dos minoritários, que assim desejassem, mediante o mesmo preço pago por àquelas integrantes do bloco de controle.

O fim da oferta pública aos minoritários, conhecida no mercado como tag along, tinha um objetivo notoriamente casuístico. O governo preparava diversas privatizações, em especial, de duas gigantes estatais: a Companhia Vale do Rio Doce e a Telebrás.

Acreditava-se que a obrigação da oferta pública aos minoritários inviabilizaria o processo de privatização, ou pelo menos, diminuiria, em muito, o preço a ser pago pelo bloco controlador, detido pelo governo.

Hoje, o governo tenta trilhar o caminho inverso, e o novo projeto de reforma da Lei das S.A’s prevê o pagamento de pelo menos 80% do preço a ser pago pelo bloco de controle, em oferta pública aos minoritários. Não é à toa. No cenário anterior, o governo figurava como controlador em grandes companhias abertas brasileiras. Atualmente, ele é, na maioria dos casos, um minoritário.

Porém, nem toda a crise pode ser imputada à Lei 9.457/97. Verifica-se um processo de concentração econômica em termos globais, não só em relação às grandes corporações, mas também nos chamados mercados organizados.

Essa tendência já levou à fusão da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro com a BOVESPA, levando quase todas as operações realizadas na bolsa carioca para São Paulo.

Outro sintoma, que decorre de uma verdadeira “concorrência” entre diferentes bolsas de valores, é a crescente colocação de ações brasileiras na Bolsa de Nova York, através da emissão de ADR’s – American Deposit Receipt.

Muitas das empresas recém privatizadas vêm requerendo o fechamento de seu capital no Brasil, buscando novos mercados para captação de recursos e, acima de tudo, liquidez. Essas empresas, hoje controladas por grandes multinacionais, sentem-se mais capacitadas a concorrer em um mercado internacional de valores mobiliários do que antes, quando estavam nas mãos do governo.

Muitas empresas reclamam, também, dos altos custos para se manter ações listadas em bolsas brasileiras, ao contrário do que ocorre nas americanas. Os principais vilões são a taxa de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários e sobretudo a incidência da CPMF sobre as operações em bolsa.

Em recente entrevista à Revista República, o deputado Antônio Kandir, relator de ambas as reformas legislativas, buscou justificar as idas e vindas da lei societária. Segundo o parlamentar, as privatizações que justificaram a extinção temporária da oferta pública obrigatória aos minoritários eram essenciais ao país. Sem elas, a economia brasileira não passaria ilesa pelos diversos solavancos da economia mundial.

Segundo o parlamentar, o receituário para se criar um mercado de capitais forte no país passa por uma reforma tributária, pelo fim da CPMF, pela nova Lei das S.A’s, e por um órgão regulador forte. Kandir utiliza-se também de uma expressão bem em moda atualmente: governança corporativa. Ou seja, um rol de princípios básicos a serem seguidos pelas companhias abertas, de forma que aqueles que nela investiram, no caso, os minoritários, tenham a certeza que seus recursos serão empregados única e exclusivamente com o objetivo da companhia, e não com os objetivos individuais de seus participantes.

Atualmente a votação da nova reforma da Lei das S.A’s no Congresso se tornou um verdadeiro imbróglio, no qual aliados e opositores voltam-se para a questão do tag along. Não se chega a uma conclusão sobre até que ponto a definição de certos direitos na Lei pode estimular ou engessar o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil.

O governo acena com a chamada governança corporativa, enquanto a Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA) argumenta que o tiro pode sair pela culatra, uma vez que a oferta pública aos minoritários pode dificultar a entrada de capital novo na companhia, em virtude do encargo que impõe aos compradores do controle.

Enquanto a discussão é empurrada pela inércia legislativa própria do período eleitoral, e provavelmente, durante o recesso parlamentar de férias, uma coisa é certa: seja qual for a solução encontrada pelos parlamentares, nos restará sempre a imagem de um país onde as regras e as leis são extremamente instáveis e ajustáveis a conveniências políticas comprometidas com interesses unicamente setoriais.

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