Obra protegida

Procurador de São Paulo discute direitos autorais

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30 de novembro de 2000, 23h00

O Direito de Autor é hoje, indiscutivelmente, um dos mais promissores ramos da ciência jurídica. As inovações tecnológicas o transformaram em um fértil campo de estudos e discussões em vários níveis.

Uma ampla gama de intrincadas relações jurídicas e de problemas práticos vem sendo trazida à baila, nos últimos tempos, em decorrência dos avanços técnicos e científicos que estão a ocorrer em progressão geométrica.

Infelizmente, no entanto, a ciência jurídica que trata de toda essa temática em ebulição – o Direito de Autor – não é muito difundida em nosso País, nem em sede doutrinária, nem do ponto de vista estritamente prático.

O objetivo deste trabalho é permitir ao grande público leitor que tome contato com esse fundamental campo de estudos, cuja latitude vem sendo aumentada a cada dia, gerando um sem-número de questionamentos de alta indagação.

Inicialmente, é importante frisar que o Direito de Autor é regulado, em nosso País, pela Lei Federal 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Esse diploma legal encontra fundamento de validade no artigo 5º, XXVII e XXVIII, da Constituição Federal.

O objeto do Direito de Autor é a obra intelectual. As obras intelectuais protegidas são as criações do espírito (literárias, artísticas ou científicas), expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.

A proteção autoral incide sobre a criação do espírito desde o momento em que ela é plasmada em um suporte, que pode ser tangível (como no caso de livros, esculturas, pinturas, gravuras, etc.) ou intangível (como, exemplificativamente, no caso da obra coreográfica).

Aliás, o próprio suporte pode ser conhecido ou decorrer do aperfeiçoamento técnico, o que acarreta a permanência, na reserva do autor, de todos os modos de fixação ainda não desenvolvidos quando do entabulamento de qualquer negócio jurídico que envolva a cessão de direitos autorais.

Dentre as obras protegidas, destaque merece ser dado ao software (programa de computador). Trata-se da expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar do modo e para fins determinados.

Constitui o software obra literária, o que o distancia do hardware (máquina). Sobre o assunto, vejam-se CARLOS ALBERTO BITTAR (A Lei do Software e seu Regulamento, Rio de Janeiro, Forense, 1988) e CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO (A Nova Regulamentação do Software no Direito Brasileiro, in Informativo Dinâmico IOB, ano XXII, ed. 33, exp. em 11/5/98, p. 6). A propósito, o software é regulamentado por diploma legal específico, a saber: Lei Federal 9.609, de 19 de fevereiro de 1998.

A exigência fundamental para a proteção da lei autoral é que a obra seja revestida de um mínimo de criatividade, pouco importando a sua qualidade (CARLOS ALBERTO BITTAR, Direito de Autor, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1994, p. 20).

Cuida-se de aferição meramente objetiva, evitando que a incidência do Direito de Autor se visse vinculado a critérios puramente subjetivos (como o “bom gosto”, por exemplo). Assim, não estão sob o pálio da proteção autoral as atividades de caráter meramente técnico (como, por exemplo, a digitação de obra escrita).

Considera-se autor a pessoa física criadora de obra protegível, podendo a proteção autoral aplicar-se às pessoas jurídicas nas hipóteses abrangidas pela lei. Praticamente falando, reputa-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário, àquele que, por uma das modalidades de identificação legalmente previstas, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização.

A proteção autoral decorre da fixação da criação do espírito em um suporte, independendo de registro, cujo caráter, pois, é meramente facultativo e assecuratório. Do ponto de vista prático, porém, é muito importante o registro, que constitui valioso elemento de prova da autoria.

O direito autoral apresenta caráter complexo, sendo constituído por duas facetas que se completam e se fundem: os direitos morais e os direitos patrimoniais.

Dentre os aspectos morais do direito de autor, encontram-se as seguintes faculdades juridicamente protegidas: a) a de reivindicação da autoria; b) a de dar nome à obra; c) a de conservar a obra inédita; d) a de zelar pela integridade da obra; e) a de modificação da obra; f) o de retirada da obra de circulação.

Os direitos morais de autor são inalienáveis, imprescritíveis, extrapatrimoniais, impenhoráveis e irrenunciáveis, exatamente por serem direitos da personalidade (ADRIANO DE CUPIS, Os Direitos da Personalidade, trad., Lisboa, Livraria Morais, 1961, pp. 17 e ss.; RUBENS LIMONGI FRANÇA, Manual de Direito Civil, v. 1, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1975, p. 406; JOSÉ CASTÁN TOBEÑAS, Los Derechos de la Personalidad, Madrid, Instituto Editorial Reus, 1952, pp. 22 e ss.).

Aliás, são os únicos direitos dotados de validade ad infinitum, projetando a personalidade do criador para todo o sempre (CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, Apontamentos sobre a Nova Lei Brasileira de Direitos Autorais, in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, nº 139, julho / setembro de 1998, p. 232).

No que tange aos direitos patrimoniais de autor, aproximam-se eles dos direitos reais, consistindo na faculdade juridicamente protegida de que dispõe o autor de fruir da produção de seu intelecto. Para que terceiros utilizem a obra, por quaisquer modalidades, urge que haja prévia e expressa autorização do autor.

Aliás, as diversas modalidades de utilização de obras protegidas são independentes entre si, o que implica que a autorização concedida pelo autor relativamente a uma não se estende a nenhuma outra.

Via de regra, os direitos patrimoniais de autor perduram por setenta anos, contados de 1º de janeiro do ano subseqüente ao do falecimento de seu titular, dentro da ordem sucessória da lei civil.

Pertencem ao domínio público as obras em relação às quais tenha decorrido o prazo de proteção dos direitos patrimoniais, as de autores falecidos que não hajam deixado sucessores e as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.

Determinadas condutas não constituem ofensas aos direitos autorais, dentre as quais podem ser citadas: a) a citação de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, com a indicação do nome do autor e da origem da obra; b) a utilização de obras protegidas com o fito de produção de prova judiciária ou administrativa.

Os direitos autorais (patrimoniais) podem ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, diretamente ou pelos sucessores, a título universal ou singular, através de licenciamento, concessão, cessão ou outros meios admitidos em Direito, obedecidos determinados parâmetros, dentre os quais a adoção da forma escrita na hipótese de transmissão total e definitiva dos direitos. A cessão de direitos autorais — onerosa ou gratuita– será sempre feita por escrito, presumindo-se onerosa.

No campo da realização dos direitos patrimoniais, é facultado aos autores e aos titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro (associações de titulares).

De acordo com a conduta lesiva aos direitos autorais, existe a previsão, no ordenamento brasileiro, de sanções civis, administrativas ou penais. Em sede administrativa, os instrumentos de tutela são divididos em preventivos (como o registro, a consulta, a assistência e a fiscalização) e repressivos (como a aplicação de multas).

No campo civil, existem vários meios de ação à disposição do lesado: ações cautelares (como a de busca e apreensão), declaratórias, cominatórias e de reparação de danos, dentre outras. Em sede penal, há os delitos previstos no Código Penal e na Lei do Software. Para uma análise mais profunda da temática, veja-se CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, Tutela da Personalidade no Atual Direito Brasileiro (in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 32, nº 125, janeiro/ março de 1995, pp. 45 – 57) e Tutela dos Direitos da Personalidade e dos Direitos Autorais nas Atividades Empresariais (em co-autoria; São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993).

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