Montando o tigre

Montando o tigre

Autor

  • Sylvio Capanema

    é desembargador aposentado. Professor titular de Direito Civil da Faculdade Candido Mendes de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá e da EMERJ. Advogado e sócio de Sylvio Capanema de Souza Advogados Associados.

18 de novembro de 1999, 23h00

Até hoje a esperada reforma do Poder Judiciário, por todos desejada, tem sido discutida muito mais com o coração do que com a razão.

As deficiências e a morosidade do Judiciário jamais foram negadas pelos que o integram, assim como a corrupção, a desídia ou o despreparo de alguns de seus membros, o que também ocorre no Executivo, no Legislativo e nas entidades privadas.

O grande risco que corremos, com as generalizações simplistas e irresponsáveis, é que se transfira para o Poder Judiciário, enfraquecendo sua credibilidade, os pecado que não são dele, e sim de alguns poucos homens que o integram.

A propalada “crise da Justiça”, e não do Judiciário, tem causas conhecidas, mas pouco divulgadas para o público: o aumento quase incontrolável da população urbana e suas profundas diferenças sociais e econômicas, com o inevitável aumento do número de litígios; a maior complexidade de questões deságuam nos tribunais, envolvendo novos ramos do Direito; o engessamento da infra-estrutura administrativa e de pessoal, em razão das agruras orçamentárias; os sucessivos planos econômicos, que ferem tantos interesses e diretos adquiridos, desencadeando uma avalanche de ações; o aumento da violência e da criminalidade, e, acima de tudo, uma saudável conscientização do cidadão comum, quanto aos seus direitos e aos mecanismos de que dispõe para exercê-los e defendê-los.

Por outro lado, a atividade julgadora é por essência demorada, já que exige a leitura atenta dos autos volumosos, a produção e exame das provas, o respeito ao direito de defesa e de interposição de todos os recursos previstos em lei, além da procura angustiante da “verdade real” quase sempre teimosamente escondida pelas próprias partes, entre as folhas do processo. A longa e exasperante espera pela prestação jurisdicional decorre em grande parte, da multiplicidade de recursos, muitos deles meramente protelatórios, mas que estão assegurados às partes pela lei processual, que não é elaborada pelo Judiciário, e sim pelo Poder Legislativo.

Como se não bastasse, nas últimas décadas, o grande eixo da defesa e preservação dos direitos fundamentais do homem, que garantem sua dignidade, inclusive no campo privado, deslocou-se para sede constitucional, o que exige dos magistrados maior sensibilidade política, como equilibradores de formidáveis conflitos que hoje explodem entre os demais poderes e a sociedade.

A vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade dos vencimentos, que aos leigos parecem odiosos privilégios, a premiar os juízes, são na verdade, prerrogativas da função judicante, criadas para proteger a sociedade, assegurando aos juízes a indispensável independência, que lhes permite julgar, quando necessário, contra o Estado e os poderosos.

Em meio a tantos desafios, a críticas quase sempre injustas e apressadas, a generalizações levianas, com seus baixos salários congelados há mais de cinco anos, massacrados por impiedosa carga de trabalho, que lhes consome, inclusive, os fins de semana, e submetidos à insuportável tensão que emana da tarefa de julgar, os magistrados, em sua esmagadora maioria, continuam, estoicamente, a desempenhar sua missão constitucional.

Um Poder Judiciário sem autonomia e independência, submetido ao controle de pessoas que não o entregam, o que limitaria a sua atuação, amesquinhado pelo congelamento dos salários e pelas restrições orçamentárias, dependente dos demais poderes, deixará, por certo de ser o estuário natural das últimas esperanças dos cidadãos.

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