Responsabilidade do Shopping M

Tragédia ocorrida no Shopping Morumbi

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5 de novembro de 1999, 23h00

Muito se tem falado sobre causas outras, transformando-se os apedeutas em verdadeiros fantoches de um sensacionalismo sem precedentes, que não a real responsabilidade no caso em apreço. A questão de atitude do indigitado rapaz é antiga, da incitação à violência, por força de mediocridade de nosso sistema televisivo, de radiodifusão, de uma inversão de valores como jamais se viu. Lendo e vendo jornais pela televisão, podemos observar que ninguém vem se atendo à possibilidade de se discutir a verdadeira responsabilidade no caso. Não a penal e civil posterior do rapaz, franco atirador, decorrente de aplicação do Código Penal e Processo Penal e Civil e Processo Civil. O que se quer é chamar a atenção para a responsabilidade,decorrente da aplicação da Lei 8078/90, do Shopping e da empresa de cinema lojista, decorrente do sistema da hipossuficiência do Código de Defesa do Consumidor. É que muitos entendem que o Código do Consumidor( lei 8078/90), é um Código, como o Civil, por exemplo, que trata de relações de direito privado dentro da órbita civil,ou Código Comercial( observe que este não se cognomina Código de Defesa do Comerciante, mas Código Comercial, que trata de relações naquela ótica). Observem que o Código de Defesa do Consumidor não se chama Código de Consumo, ou Código da Relação de Consumo,mas Código de Defesa do Consumidor, ou seja, é um Código, como o próprio nome diz, protetivo( o que se quer dizer é que o Código do Consumidor tem a ver com relações de consumo, mas dentro de um âmbito de total amparo ao consumidor, ou seja, é um Código de Proteção do Consumidor, vários artigos podem exemplificar o que se aduz, como o artigo 47 que diz que os contratos de consumo deverão ser interpretados de forma mais favorável ao consumidor. É expressa previsão legal, não declarada inconstitucional, inválida ou ineficaz, e muito menos letra morta( É MUITO VIVA). Não há no mundo jurídico, por enquanto, um chamado “Código de Defesa do Fornecedor”( nem precisa), tendo em vista a legislação tradicional arcaica protetiva da exploração do mais fraco na relação jurídica obrigacional, em geral. A situação é de se discutir em programas televisivos, de rádio e nos jornais a questão da responsabilidade do Shopping e da empresa Paris Filmes( ao que consta é a empresa que detém a titularidade daquele espaço do Shopping, sendo a lojista). Em entrevista à Folha de São Paulo, pudemos expressar nosso descontentamento com a visão errada que se vem firmando sobre noção de responsabilidade na relação de consumo em tela. Em primeiro plano, cumpre demonstrar o porquê de entendermos haver relação de consumo no caso. Em verdade, há três relações de consumo, no caso: uma, entre Shopping empreendedor e lojista, dado que aquele exerce precípua atividade de locação de lojas para sua sobrevivência no mercado( de consumo), não se constituindo, portanto, um ato isolado,que geraria o não enquadramento ao disposto do artigo 3º da Lei 8078/90, quando coloca a expressão “atividade”. E o lojista, ainda que âncora e não loja-satélite, é hipossufiente no mundo shoppiano, pois tem de aceitar todas as normas contratuais leoninas e abusivas que o Shopping-empreendedor apõe na relação(contratos) de adesão, especialmente na Escritura de Normais Gerais. Portanto, o lojista é um consumidor-locatário do Shopping-empreendedor locador. Aliás, essa nossa posição vem sendo seguida por juristas de escol, valendo citar artigo inserto “in” Revista dos Tribunais 705/45, para sua demonstração. Em segundo lugar, há relação de consumo entre a empresa que administra as seis salas de cinema, e obviamente, a sala 5, e as pessoas que pagam seu ingresso para assistir à sessão. A pessoa que vai assistir ao filme é destinatária final do produto( filme), “ex vi” do disposto no artigo 2º da Lei Consumerista. Portanto, é consumidor com relação à empresa de cinema. Porém, e em terceiro lugar, entendemos existir relação de consumo entre Shopping e a pessoa que foi assistir ao filme,ou comprar algo em uma loja, ou comer algo na “Praça de Alimentação”, pois ao ingressar no Shopping, centro comercial de atividades múltiplas, formando o cognominado “tennant mix”, ainda que sem pagar estacionamento( aqui também o sistema das três relações de consumo é igual, sendo uma entre Shopping e estacionamento, outra entre estacionamento e cliente, e a terceira entre Shopping e cliente), ao ingressar a pé, sem

nada gastar em estacionamento do Shopping( mora perto do Shopping), criou-se, a partir desse instante,um sistema de proteção integral àquele(a) que adentrou ao Shopping, como consumidor que é do Shopping. Para sermos mais claros, é como uma pessoa que vai ao Shopping( mercado de consumo), e se envolve em tragédia na chamada “área comum” deste( num dos corredores dos andares). A pessoa tem a proteção do Código do Consumidor, mesmo que não tenha comprado nada em nenhuma loja ou assistido a um filme, mas nesse caso somente teria ação contra o Shoppping-empreendedor. Porém, se a pessoa vai ao Shopping e se envolve em tragédia dentro de uma determinada loja, entendemos que existe a responsabilidade do lojista e do Shopping, em solidariedade. Para nos utilizarmos de um comparativo é como uma pessoa que vai a uma loja de eletrodomésticos e compra um liquidificador da marca tal e ao chegar em casa, liga o aparelho, explode, causando-lhe danos das mais variadas espécies( pegou fogo em sua casa, os estilhaços atingiram seus olhos, cegando-a, etc). Essa pessoa pode promover a ação de indenização por danos materiais e morais com base no Código de Defesa do Consumidor contra qualquer um dos dois: loja ou fabricante, ou contra os dois, pois de acordo com o Código, há responsabilidade solidária de ambos. E isso levando-se em conta especialmente o fato de ser aquela pessoa hipossuficiente técnica com relação ao negócio de consumo celebrado. No caso do Shopping Morumbi, as pessoas que foram ao cinema ver o filme, com certeza, tinham em mente um deleite. Encontraram a morte e o trauma. E tais fatos, e outros( o trauma vai fazer com que muitas tenham de se submeter a início de tratamento médico, com psiquiatras, etc, etc, tomar remédios, um abalo para o resto de suas vidas), geram necessidade de reparação material e moral. A família das vítimas fatais, além de tudo, podem ficar sem renda, dependendo do aspecto fático de cada qual, além de muitos outros aspectos que não cabem aqui perquirir. A dor e angústia são óbvias ululantes. Dentro desse contexto e para não nos alongarmos muito, entendemos que no caso todas as vítimas desse fato ocorrido( fatais, na pessoa de seus representantes familiares, e não fatais) têm direito de ação de indenização por danos materias e morais contra o Shopping-empreendedor( Morumbi) e a empresa de cinema( lojista- Paris Filmes), por força de terem ambos o que se cognomina RESPONSABILIDADE OBJETIVA, ou seja, não há excludente de culpa, não há sequer instrução para tal, porque o sistema do Código é da proteção integral, e ambos( Shopping e empresa de cinema) respondem independentemente de culpa. Entendemos que há que se provar( fato notório) apenas o nexo de causalidade. Não há no caso sequer a possibilidade de o Shopping e empresa de cinema alegarem excludentes pois sua responsabilidade é pelo risco integral. Assim, não haveria amparo legal para tal. São direitos básicos do consumidor( artigo 6º – reparação de danos materiais e morais), o respeito à sua segurança( artigo 4º – Política Nacional de Consumo). Todas as pessoas que lá estavam têm direito de ajuizar ação de indenização por danos materiais e morais com base no Código de Defesa do Consumidor contra o Shopping-empreendedor e o lojista( empresa de cinema), sem ter de provar culpa. Apenas o nexo de causalidade. E esse é notório. As famílias das vítimas têm igual direito, mas maior, por força de circunstância fática que poderá aumentar e muito o valor apurável. Há teorias e critérios de apuração dos danos, especialmente o moral, que busca não o enriquecimento ilícito ou sem causa à custa de outrem, mas um conforto para a dor, angústia, trauma, morte, etc…, e uma afronta para que os Shoppings em geral criem sistemas de segurança de forma exemplar. Pensamos que todos que estavam na noite em que ocorreu tal tragédia devam se cotizar, para, juntos, moverem ações como a aqui relatada, e outras, como ação de obrigação de fazer( também prevista no Código de Defesa do Consumidor e na reforma do Código de Processo Civil de final de 1.994), buscando cominar aos Shoppings a necessidade de implementarem sistemas rígidos de segurança, pois só assim estarão ajudando a que fatos como o ocorrido não se repitam, em outros Shoppings, em outros lugares, passando de vítimas a coniventes com eventuais futuras tragédias. Vimos, pois, apenas nesse sintético raciocínio, a possibilidade de propositura de duas ações judiciais, uma para possibilitar a indenização por danos materiais e morais, e outra, para possibilitar o aumento de segurança nos Shoppings e demais lugares, como Danceterias, Boates, Bares, Restaurantes, etc., etc… .

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