Princípio da Insignificância

Princípio da Insignificância: Porque é preciso refletir.

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15 de setembro de 1999, 0h00

1 – Introdução

A análise do conceito de insignificância para o Direito Penal exige, preliminarmente, que se faça a delimitação de seu campo de estudo. Isto em razão das várias nuances que possui, com reflexos em diversas áreas do direito criminal.

a) Com efeito, pode-se constatar sua inserção no âmbito da POLÍTICA CRIMINAL, onde se acha inserido no contexto do Direito Penal Mínimo, (em linhas gerais o Direito Penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes – Munõz Conde apud Greco, Rogério, Direito Penal, vol., ed. Cultura, BH, 1998, fls. 53). Nesta hipótese, seu estudo desenvolver-se-ia sob o aspecto da atuação do aparato estatal, seja ao produzir a lei (de lege ferenda), como também no modo de deduzi-la ao caso concreto.

b) Sob outro prisma, o princípio da Insignificância pode ser observado já no contexto do próprio Direito Penal existente (de lege lata), acerca de seu fundamento técnico-jurídico, mencionando-se a maneira como vem sendo enfrentado pelos Doutrinadores, e aí, já se pode adiantar que funciona como EXCLUDENTE DE TIPICIDADE.

c) Pode-se, também, vislumbrá-lo enquanto PRINCÍPIO DA CIÊNCIA PENAL, sendo mister um estudo conjugado com outros princípios, tanto de hermenêutica (razoabilidade, subsunção e interpretação dinâmica), quanto de Direito Penal (legalidade, intervenção mínima, adequação social, fragmentariedade, ofensividade), a fim de colimar o exato alcance e extensão do conteúdo penal do tipo.

d) É conveniente, ainda, não olvidar do estudo de casos julgados pelos Tribunais, (JURISPRUDÊNCIA) para nos inteirarmos de como, concretamente, o Estado tem se posicionado quando da atuação da legislação vigente.

O presente artigo tentará, na medida de sua pequena pretensão, analisar acerca de sua natureza jurídica fazendo cotejo com a jurisprudência pátria (itens “b” e “d”).

2 – Conceito

Torna-se necessário, neste momento, apresentar o conceito formulado pela Doutrina e sintetizado na definição de Diomar Ackel Filho, para o qual “princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta o juízo de censura penal“(grifos). (apud Maurício Lopes, in Princípio da Insignificância no Direito Penal, 1ª ed. RT, 1997).

3 – Exclusão da tipicidade

É cediço que nosso direito consagra o princípio nullum crime sine lege, exatamente para que a lei atue como função garantidora dos direitos dos indivíduos face ao arbítrio estatal.

Tal princípio repercute no conceito de crime (fato típico, antijurídico e culpável), criando a necessidade de o Estado, antes de intervir concretamente na repressão a certas condutas, descrevê-las através de fórmulas abstratas, criando, assim, os TIPOS PENAIS, e com ele o juízo de atipicidade segundo o qual, “o tipo legal passa a desempenhar, ao lado da “função de garantia”, autêntica função seletiva, decidindo, em primeira mão, sobre: a) o que é crime, b) o que não é crime” (Assis Toledo, in Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, SP, 5ª ed., 1999, fls. 129).

Ocorre que, ao criar os tipos penais, o legislador trabalha NO ABSTRATO, sendo-lhe impossível prever, NO CONCRETO, a incidência de tal lei. “Vale dizer, a redação do tipo legal pretende certamente só incluir prejuízos graves à ordem jurídica e social, porém não pode impedir que entrem também em seu âmbito os casos mais leves, de ínfima significação social” (ZIPF, apud Paulo S. Queiroz, in Do Caráter Subsidiário do Direito Penal, ed. Del Rey, 1ª ed. BH, 1998, fls.122).

É, portanto, com grande sabedoria, e com a finalidade de reparar inevitáveis aberrações jurídicas, que os defensores da teoria da mínima intervenção estatal (Direito Penal mínimo) adotam a tese da insignificância, que se reflete no desmembramento da tipicidade em dois momentos distintos, quais sejam; a) tipicidade formal (que se resume na mera e pura adequação da conduta praticada pelo agente com o fato descrito na lei) e b) tipicidade material.

Com efeito, é na tipicidade material que se analisará o quantum da lesividade da conduta do agente face ao bem jurídico penal e a resposta sancionatória do Estado. É neste momento que o magistrado, ao atuar a lei deve sopesar, casualmente, e de forma prudente, se a conduta do agente não só se amolda à descrição legal (tipicidade formal), como também se há uma relevância na lesão sofrida pelo bem jurídico tutelado (conteúdo da tipicidade material), e, AINDA, se de tal relação surge a necessidade da atuação estatal, compondo esta lide (resposta penal).

Bem de ver-se que o tipo penal possui dois momentos distintos, como: a) “no processo de escolha das condutas POTENCIALMENTE ofensivas aos bens jurídicos MAIS RELEVANTES” (no momento da produção legislativa – e tipicidade formal); b) “e na CONFIRMAÇÃO da OFENSA MATERIAL significativa ou de perigo potencialmente relevante de dano ao bem jurídico tutelado” (tipicidade material) (Maurício Lopes, in Princípio da Insignificância no Direito Penal, 1ª ed. RT, 1997, fls. 113).

Assim, o tipo penal, deve ser entendido “na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu aspecto formal, de cunho diretivo. A ação descrita tipicamente há de ser geralmente ofensiva ou perigosa a um bem jurídico” (Maurício Lopes, in Princípio da Insignificância no Direito Penal, 1ª ed. RT, 1997, fls. 113).

Para rematar, Assis Toledo 131 ensina “não se pode falar ainda em tipicidade, sem que a conduta seja, a um só tempo, materialmente lesiva a bens jurídicos, ou ética e socialmente reprovável” (in Princípios, op. cit., fls. 131).

A propósito, o fundamento técnico-jurídico para se adotar o princípio da insignificância em nosso direito penal (como causa excludente da tipicidade) decorre da desnecessidade de se iniciar um processo de persecução criminal, oneroso ao contribuinte e traumatizante para o acusado, sem que tenha ocorrido efetiva lesão ao núcleo contido na lei repressora (localizado na tipicidade material) restando, neste caso, ao Estado, direcionar sua área de atuação para a repressão de outros crimes de maior gravidade face à sociedade.

Em síntese, a idéia norteadora do princípio da insignificância (repita-se, inserida no contexto do Direito Penal Mínimo) é a de que “a intervenção penal – traumática, cirúrgica e negativa – há de ficar reservada para a repressão de fatos que assumam magnitude penal incontrastável; havendo-se, assim, de recusar curso aos chamados delitos de bagatela.” (grifos) (Garcia-Pablos de Molina, apud Paulo S. Queiroz, in Do Caráter Subsidiário do Direito Penal, ed. Del Rey, 1ª ed. 1998, BH, fls. 125).

4 – Princípio da insignificância: Necessidade.

Esboçadas em linhas gerais as premissas técnico-jurídicas para a adoção do referido princípio, cabe agora ressaltar, com argumentos fáticos a imperiosa necessidade de sua adoção por parte dos magistrados que não mais podem ficar inertes, vinculados cegamente ao princípio da legalidade, sob pena de se tornarem mais realistas que o rei, ou como se dizia na antiga Roma summum ius, summa injuria.

O que se pretendeu com os tópicos acima foi destacar a profusão de reflexos que a insignificância efetivamente apresenta no âmbito do Direito Penal moderno, bem como quebrar um certa resistência/confusão que se faz com o furto famélico (crime de bagatela por excelência) demonstrando que aquela é muito mais complexa que este.

Porém, dois exemplos valem mais que mil palavras. Exemplos estes retirados do triste cotidiano forense:

a) – Amplamente divulgado pela mídia o fato de um processo ter chegado até o STJ, em razão de uma promotora pública, em Minas Gerais, ter denunciado 4 indivíduos pelo ROUBO DE 4 MINHOCAS !!!! (Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 1999 – net).

A decisão do STJ (1º junho de 1999) não poderia ser outra senão: “apanhar quatro minhocas não tem relevância jurídica. No caso incide o princípio da insignificância, porque a conduta dos acusados não tem poder lesivo suficiente para atingir o bem tutelado pela lei nº 5.197/67, que trata sobre crimes contra a fauna. A pena porventura aplicada seria mais gravosa do que o dano provocado pelo ato delituoso”. (grifei) IMAGINEM SE NÃO HOUVESSE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA !!

b) – Outro triste episódio, este ocorrido no Rio Grande do Sul, levou um indivíduo (Rambo), acusado pelo único vizinho pela prática de furto qualificado de cinco galinhas caipiras, que foram avaliadas em R$ 38,00, pois TRÊS eram GORDAS e DUAS MAGRAS, tendo sido condenado a cumprir DOIS ANOS E TRÊS MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO E SEM O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE (Revista Consultor Jurídico, 21.julho.1999 – net). Calma, depois Rambo foi absolvido pelo Tribunal de Justiça.

c) – Destaque-se, ainda, que a jurisprudência dos Tribunais vem adotando, modo geral, o princípio da insignificância face a determinados tipos penais, bastando uma rápida pesquisa em seus repositórios. São eles: descaminho, em que a quantia seja de pouco valor, tóxicos, desde que o volume de maconha seja ínfimo para confecção de um “fininho”, entre outros.

5 – Em conclusão, cabe aqui mencionar a existência de apenas um caminho a ser trilhado pelos operadores do Direito Penal. Ou se faz a opção por um modelo penal mínimo, que concentra sua repressão nas condutas efetivamente gravosas para o convívio em sociedade, ou se envereda pelo caminho da justiça penal das galinhas e das minhocas.

Sem dúvida, a primeira opção é mais nobre e digna de compor o presente do nosso Direito Penal Brasileiro.

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