Cartões de Crédito

Abuso das administradoras de cartões de crédito

Autor

  • Celso Oliveira

    é membro dos Institutos Brasileiros de Direito Bancário de Política e Direito do Consumidor de Direito Societário e de Direito Bancário. Também é membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e da Associação Portuguesa de Direito do Consumo.

18 de setembro de 1999, 0h00

Introdução

Trata-se o presente estudo em uma análise a respeito dos abusos cometidos pela Administradoras de Cartões de Crédito sob a luz da nossa jurisprudência.

No particular, na maior parte dos países desenvolvidos, o crédito pessoal ao consumidor é instrumentalizado pelo cartão de crédito, o qual é utilizado para substituir o transporte físico da moeda e até mesmo para as grandes compras, com o qual é adquirido até mesmo o prosaico leite matinal. FRAN MARTINS em sua obra Cartões de Crédito , mostra que o cartão de crédito é uma forma de democratização do crédito de curto e de médio prazo, que evita os riscos e incômodos do transporte do dinheiro, bem como propícia a compra de bens e serviços a prazo.

Neste sentido introdutório devemos expor na visão de FRAN MARTINS que a emissão dos cartões de crédito propriamente ditos figuram empresas bancárias , que possibilitam ao titular do cartão a utilização de um crédito bancário, e empresas não bancárias que, apesar de concederem crédito ao titular, não permitem que esse se utilize do crédito bancário, ficando, portanto, o comprador a dever à empresa e não a um estabelecimento de crédito. Essas empresas intermediárias emitem os cartões e os distribuem a pessoas físicas ou jurídicas, credenciando-as a adquirir bens ou serviços de terceiros, filiados ao sistema emissor, devendo o pagamento das despesas ser feito, ao vendedor, não pelo comprador, mas pelo organismo emissor dos cartões.

Relação Financeira e Jurídica

Na relação financeira entre as partes, que embora realizada na maioria das vezes, entre particulares, há a evidência, manifesto interesse público diante, da dimensão do próprio interesse que cerca a matéria envolvendo o cartão de crédito. Devemos ressaltar a existência de uma divergência entre o sistema dos cartões de créditos bancários dos não bancários.

Na visão de FRAN MARTINS temos que o sistema dos cartões de créditos bancários diverge, entretanto, dos não-bancários, em virtude de nele poderem os titulares recorrer a uma abertura de crédito bancário, o que não se dá com os não bancários. Essa abertura de crédito ocorre quando o pagamento das dívidas feitas pelo titulares é parcelados. Em tal caso, podem os administradores, em nome dos titulares, negociar com instituições financeiras uma abertura de crédito para financiamento dessas importâncias não pagas quando da apresentação das notas de venda pelos emissores. Isso significa que os organismos emissores recebem do banco financiador as importâncias totais restantes para a liquidação do débito dos titulares, passando esses a dever não mais aos emissores, mas aos bancos creditadores. Em tais condições, chega-se à conclusão que os titulares jamais se tornam devedores dos emissores nos parcelamentos. Estes terão todas as dívidas dos portadores dos cartões saldadas quando da cobrança das mesmas, ou diretamente pelos emissores, ou pelas instituições financeiras que abriram crédito aos titulares, transferindo para os emissores as importâncias devedoras daqueles.

A distribuição de crédito via o instrumento de cartão de crédito, quer na forma de crédito junto ao comércio e na forma de crédito financeiro temos na concepção técnica e com o objetivo jurídico das discussão dos abusos cometidos pelas Administradoras de Cartões de Crédito pois atualmente, o cidadão ou consumidor se encontra mais desprotegido e em razão do desenvolvimento do setor, devidamente estruturado e planificado com a moderna técnica de atuar, inclusive, informatizado, impondo, nessa relação, a vontade preponderante do em sacrifício do consumidor pois, nem sempre, tem condições de impor ou exigir igualdade no tratamento.

Falece, assim de melhores condições para um tratamento igualitário que, na relação contratual e financeira, deve existir resultando, em tempos atuais, ausente inclusive a participação de um dos pólos interessados na elaboração do contrato com a Administradora do Cartão de Crédito, pois sem qualquer anuência da parte consumidora, impõe um contrato sem qualquer possibilidade de discussão referente aos seus limites e conseqüências.

Esse contratante ou consumidor, conforme vamos analisar no prisma da jurisprudência , surge como a parte fraca no relacionamento contratual motivando, portanto, possibilidade de atuação abusiva do fornecedor do crédito. Essa chamada massificação do consumo envolvendo o cartão de crédito tem um grande crescimento quantitativo e qualitativo. Vejamos a evolução de índices dos cartões de crédito no ano passado:

Evolução dos índices dos cartões de crédito, mês a mês, de janeiro a dezembro de 1998. Base: Janeiro/98. Índice Inicial = 100

Janeiro

Número de Cartões: 19.442.998 – Índice: 100,00

Número de Transações: 52.354.213 – Índice: 100,00


Valor das Transações (US$): 2.748.273.900,00 – Índice: 100,00

Fevereiro

Número de Cartões: 19.499.382 – Índice: 100,29

Número de Transações: 45.214.177 – Índice: 86,36

Valor das Transações (US$): 2.284.479.900,00 – Índice: 83,12

Março

Número de Cartões: 19.567.629 – Índice: 100,64

Número de Transações: 46.122.167 – Índice: 88,10

Valor das Transações (US$): 2.305.557.300,00 – Índice: 83,89

Abril

Número de Cartões: 19.861.143 – Índice: 102,15

Número de Transações: 49.312.547 – Índice: 94,19

Valor das Transações (US$): 2.483.742.100,00 – Índice: 90,37

Maio

Número de Cartões: 20.178.921 – Índice: 103,79

Número de Transações: 54.727.064 – Índice: 104,53

Valor das Transações (US$): 2.690.873.100,00 – Índice: 97,91

Junho

Número de Cartões: 20.280.510 – Índice: 104,31

Número de Transações: 50.122.076 – Índice: 95,74

Valor das Transações (US$): 2.585.682.200,00 – Índice: 94,08

Julho

Número de Cartões: 20.540.245 – Índice: 105,64

Número de Transações: 53.229.644 – Índice: 101,67

Valor das Transações (US$): 2.680.576.700,00 – Índice: 97,54

Agosto

Número de Cartões: 20.641.539 – Índice: 106,16

Número de Transações: 52.119.231 – Índice: 99,55

Valor das Transações (US$): 2.594.798.200,00 – Índice: 94,42

Setembro

Número de Cartões: 20.748.875 – Índice: 106,72

Número de Transações: 52.848.900 – Índice: 100,94

Valor das Transações (US$): 2.609.329.100,00 – Índice: 94,94

Outubro

Número de Cartões: 21.099.100 – Índice: 108,52

Número de Transações: 55.119.210 – Índice: 105,28

Valor das Transações (US$): 2.734.190.500,00 – Índice: 99,49

Novembro

Número de Cartões: 21.485.102 – Índice: 110,50

Número de Transações: 56.863.228 – Índice: 108,61

Valor das Transações (US$): 3.020.532.185,00 – Índice: 109,91

Dezembro

Número de Cartões: 22.001.502 – Índice: 113,16

Número de Transações: 73.210.502 – Índice: 139,84

Valor das Transações (US$): 3.295.185.210,00 – Índice: 119,90

Cartão de Crédito e a Relação de Consumo

O cartão de crédito motiva o próprio consumo e já alguns chegam a sustentar que estamos em plena transformação da sociedade de consumo em sociedade de crédito. Portanto, o crédito de consumo resulta convertido numa peça indispensável para um sistema que busca uma ótima combinação entre a satisfação das necessidades de consumo e a sobrevivência do próprio modelo econômico brasileiro. As conseqüências em relação ao consumidor resultam enormes, inclusive, diante constante oferta de crédito facilitado pelas Administradoras de Cartões de Crédito, em perda da racionalidade na negociação hipotecando seu próprio futuro.

Assim, aplica-se os dogmas contido no Código de Defesa do Consumidor aos contratos de adesão das Administradoras de Cartões de Crédito. Os contrato não fogem a essa incidência, na medida em que se refiram a pactos celebrados entre a Administradora de Cartões de Crédito e o usuário, como consumidor, ou seja, efetivo destinatário final – econômico do crédito utilizado junto ao comércio ou aos recursos utilizados pelo sistema de crédito saque cash junto a Administradora.

O contrato de prestação de serviços de administração de cartão de crédito ou o contrato de associado das Administradoras de Cartões de Crédito são contratos do tipo de adesão com a incidência das normas de proteção do consumidor, pois, com essas operações, o usuário do serviço da Administradora pode efetivamente ser o destinatário final dos recursos (inclusive o sistema cash). O sistema de proteção e defesa do consumidor não permite que se interprete o art. 29 do CDC de modo a entender-se que todos quantos estejam simplesmente expostos a qualquer tipo de prática comercial abusiva possam invocar a proteção das normas do CDC. A proteção das normas especiais do CDC ocorre em todos os casos envolvendo a Administradora do Cartão e o Consumidor que encontra o respaldo jurídico do art. 2.º do Código de Defesa do Consumidor, pois conforme comprovamos trata-se de uma relação de consumo. Comentando o alcance do prescrito pelo art. 52 do CDC, diz Nelson Nery Júnior que:

“Neste dispositivo a lei ratifica os termos do art. 3º, § 2º, que define o serviço como objetivo de relação de consumo incluindo nesse conceito os de natureza creditícia e financeira”. São redutíveis ao regime deste artigo todos os contratos que envolverem crédito, como os de mútuo, de abertura de crédito rotativo, de cartão de crédito, de financiamento de aquisição de produto durável por alienação fiduciária ou reserva de domínio, de empréstimo de aquisição de imóvel etc., desde que, obviamente, configurem relação jurídica de consumo, em que o creditado, o financiado ou o contratante do mútuo seja o beneficiário final do ajuste, ou seja, não se constitua um caso de repasse do numerário.


E acrescenta: “Assim, não só os contratos bancários, mas também os celebrados entre o consumidor e a instituição financeira tout court submetem-se à norma comentada”

(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 2. ed., Forense Universitária, 1992, p. 371-372).

O espectro de abrangência do Código de Defesa do Consumidor atinge todas as operações e o contrato de emissão e utilização dos cartões de crédito. O Código de Defesa do Consumidor, em seu Capítulo VI, Seção II, ao tratar das cláusulas abusivas, dispõe:

“Art. 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;

§1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”

Não há dúvida, que os contratos das Administradoras de Cartões de Créditos são regidos pelas normas contida no Código de Defesa do Consumidor . Assim, vejamos os precedentes dos nossos Tribunais a respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos das Administradoras de Cartões de Crédito:

Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo

Apelação Cível Nº 732.366-4 – Pederneiras – 7ª Câmara de Férias de Julho/97 – TASP – 1997 Relator Juiz BARRETO DE MOURA

Aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor aos contratos que envolvam crédito, como os de mútuo, de abertura de crédito rotativo, de cartão de crédito, de aquisição de produto durável por alienação fiduciária além de outros desde que configurem relação jurídica de consumo.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal

Apelação Cível Nº 46.623/97 – 2ª Turma Cível Relator Des. EDSON ALFREDO SMANIOTTO

CONTRATO DE ADESÃO – CARTÃO DE CRÉDITO – CONSUMIDOR QUE ADQUIRE PARCOS MATERIAIS DE CONSUMO E SE VÊ ENVOLVIDO EM JUROS E ACRÉSCIMOS EXORBITANTES – MANIFESTAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL EXAGERADA – OFENSA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Ao Código de Defesa do Consumidor e, de resto, à consciência jurídica, repugnam as cláusulas contratuais que se mostrem excessivamente onerosas para o consumidor. A equação financeira dos contratos deve, afinal, trazer proveito senão equivalente, pelo menos aproximativo às partes contratantes

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

AGRAVO DE INSTRUMENTO 1300 /1999 – Reg. 16/06/1999 –

JDS. DES. BERNARDO GARCEZ – Julg: 07/04/1999

Prestação de contas. Cartão de crédito. Legitimidade ativa do consumidor. I – A prestação de serviços de crédito, através de cartões, é atividade abrangida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, o que obriga o fornecedor a dar informações corretas sobre os serviços, suas condições e preço (art. 6., III, CDC). II – A remessa de extratos mensais da movimentação do crédito ao cliente não implica em desonerar o fornecedor de dar contas, principalmente se houver divergência sobre o equilíbrio débito e crédito. Precedentes no STJ. III – Recurso da fornecedora de serviços não provido. (LCR)

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL N.º 71.578/RIO GRANDE DO SUL – REGISTRO 95385775

RELATOR: O EXM.º SR. MINISTRO NILSON NAVES

EMENTA

Cartão de crédito. Contrato de adesão. Segundo o disposto no § 3º do art. 54, do Cód. de Def. do Consumidor, “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”. Caso em que o titular não teve prévia ciência de cláusulas estabelecidas pela administradora, não lhe podendo, portanto, ser exigido o seu cumprimento.

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