Ensino Jurídico

Artigo: A deficiência dos cursos de graduação em Direito

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12 de abril de 2000, 0h00

Decerto, a graduação no Curso de Direito deve estruturar-se de forma a prover o aluno dos subsídios suficientes à prática jurídica, em nível satisfatório das qualidades que a carreira requer, nas diversas searas em que pode encontrar-se o futuro operador do Direito.

Tal desiderato orienta o curso jurídico, bem como o seu magistério, no sentido de possibilitar a abordagem das matérias essenciais dentro do tempo considerado suficiente. Durante cinco anos, aplica-se uma metodologia de ensino no intuito de transmitir os conhecimentos fundamentais ao domínio do mister instrumento à ordenação da multíplice dinâmica social, o Direito.

A realidade da rotina acadêmica, entretanto, tem demonstrado a falácia da metodologia empregada nos cursos de Direito que, com o emprego do magistério exclusivamente discursivo, sem a participação dos próprios utentes das informações expostas, tem contribuído para afastar cada vez mais o interesse e o empenho dos alunos, os quais se defrontam dia-a-dia com uma avalanche de informações que acabam ao final de cada aula por dispersar-se em razão da falta de sedimentação das matérias expostas.

A Ciência do Direito, construída pelo labor exegético que se propõe a desvendar as sendas obscuras do Direito Positivo tem sido preterida em favor do apego, nos cursos de graduação, ao estudo literal e acrítico da lei.

Essa realidade, ao mesmo tempo que desmotiva o estudante e o distancia do compromisso com o estudo, afigura-nos precursora de dados preocupantes, os quais ensejam manifestações desse teor:

“O índice de aprovados na primeira fase do 110º Exame de Ordem (40,86%), embora superior ao da avaliação anterior (31,54%), surpreendeu mais uma vez o presidente da Comissão Permanente de Estágio e Exame de Ordem, Vitorino Francisco Antunes Neto. De 15.873 inscritos, 6.487 foram considerados aptos para realizar a segunda fase. “É uma aprovação muito baixa, especialmente neste exame de dezembro, que costuma ter um índice maior de aprovação, porque o pessoal acabou de sair da faculdade e está com a matéria ainda bem presente”, disse Vitorino”(1)

Também corolário da malograda graduação universitária são os

exemplos aviltantes das carreiras jurídicas que nos são apresentados corriqueiramente, reveladores da situação em que se encontra uma sociedade jurídica marcada pela escassez de excelência profissional, por sua vez responsável, muitas vezes, por fracassos rudimentares nos pleitos e defesas judiciais, por despautérios nas sentenças e, até mesmo, pela corrupção degradante do mais meritório dos ofícios.

Mormente no âmbito do Direito, onde há uma profusão de conceitos e institutos permeando uma legislação cada vez mais atécnica, a experiência acadêmica demonstra que a apreensão da matéria depende, em realidade, de uma sinergia entre professores e alunos que fomente o raciocínio crítico e a aptidão para interpretar o ordenamento jurídico reconhecendo sua unidade. Para tanto, é preciso que o aluno entre em contato com os princípios da metodologia científica . É a inserção na Ciência Jurídica que faz aflorar no graduando, que realmente se afina com o Direito , o espírito construtivo e inovador, aquele que está presente nos verdadeiros mestres que exercem o magistério, no advogado combativo na defesa de suas teses e no magistrado que suporta o fardo de encaminhar o destino dos juridicionados.

A pesquisa, leitura, interpretação e discussão acerca dos temas jurídicos, desde a graduação, é primordial para o desenvolvimento da mais cara habilidade do operador do Direito, o domínio da argumentação, pela escrita e pela oratória. Os monólogos diários assistidos pelos estudantes na faculdade tolhem a criatividade e disperdiçam talentos que acabam impedidos de se revelar.

Impende, no Curso de Direito, uma renovação metodológica que traga ao ambiente acadêmico o empenho na pesquisa, o estímulo ao debate e contradição das idéias, e que desperte o raciocínio crítico e a habilidade interpretativa, essenciais aos verdadeiros advogados, juízes, promotores… Tal iniciativa certamente implicará na motivação pelo estudo do Direito, atraindo à graduação estudantes cujo interesse pela matéria só poderá resultar no sucesso acadêmico, bem como no profissional. Do contrário, continuaremos a lamentar o acúmulo reiterado de bacharéis e profissionais desmotivados e inaptos a exercer sua profissão, além de termos que conviver com o desprestígio experimentado por uma classe jurídica que tem sua imagem denegrida, muitas vezes, em função do menoscabo presente na formação de seus profissionais.

Não é o escopo de nossas considerações, contudo, condenar o universo de professores e faculdades de Direito pelo caminho trilhado no magistério jurídico. É sabido que ainda encontramos nos cursos jurídicos profissionais interessados no crescimento acadêmico e científico de seus discentes.

Propusemo-nos apenas a manifestar um juízo construído pela vivência acadêmica, de forma a contribuir singelamente para a reflexão daqueles que, como nós, alçam a importância da formação primeira num fascinante curso, cujo objeto inere ao anseio de uma sociedade mais ordenada e justa e que se faz, no momento, por demais menosprezado.

Notas

1 – Tribuna do Direito, fevereiro de 2000.

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