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Reforma Tributária

Continuação: Reforma tributária gera polêmica. Confira a íntegra.

Autor

23 de novembro de 1999, 10h36

“Seção VI

Dos Impostos dos Municípios

Art. 156………………………………………………………………………

III – venda a varejo de mercadorias e prestação de serviços listados em lei complementar.

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

I – poderá ter alíquotas diferenciadas, de acordo coma localização ou o uso do imóvel, e alíquotas progressivas no tempo ou em razão do valor do imóvel, nos termos de lei municipal, e terá suas alíquotas máximas fixadas em lei complementar;

II – não se sujeitará ao disposto no art. 150, III, “c”.

……………………………………………………………………………..

§ 3º O imposto previsto no inciso III:

I – não incidirá na exportação de mercadorias, nem sobre serviços prestados a destinatário no exterior;

II – incidirá na importação de bem, mercadoria e serviço cuja prestação tenha se iniciado no exterior, destinados a não contribuintes dos impostos de que trata o art. 154;

III – quanto à tributação dos serviços incidirá sobre:

a. os de alojamento e alimentação;

b. os prestados a não contribuintes dos impostos de que trata o art. 154;

IV – terá alíquota uniforme para todas as vendas e prestações fixadas em lei complementar;

V – não será objeto de isenção, benefício ou incentivo fiscal;

VI – será regulado em lei complementar que, inclusive, definirá venda a varejo e fixará prazos de recolhimento.”

Art. 4º Os arts. 157 a 162 passam a integrar a Seção VII do Capítulo I do Título VI da Constituição Federal, com as seguintes alterações:

“Seção VII

Da Repartição das Receitas Tributárias

……………………………………………………………………………..

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

……………………………………………………………………………..

II – cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados;

……………………………………………………………………………..

IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação estadual referente ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços e ao imposto sobre operações relativas à circulação de combustíveis automotivos, acrescidos dos recursos que forem atribuídos aos Estados nos termos do art. 154, § 2º,VI.

…………………………………………………………………………….”

“Art. 159. A União entregará:

I – do produto da arrecadação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e do produto de sua arrecadação do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços e do imposto sobre operações relativas à circulação de combustíveis automotivos quarenta e sete por cento na seguinte forma:

……………………………………………………………………………..

II – do produto da arrecadação do imposto sobre a importação de produtos estrangeiros e de serviços, quinze por cento aos Estados e ao Distrito Federal, na forma prevista em lei complementar, proporcionalmente ao saldo anual positivo de suas exportações para o estrangeiro em relação às suas importações.

§ 1º Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto no inciso I, excluir-se-ão:

I – a parcela da arrecadação do imposto mencionado no art. 153, III, pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I;

II – a parcela da arrecadação federal dos impostos mencionados no art. 154, que exceder a vinte e cinco por cento do produto da arrecadação estadual dos mesmos impostos;

III – o montante dos recursos entregues pela União aos Estados e ao Distrito Federal na forma prevista no art. 154, § 2º, VI.

§ 2º Em nenhuma hipótese, a base de cálculo das entregas previstas no art. 159, I, relativas aos impostos de que trata o art. 154, poderá ser inferior a vinte e cinco por cento do produto da arrecadação estadual desses impostos.

§ 3º A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por cento do montante a que se refere o inciso II, devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido.”

“Art. 160. ……………………………………………………………………

§ 1º A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias.


§ 2º O valor dos recursos retidos em virtude do disposto no parágrafo anterior não poderá exceder o dos créditos.”

“Art. 161……………………………………………………………………..

§ 1º No caso das usinas hidrelétricas, cinqüenta porcento do valor adicionado serão atribuídos aos Municípios em que estiverem instaladas e cinqüenta por cento serão atribuídos aos Municípios impactados pelo reservatório, proporcionalmente à área alagada.

§ 2º O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II.”

Art. 5º O art. 167, § 4º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.167………………………………………………………………………

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as vinculações expressamente previstas nesta Constituição;

……………………………………………………………………………..

§ 4º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts.154, 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts.157, 158 e 159, I, ‘a’ e ‘b’, e II, para a prestação de garantia ou contra garantia à União e para pagamento de débitos para com esta.”

Art. 6º O art. 171 da Constituição Federal vigorará com a seguinte redação:

“Art. 171. A lei poderá definir práticas de comércio exterior danosas à economia nacional e autorizar a cobrança de direitos compensatórios e a imposição de limitações e sanções que visem a neutralizá-las ou coibi-las.

Parágrafo único. A cobrança de direitos compensatórios e a imposição de limitações e sanções poderão alcançar as práticas ocorridas a partir da data da publicação do ato que indicar o início do processo de sua apuração.”

Art. 7º Ficam acrescentados ao art. 193 da Constituição Federal os seguintes parágrafos:

“Art. 193……………………………………………………………………..

§ 1º As ações da União no âmbito da Ordem Social e as mencionadas no art. 239 terão como fonte de financiamento, entre outros, recursos provenientes de sua arrecadação dos impostos de que trata o art.154, correspondentes ao montante que exceder a vinte e cinco por cento do produto da arrecadação estadual dos mencionados impostos, acrescidos do produto da arrecadação das contribuições de que tratam o § 3º deste artigo e o art. 149, § 1º,destinados, no mínimo:

I – cinqüenta e sete inteiros e cinco décimos porcento à seguridade social, mencionada no art. 195;

II – seis inteiros e cinco décimos por cento ao ensino fundamental público, mencionado no art. 212;

III – vinte e dois por cento ao amparo ao trabalhador, mencionado no art. 239.

§ 2º Os recursos não utilizados na forma do parágrafo anterior serão aplicados de acordo com os critérios estabelecidos em lei complementar, podendo, inclusive, ser aplicados no financiamento de programas que visem a ampliar a geração de emprego, adicionalmente aos mencionados no art.239, § 1º, obedecidos os critérios previstos nesse parágrafo.

§ 3º As ações de que trata este artigo terão como fonte adicional de financiamento contribuição social incidente sobre a receita, devida pelas instituições e estabelecimentos mencionados no art. 192, I e II.

§ 4º. A não-cumulatividade, nos casos previstos no parágrafo anterior, será observada mediante abatimento das despesas com captação de recursos, sinistros e outras que a lei indicar.”

Art. 8º O art. 195 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 195 A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive os previstos nos parágrafos do art. 193, e das seguintes contribuições sociais:

……………………………………………………………………………..

§ 4º A lei complementar poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios de impostos.

……………………………………………………………………………

§ 6º Às contribuições sociais de que tratam este artigo e o art. 193, § 3º não se aplica o disposto no art. 150, III, ‘b’.

…………………………………………………………………………….”

Art. 9º Ao art. 203 da Constituição Federal é acrescentado o seguinte parágrafo:

“Art. 203 …………………………………………………………………….


Parágrafo único. A União instituirá programa de garantia de renda mínima destinado a assegurar a subsistência das famílias de baixa renda, a ser realizado por meio de convênios com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na forma da lei.”

Art. 10. O art. 212 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 212……………………………………………………………………..

§ 5º O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento recursos previstos nos parágrafos do art. 193.

§ 6º A parcela da arrecadação de que trata o art.159, § 1º, II, não será considerada receita de impostos, para os fins previstos no caput deste artigo.”

Art. 11. O art. 239 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 239. O programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo, atendidas as condições e os termos da lei, serão financiados por recursos do fundo de amparo ao trabalhador previstos nos parágrafos do art. 193.

……………………………………………………………………………..

§ 3º Aos servidores públicos e aos empregados que percebam até dois salários mínimos de remuneração mensal, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual, computado nesse valor o rendimento das contas individuais, no caso daqueles que já participavam dos programas previstos no parágrafo anterior em 5 de outubro de1988.”

Art. 12. É acrescentado o seguinte artigo às Disposições Constitucionais Gerais da Constituição Federal:

“Art. 251. A transferência de novos encargos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estará condicionada à correspondente transferência de recursos pela União e pelos Estados.”

“Art. 252. A critério do desapropriante, a desapropriação de imóvel urbano poderá ser indenizada através da anulação de crédito tributário inscrito em dívida ativa.”

Art. 13. São acrescentados os seguintes artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

“Art. 76. Os recursos do art. 155, II, da Constituição Federal, previstos no art. 60, § 2º, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão substituídos por recursos decorrentes da aplicação da mesma alíquota sobre a arrecadação da parcela estadual dos impostos de que trata o art. 154 da Constituição Federal.

Art. 77. Nos cinco primeiros exercícios financeiros em que for exigido o imposto de que trata o art. 154, I, da Constituição Federal será observado o seguinte:

I – as alíquotas mencionadas no art. 154, § 2º, III, da Constituição Federal, destinadas à exigência da parcela estadual do imposto, serão as seguintes:

a) padrão, igual ou superior a quinze por cento;

b) reduzida e ampliada, iguais, respectivamente, a oitenta por cento e a cento e vinte por cento da alíquota padrão;

c) especial, até trinta por cento da alíquota padrão;

d) seletivas, iguais ou superiores a cento e setenta porcento da alíquota padrão;

II – nas operações e prestações interestaduais, exceto as relativas a petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica, será devida:

a) ao Estado ou ao Distrito Federal onde ocorrer a operação ou prestação, a parcela do imposto resultante da alíquota interestadual fixada na forma dos incisos III e IV deste artigo;

b) à União, a parcela do imposto resultante da aplicação da alíquota federal, acrescida da diferença entre a alíquota estadual fixada na forma do inciso I deste artigo e a interestadual correspondente;

III – nos dois primeiros exercícios financeiros, as alíquotas interestaduais serão de:

a) sete por cento quando correspondentes às alíquotas estaduais padrão, ampliada e seletiva, nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, e doze por cento nas demais operações e prestações interestaduais;

b) dois quintos das alíquotas estaduais reduzida e especial aplicáveis às mesmas mercadorias e serviços, nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, e dois terços nas demais operações e prestações interestaduais;

IV – no terceiro, quarto e quinto exercícios financeiros, as alíquotas interestaduais serão iguais, respectivamente, a três quartos, metade e um quarto das mencionadas no inciso anterior;

V – nos dois primeiros exercícios financeiros em que for exigido, o imposto não se sujeitará ao disposto no art.150, III, ‘b’;

VI – o montante de recursos de que trata o art. 154, § 2º,VI, da Constituição Federal, será igual ao resultante da aplicação do acréscimo previsto no inciso II, ‘b’, deste artigo à base de cálculo do imposto, e será entregue aos Estados proporcionalmente às respectivas arrecadações do imposto;


VII – o imposto devido pelo contribuinte resultará da consolidação dos saldos apurados em todos os seus estabelecimentos situados:

a. no mesmo Estado ou Distrito Federal;

b. em todo o território nacional, caso remanesça saldo credor da parcela do imposto federal;

VIII – o montante do imposto devido em cada operação ou prestação integrará sua base de cálculo;

Art. 78. Até que seja fixada em lei complementar, a alíquota do imposto de que trata o art. 156, III, será de quatro por cento.

Art. 79. As desonerações relativas ao imposto sobre produtos industrializados, concedidas sob condição e por prazo certo, serão observadas, até seu término, quanto à parcela federal do imposto de que trata o art. 154, I, da Constituição Federal.

Art. 80. As desonerações relativas ao imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, concedidas sob condição e por prazo certo até 31 de outubro de 1999,serão observadas, até seu término, quanto à parcela estadual do imposto de que trata o art. 154, I, na redação dada por esta Emenda.

Art. 81. São acrescidos dez anos ao prazo fixado no art.40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Art. 82. Em relação à Zona Franca de Manaus, até 5 de outubro de 2023, a legislação do imposto previsto no art.154, I, da Constituição Federal, na redação dada por esta Emenda observará:

I – quanto à competência da União:

a) as operações relativas a mercadorias a ela destinadas, dela provenientes ou realizadas em seu território receberão o mesmo tratamento tributário, mantidas as vantagens comparativas, dispensado pelo imposto sobre produtos industrializados em 1º de janeiro de 1999;

b) a União não acrescerá às suas, total ou parcialmente, as alíquotas do imposto estadual;

c) concessão de crédito, ao adquirente estabelecido fora da Zona Franca de Manaus, igual ao montante do imposto não exigido relativo a mercadorias nela produzidas;

II – quanto à competência dos Estados e do Distrito Federal:

a) as operações relativas a mercadorias a ela destinadas ou dela provenientes receberão o mesmo tratamento tributário dispensado em 1º de janeiro de 1999 pela legislação do imposto previsto no art. 155, II da Constituição Federal;

b) a legislação do imposto a ser observada nas operações realizadas em seu território será da competência do Estado do Amazonas.

Parágrafo único. Em relação à Zona França de Manaus, a cobrança do imposto previsto no art. 154, II, observará, no que for aplicável, o disposto nos incisos I e II deste artigo.

Art. 83. Em relação à Zona Franca de Manaus, até 5 de outubro de 2023, a importação de produtos estrangeiros receberá o mesmo tratamento tributário dispensado, em1º de janeiro de 1999, pelo imposto de que trata o art.153, I, da Constituição.

Art. 84. Pelo prazo de três anos, do montante da arrecadação federal do imposto de que trata o art. 154, II, da Constituição Federal, efetuada a dedução prevista no art. 159, § 1º, II, serão destinados a obras de infra-estrutura do sistema nacional de viação, priorizadas a conservação, recuperação, eliminação de pontos críticos, melhoria e adequação de capacidade das rodovias:

I – cinqüenta e três por cento, pela União;

II – vinte e um inteiros e cinco décimos por cento, pelos Estados e Distrito Federal;

III – vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento pelos Municípios.

§ 2º A destinação dos recursos aos Estados, Distrito Federal e Municípios obedecerá à legislação dos fundos de participação previstos no art. 159, I, ‘a’ e ‘b’, da Constituição Federal.

§ 3º Três por cento da parcela federal do imposto, efetuada a dedução prevista no caput, serão aplicados na forma prevista no art. 159, I, “c”, da Constituição Federal.

Art. 85. A lei complementar que instituir os impostos previstos no art. 154, na redação dada por esta Emenda, estabelecerá a forma de aproveitamento dos saldos credores dos impostos de que tratam os arts.153, IV e155, II, da Constituição, na redação dada em 1988 e1993.

Art. 86. O disposto no art. 150, III, ‘c’ não se aplica ao início da cobrança dos impostos mencionados nos arts.154 e 156, III, da Constituição Federal, na redação dada por esta Emenda.”

Art. 14. Aplica-se o art. 34, §§ 3º, 4º e 5º, do Ato da Disposições Constitucionais Transitórias às situações decorrentes desta Emenda.

Art. 15. Esta Emenda Constitucional, ressalvado o disposto no parágrafo único, entrará em vigor na data em que passarem a ser exigidos os impostos previstos nos arts. 154 e 156, III, da Constituição Federal.

Parágrafo único. Entram em vigor na data da publicação desta Emenda Constitucional:

I – as alterações relativas aos seguintes dispositivos constitucionais: art. 100, § 4º, art. 145, §§ 3º, 4º, 5º e 6º, art. 148, caput, art. 149, caput, e §§ 2º e 3º, art. 150, III, “c”, V e § 7º, art. 151, IV, exceto a menção ao § 6º, art. 153, I, II e VII, art. 156, § 1º, art. 160, §§ 1º e 2º, art. 167, IV, e art. 171;

II – os arts. 251 e 252 da Constituição Federal;

III – o art. 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

IV – o art. 14, no que se refere aos §§ 3º e 4º do artigo nele mencionado.

Art. 16. Ficam revogados, a partir da data prevista no caput do artigo anterior, os seguintes dispositivos da Constituição Federal: art. 153, IV e VI, e §§ 3º e 4º, art. 155, § 3º, art. 157, II e art. 195, I, “b”.

Sala das Sessões, em 17 de novembro de 1999.

Deputado Mussa Demes

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A lei da arbitragem

Continuação 1: A lei da arbitragem analisada à luz dos Princípios Gera

Autor

20 de outubro de 1999, 10h23

Portanto, depreende-se sem maiores dificuldades que o Poder Judiciário é “separado” dos demais poderes do Estado, o que faz com que do ponto de vista jurídico-constitucional tenha o mesmo, posição jurídica idêntica à dos outros órgãos constitucionais de soberania (Executivo e Legislativo). Disso resulta a exigência da separação e exclusividade da função de julgar por parte dos órgãos judiciais previstos expressamente na Constituição Federal como integrantes deste poder do Estado.

Isto porque, fazendo referência ao princípio do juízo legal, temos que os órgãos judiciários são exclusivamente aqueles previstos pela Constituição Federal, da onde resulta o entendimento de que é vedado ao legislador – assim como ocorreu com a edição da lei de arbitragem – criar órgãos, atribuindo-os de funções jurisdicionais diferentes dos estabelecidos por nossa Carta Magna.

Ademais, é preciso ser considerado que o regime jurídico dos magistrados que integram o Poder Judiciário é o previsto também pela Constituição. Assim, forçoso concluir que fundamentalmente, o objetivo do princípio do juízo legal é garantir a imparcialidade e independência do Poder Judiciário, bem como dos magistrados que o compõem, em benefício dos usuários dos serviços do próprio Judiciário. Afinal, ninguém pode ser julgado senão pelos órgãos previstos na Constituição e com as garantias que lhes são inerentes.

Desta feita, às autoridades julgadoras é vedado o direito de disporem arbitrariamente da vida, da liberdade e da propriedade das pessoas, isto é, sem razões materialmente fundadas na “Lex Superior” para o fazerem. Radica aqui, portanto, um dos argumentos invocados para defender que é dever do Estado – e não de um outro particular tal como previsto na lei de arbitragem, diga-se de passagem – o de resolver os conflitos de interesses dos particulares através de um de seus poderes, qual seja, o Poder Judiciário que é composto por juizes de direito, admitidos sob a forma de concurso público de provas e títulos, os quais, baseados na lei, nos princípios gerais do direito e constitucionais de justiça, podem e devem analisar e interpretar a lei, aplicando-a ao caso em concreto.

Aliás, é exatamente este o indiscutível conceito de jurisdição o qual, sem necessidade de se recorrer mais uma vez da literatura estrangeira, é apresentado pelos doutrinadores da terra como sendo: “Uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça” (Antonio C. Cintra, Ada Grinover, Cândido Dinamarco, teoria geral do processo, Malheiros Editores, 10ª edição, pág. 125). Portanto, é dever do Estado, sob pena de denegação da justiça, garantir a todos os cidadãos, conforme dispõe nossa Lei Maior, criar órgãos judiciários e disciplinar os processos e procedimentos adequados para a garantia de direitos, como forma de assegurar uma verdadeira e justa prestação jurisdicional.

Nesta esteira de raciocínio, não há como deixar de transcrever a brilhante lição de J. J. Gomes Canotilho a respeito do assunto: “Desta imbricação entre direito de acesso aos tribunais e direitos fundamentais resultam dimensões inelimináveis do núcleo essencial da garantia institucional da via judiciária. A garantia institucional conexiona-se com o dever de uma garantia jurisdicional de justiça a cargo do Estado. Este deve resultar não apenas do texto da constituição, mas também de um princípio geral (‘de direito’, das ‘nações civilizadas’) que impõe um dever de proteção através dos tribunais como um corolário lógico: 1) do monopólio de coacção física legítima por parte do Estado; 2) do dever de manutenção da paz jurídica num determinado território; 3) da proibição de autodefesa a não ser em circunstâncias excepcionais definidas na Constituição e na lei” (ob. citada, pág. 452)

Sendo a jurisdição manifestação da soberania, portanto, monopólio do Estado por excelência, é lógico que o reconhecimento da arbitragem como atividade jurisdicional está em contradição com este monopólio; afinal, com a nova lei da arbitragem pretende-se, nada mais nada menos do que a privatização da justiça, trazendo a tona uma inconcebível e atentatória forma de exercício da jurisdição por agentes privados, resultando daí a sua flagrante inconstitucionalidade, por violação do princípio do Estado democrático de direito, consagrado no artigo 1º de nossa Constituição e regra mestra de nosso sistema jurídico: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)” (Art. 1º, CF/88).

Ainda a respeito do monopólio estatal da jurisdição, encontramos a lição esposada por Ada P. Grinover, Antonio C. Cintra e Cândido Dinamarco, na obra “Teoria Geral do Processo”, 10ª edição, Malheiros Editores: “O Estado moderno repudia as bases da filosofia liberal e pretende ser, embora sem atitudes paternalistas, ‘a providência do seu povo’, no sentido de assumir para si certas funções essenciais ligadas à vida e desenvolvimento da nação e dos indivíduos que a compõem. Mesmo na ultrapassada filosofia política do Estado liberal, extremamente restritiva quanto às funções do Estado, a jurisdição esteve sempre incluída como responsabilidade estatal, uma vez que a eliminação de conflitos concorre, e muito, para a preservação e fortalecimento dos valores humanos da personalidade” (pág. 37)


Destarte, ressaltamos ainda que a lei de arbitragem implica a instituição de uma instância jurisdicional fora das previstas na Constituição, o que faz exsurgir mais uma inconstitucionalidade face à flagrante violação do princípio da proibição do juízo ou tribunal de exceção, previsto no artigo 5º, inciso XXXVII da Constituição, o qual prevê que “não haverá juízo ou tribunal de exceção“.

Ademais, e como se não bastasse, mister considerar que tal como posta no ordenamento jurídico, a lei de arbitragem viola ainda expressamente outros princípios e garantias fundamentais previstos em nossa Carta Magna.

Isto porque, ao tratar da convenção de arbitragem distinguiu a atual lei que disciplina o assunto (Lei 9307/96) a cláusula compromissória – prevista no artigo 4º – do compromisso arbitral – este previsto no artigo 9º. Assim, segundo mencionados artigos: “A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (Art. 4º) – “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (art. 9º).

No entanto, tal como prescrevem os artigos 6º e 7º da lei 9.307/96, a atual lei de arbitragem trouxe uma alteração radical na legislação anterior, qual seja, a possibilidade de conversão, por sentença judiciária, da cláusula arbitral em compromisso arbitral. O que equivale a dizer que caso um determinado contrato contenha a cláusula compromissória, qualquer litígio, questão ou dúvida que disser respeito ao mesmo só poderá ser dirimida pela forma do compromisso arbitral nele assumido.

Assim, da forma como disciplinado pela lei de arbitragem, prevista a cláusula compromissória num determinado contrato, em ocorrendo qualquer controvérsia a respeito do teor do mesmo, as partes não poderiam recorrer-se do Poder Judiciário para solucioná-la, mas sim teriam que se sujeitar à decisão a ser proferida pelo árbitro escolhido para solucionar o compromisso arbitral então surgido, sob pena, nos termos do artigo 6º e 7º, uma sentença judiciária converter aquela cláusula compromissória num compromisso arbitral, cuja decisão, segundo dispõem os artigos 18 e 31 da referida lei, produziria entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença proferida pelo judiciário e o que é pior, sendo condenatória, constituiria título executivo com aptidão para produzir a coisa julgada.

Ocorre que, como concretização do supra mencionado princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, nossa Constituição consagra ainda em seu artigo 5º dois outros princípios de salutar importância, quais sejam o princípio do devido processo legal e o da inafastabilidade da jurisdição.

Primeiramente, cumpre-nos salientar que o princípio da inafastabilidade da jurisdição constitui garantia fundamental reconhecida em todo o mundo desde a Revolução Francesa de 1789 até a Declaração da ONU de 1946; e, como sabemos, o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição, assegura a todos a garantia fundamental de acesso ao Judiciário para pedir-lhe a tutela jurisdicional contra lesão ou ameaça de lesão a direitos, in verbis: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Da mesma forma, como consectário de tal princípio, nossa Carta Magna também assegura a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto para que alguém possa ser privado de sua vida, liberdade ou patrimônio, consagrando assim o princípio do devido processo legal, in verbis: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (Art. 5º, inc. LIV, CF/88) – “Aos litigantes, em processo judicial ou admininstrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes” (Art. 5º, inc. LV, CF/88)

Desta feita, não apenas a título de elucidação, mas tendo por fim comprovar a força e efetividade normativa de tal princípio, salientamos que a doutrina costuma apontar como origem de sua positivação, a Carta Magna de João Sem Terra, datada de 1215, nos termos da qual: “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei ou exilado, ou de qualquer modo molestado e nós não procederemos ou mandaremos proceder contra ele, senão mediante um julgamento regular pelos seus pares e de harmonia com a lei do país

Nestes termos, como garantia fundamental dos direitos dos cidadãos, tais princípios, desde há muito inseridos em nossa Constituição, constituem uma imposição diretamente dirigida ao legislador no sentido de que qualquer alteração no direito positivo deve resguardar conformidade com os mesmos princípios, para o fim de fazer-se valer e dar-se operatividade prática à defesa de tais garantias fundamentais do cidadão.


Todavia, assim não ocorreu com a reforma legislativa que trouxe a lume a atual lei de arbitragem, que através dos artigos 4º, 6º, 7º e todos os demais decorrentes, pretendeu afastar o direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos de acesso ao judiciário sempre que estes sofrerem ameaça ou lesão a direito.

Assim, face a adequada exegese dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal, forçoso reconhecer ser impossível juridicamente a renúncia ao exercício do direito fundamental de acesso ao Judiciário, ou seja, ao direito de ação, razão pela qual deve ser rechaçada a inserção, em todo e qualquer tipo de contrato da inconstitucional cláusula compromissória, prevista no artigo 4º da atual lei de arbitragem.

Neste sentido, as seguras lições do Douto Professor das Faculdades de Coimbra e de Lisboa, J. J. Gomes Canotiho, nos ensinam que: “pela própria arqueologia do due process verifica-se que este se concebia fundamentalmente como um direito de defesa do particular perante os poderes públicos. Quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos reconhecem, hoje, um direito de acesso aos tribunais este direito concebe-se como uma dupla dimensão: 1) um direito de defesa ante os tribunais e contra actos dos poderes públicos; 2) um direito de proteção do particular através de tribunais do Estado no sentido de este o proteger perante a violação de seus direitos por terceiro (dever de proteção do Estado e direito do particular a exigir essa proteção). A intervenção do Estado para defender os direitos dos particulares perante outros particulares torna claro que o particular só pode, em geral, ver dirimidos os seus litígios perante outros indivíduos através de órgãos jurisdicionais do Estado. Esta ‘dependência’ do direito a protecção juridicial de prestações do Estado (criação de tribunais, processos jurisdicionais) justifica a afirmação corrente de que o conteúdo essencial do direito de acesso aos tribunais é a garantia da via judiciária (= “garantia da via judicial”, “garantia da proteção judicial”, “garantia da protecção jurídica através dos tribunais” (ob. citada, pág. 451 e seg.) (sublinhamos).

Portanto, muito embora possa-se afirmar ser o legislador o destinatário final do princípio da inafastabilidade da jurisdição, tal comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado, tendo sua esfera subjetiva de direitos violada, renuncie ao seu direito de ação e não vá a juízo deduzir sua legítima pretensão, pois, repita-se à saciedade, é assegurado a todos o acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito – seja ele de que espécie for, individual, disponível ou indisponível, difuso ou coletivo.

4. A declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade da Lei

Ademais disso, como princípio e garantia fundamental assegurado a todos os cidadãos que o é, mister salientar que, como dito anteriormente, o direito de ação ou de acesso ao judiciário, por ser indisponível, não pode ser objeto de renúncia por qualquer das partes, razão pela qual, nesta mesma linha de raciocínio, cabe-nos considerar que muito embora o Excelso Supremo Tribunal Federal ainda não tenha se manifestado, pela via concentrada de controle da constitucionalidade, acerca da atual lei de arbitragem, o Eminente Ministro Sepúlveda Pertence, ao relatar o Agravo Regimental em Sentença Estrangeira n.º 5206-7, não perdeu a oportunidade de declarar incidenter tantum a inconstitucionalidade de alguns artigos da atual lei de arbitragem, fundamentando sua decisão exatamente no fato da irrenunciabilidade do direito fundamental de acesso ao judiciário; referido voto, devido sua clareza e precisão, merece ser ora transcrito:

Mas, a renunciabilidade da ação – porque direito de caráter instrumental – não existe in abstracto: só se pode aferi-lo em concreto, pois tem por pressuposto e é coextensivo, em cada caso da disponibilidade do direito questionado, ou melhor, das pretensões materiais contrapostas, que substantivam a lide confiada pelas partes à decisão arbitral.

Segue-se que a manifestação de vontade da qual decorra instituição do juízo arbitral – onde exista a garantia constitucional da universalidade da jurisdição judicial e, pois, do direito de ação – não pode anteceder à efetiva atualidade da controvérsia a cujo deslinde pelo Poder Judiciário o acordo implica renunciar. Vale dizer, que não prescinde da concreta determinação de um litígio atual (…)

Por isso mesmo é que a doutrina firmada antes da lei de arbitragem repeliu, quase à unanimidade, a possibilidade da execução judicial específica da cláusula compromissória, como demonstrado, de modo definitivo, por José Carlos Barbosa Moreira (ob. loc. cits.) (…)

Penso, entretanto, que, no ordenamento brasileiro, há obstáculo intransponível, no ponto, à aplicação da lei nova.

Viu-se, com efeito, que o empecilho à incidência, na hipótese, da regra geral do art. 639 do C. Pr. Civ., é a impossibilidade, nos termos do dispositivo, de o juiz substituir pela própria a vontade da parte recalcitrante, ‘regulando matéria estranha ao conteúdo do negócio preliminar’ – qual é, em relação à cláusula compromissória, a determinação da lide a ser submetida à arbitragem.

Ora, essa impossibilidade não a pode suprir a lei ordinária, sem ferir a garantia constitucional de que ‘ a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito’ (CF, art. 5ª, XXXV) (…)

Na cláusula compromissória, entretanto, o objeto dessa opção, posto que consensual, não são lides já determinadas e concretizadas, como se dá no compromisso: serão lides futuras e eventuais, de contornos indefinidos; quando muito, na expressão de Carnelutti (ob. Cit. ,p. 550), lides determináveis pela referência ao contrato de cuja execução possam vir a surgir.

A renúncia, com força de definitiva, que ai se divisasse à via judicial já não se legitimaria por derivação da disponibilidade do objeto do litígio, que pressupõe a sua determinação, mas, ao contrário, consubstanciaria renúncia genérica, de objeto indefinido, à garantia constitucional de acesso à jurisdição, cuja validade os princípios repelem.

Sendo a vontade da parte, manifestada na cláusula compromissória, insuficiente – dada a indeterminação do seu objeto – e, pois, diversa da necessária a compor o consenso exigido à formação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade bilateral dos litigantes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo nesse sentido a lição de Pontes (ob. cit. ,XV/224) de que fere o princípio invocado – hoje, art. 5º, XXXV, da Constituição – atribuir, ao compromisso que assim se formasse por provimento judicial substitutivo do assentimento de uma das partes, ‘ eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem.

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