Juros sobre juros

Advogados atacam MP que legalizou capitalização de juros

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12 de abril de 2000, 0h00

Sorrateiramente, como definem advogados, o governo legalizou a capitalização de juros (cobrança de juros sobre juros) utilizada pelos bancos para reajustar os empréstimos concedidos aos clientes.

O meio utilizado pela União foi a Medida Provisória 1.963, que dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, editada pela 17ª vez no último dia 30 de março.

A legalização da matéria faz, no mínimo, com que os bancos deixem de gastar tempo e dinheiro com defesas judiciais. É que existem milhares de processos contra a prática da cobrança de juros sobre juros tramitando na Justiça.

“Na maioria dessas ações, o banco sai perdedor”, afirmou à revista Consultor Jurídico o advogado Ernesto de Oliveira São Thiago Neto, especialista no assunto.

O advogado explica que a única exceção são os casos que envolvem cédulas de crédito, onde a capitalização é permitida. O Superior Tribunal de Justiça, segundo ele, têm jurisprudência firmada nesse sentido.

Um caso concreto da declaração de Thiago Neto é a decisão do juiz da 5ª Vara de Falências do Rio de Janeiro, José Carlos Maldonado, que condenou 14 bancos a devolver a seus clientes, com os acréscimos legais, os valores obtidos em cobranças de juros compostos.

A decisão foi tomada no final do ano passado em ação civil coletiva proposta pela Associação Nacional de Assistência ao Consumidor e Trabalhador (Anacont) contra os bancos. Na ocasião, foi estabelecida multa de R$ 1 mil por dia em caso de desobediência.

Na sentença, o juiz Maldonado afirmou que a cobrança de juros sobre juros “ofende a ordem pública de proteção ao consumidor, base normativa de todo o Código de Defesa do Consumidor”. Para ele, “a inclusão de cláusula que possibilite a capitalização de juros se mostra inadmissível e, por conseguinte, deve ser repelida, por ser abusiva, onerosa e excessiva”.

Para o advogado Joaquim Ernesto Palhares, do escritório Palhares Advogados Associados, especializado em direito bancário, os efeitos da prática de capitalização de juros, “tão nefasta e onerosa, são incompreensíveis para o homem médio”.

Os dois advogados estranham a inclusão do dispositivo que permite a capitalização somente na 17ª edição da MP. “Eu defino isso como um golpe”, afirma Thiago Neto.

Palhares diz que a legalização da cobrança foi incluída “de forma estranhamente sorrateira porque até a reedição da Medida Provisória 1963-16 não existia o artigo 5º que trata da capitalização de juros”.

Ambos concordam que o dispositivo é inconstitucional. “A matéria ali tratada somente poderia ser objeto de lei complementar, além do que carece dos pressupostos de relevância e urgência”, garante Palhares.

Para Thiago Neto, “desde quando a análise das atribuições do Conselho Monetário Nacional passaram a ser de competência do Congresso Nacional, foge da alçada do governo regulamentar o assunto”.

“O que me deixa temeroso é o fato de que o sistema financeiro privado consegue influir fortemente em decisões que afetam toda a nação”, conclui o advogado.

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