Continuação: Leia o discurso de ACM a favor da CPI do Judiciário.
25 de março de 1999, 0h00
Devem passar a constituir vara de justiça comum, decidindo sobre todo tipo de ação, como as demais varas federais, inclusive trabalhistas.
Uma estrutura simplificada, econômica e ágil para a Justiça Trabalhista é a sugestão do professor Antônio Álvares da Silva, da Universidade de Minas Gerais.
Ele propõe uma comissão, ou conselho, depois juizado, e finalmente um tribunal, composto de juízes do próprio primeiro grau.
Julgo que o Ministério Público do Trabalho deva ser incorporado ao Ministério Público Federal.
Quem ignora, Senhoras e Senhores Senadores, que muitos escritórios de advocacia no país, hoje, principalmente os mais importantes, estão associados com, ou contam em seus quadros com os serviços de filhos e/ou parentes de juízes, desembargadores e ministros, quando não são os próprios juízes e ministros aposentados?
Um procurador e professor de Direito da Universidade de Pernambuco fez chegar às minhas mãos denúncia de “verdadeiro conluio que se instaura entre grandes escritórios de advocacia de muitos magistrados que se sujeitam a favores de todo tipo e de toda ordem, e que sempre decidem contra o interesse público e o Erário, ainda que contrariando expressa disposição de lei e ignorando os princípios fundamentais da Constituição”.
Será isso ético e moral?
Esses – e tenho aqui vários casos – são os beneficiados, são os que conseguem acelerar processos, ou mesmo sustá-los, de acordo com o interesse da parte que representam.
Por tais caminhos, somente os ricos – que são os que têm recursos para bancar esses escritórios – é que desfrutam de melhor, mais rápido e mais suave acesso à Justiça. Por isso é que muitos desses advogados reclamam contra o que estou apontando.
É defesa em causa própria.
Os magistrados dignos constituem a maioria, não usam esses métodos.
Mas, infelizmente, a moeda vil, vírus insidioso, contamina a pureza de toda a substância.
Esta cruzada pela ética absoluta no Judiciário deve ser de todos e não patrocínios exclusivos, como se constituíssem reservas de mercado de alguma instituição ou corporação.
Deve-se agir para que isso aconteça e também impedir que juízes que se aposentam passem logo a advogar nos tribunais a que pertenceram, sem nem mesmo serem inibidos por uma quarentena – vocábulo em moda nesta Casa.
Não existe neste país, na União e nos Estados, quem não conheça casos que envolvem escritórios de ex-ministros, ex-desembargadores e ex-juízes.
Se não podemos impedir, diretamente, essa prática, que a Justiça o faça, pois ela tem poder para tanto.
A Bahia mesmo sofreu essa agressão.
Um ex-ministro do Supremo, ex-procurador da República, advogado de grande monta, não permitiu fosse julgado caso que atentou diretamente contra o erário do meu Estado.
Senhoras e Senhores Senadores,
É a necessidade de agilização da Justiça o tema mais comum e corriqueiro no meio dos advogados e juízes sérios, os que se dedicam integralmente ao seu trabalho, sem prestar assessorias externas.
Sua grande preocupação é essa, pois são vítimas da morosidade e desinteresse dos outros, porque a Justiça é criticada como um todo, não sendo poupados os juízes dignos e eficientes.
Em vez de greve, os juízes deveriam estar é empreendendo uma mobilização nacional em favor da eficiência no trabalho, e pelo expurgo dos desonestos e incompetentes.
Porém, senhores, além do anacronismo da Justiça do Trabalho, o que mais choca são os casos estarrecedores de nepotismo e corrupção, práticas perversas do uso do poder em benefício e causa próprios, ou de parentes em cargos públicos sob o controle de integrantes de cortes trabalhistas em boa parte dos Estados.
O uso da máquina – quem não se lembra do caso do Carandiru? – desculpem, da praia de Camboriú, em Santa Catarina, quando um magistrado substituiu a placa oficial do seu carro de ministro ou juiz, para gozar as delícias da praia como se fosse um simples mortal e não um fraudador de bem público?
A rigor, esse magistrado bem que poderia ser qualificado de “juiz placa fria”.
Como os Senhores senadores devem ter notado, selecionei apenas casos necessários ao cumprimento da formalidade do fato determinado, e a maioria deles se refere à justiça trabalhista, conforme se observa da leitura do requerimento que venho apresentar.
Anexo, coloco à disposição de todos a lista de denúncias recebidas, selecionadas dentre centenas de outras que necessitam de uma análise mais profunda.
São casos escabrosos.
Senhor Presidente, Senhores Senadores,
Está aberto o debate. Estou satisfeito com o contraditório estabelecido e mais ainda com o fato de pessoas íntegras e com responsabilidade no encaminhamento de soluções para esta crise do Judiciário, terem compreendido os meus objetivos de avançar na busca de soluções.
Cito, em primeiro lugar, numa homenagem ao Supremo Tribunal Federal, o ministro-presidente da Corte, Celso de Melo, com quem me congratulo por sua declaração, segundo a qual “o Judiciário só pode enfraquecer se seus membros falharem gravemente no desempenho de suas funções”.
Também o ministro Antônio Pádua Ribeiro, presidente do Superior Tribunal de Justiça, para quem a CPI não enfrenta óbices constitucionais.
Reporto-me também aos editoriais dos mais importantes órgãos da imprensa do Brasil, que apoiaram integralmente a formação da CPI que estamos propondo.
Fiquemos com o juiz federal que se manifesta favorável a uma CPI para apurar “a corrupção e outros problemas do Judiciário”, a qual “teria apoio dos próprios juízes”.
“O Judiciário é hoje o mais fechado dos Poderes da República, e esse hermetismo não atende a nenhum interesse público. Ao contrário, serviu apenas para criar uma pequena casta de privilegiados, que ocupam os mais altos cargos dos tribunais, enquanto a grande maioria dos juízes de primeira instância trabalha em condições precárias.”
Não podemos deixar de lembrar os “ralos de desperdício, sem qualquer controle da sociedade” no Judiciário.
Por isso, considero a CPI “um passo importante para tornar públicos problemas que hoje são de conhecimento restrito, mas muita coisa pode ser feita desde já, sem aguardar-se o resultado de qualquer investigação”.
Quem diz isso é um juiz federal que deseja a apuração.
Senhor Presidente, Senhores Senadores,
Reafirmo que as manifestações que tenho recebido, e que aqui estão à mostra e à disposição dos Senhores parlamentares, são demonstração inequívoca de que já estou contribuindo, e mesmo cumprindo com o meu dever de alertar, para um ponto que atinge diretamente todo o povo brasileiro.
Enganam-se os juízes que pensam que o Congresso Nacional está desatento a seus deslizes.
A cegueira da Justiça é uma metáfora, senhores.
Na verdade ela está é somente de olhos vendados.
Mas está alerta o sentimento de Justiça, que não é uma coisa virtual e está bem presente no espírito do homem, que não aceita esses atos vergonhosos, praticados ao arrepio da Lei e do Direito.
Conclamo a todos a que nos unamos nesta tarefa.
Não compactuemos com esses erros, esses crimes que enxovalham setores do Poder Judiciário.
Honremos nosso mandato.
O importante é que a bandeira de moralidade seja de todos.
Que venham juntar-se a nós, ou então me juntarei eu a eles, contanto que não percamos a oportunidade, até mesmo através do contraditório, que nos possibilita indicar os caminhos para melhor Justiça no Brasil.
O que não poderei – diria melhor, não poderemos jamais – é silenciar em relação ao povo sofrido que clama por encontrar no Congresso Nacional uma, dez, cem vozes defendendo os seus direitos.
Cobram-me fatos determinados.
Muitos deles foram aqui apresentados, ainda que poucos em relação ao que me chegou às mãos.
Mas eu não poderia deixar de lado pelo menos dois deles, de extraordinária gravidade, que representam uma agressão ao país.
São impressionantes.
No Amazonas, uma empresa madeireira e o Banco da Amazônia começaram em 1968 uma querela que envolvia valores iniciais da ordem de 14 milhões l45 mil cruzeiros.
Hoje, pelas estimativas técnicas, segundo os parâmetros da sentença judicial, o valor da condenação chega à casa dos 81 bilhões – sim, senhores senadores, BILHÕES! – de reais.
Quem acha que uma dívida dessa monta poderá ser paga um dia?
Mas observemos isto:
– O orçamento nacional para 1999 é de 545 bilhões 903 milhões de reais.
Pois o valor da condenação representa 15 por cento do orçamento;
O Brasil perdeu de suas reservas, na crise de janeiro cerca de 40 bilhões.
Pois o valor da condenação é simplesmente o dobro disso;
A arrecadação dos impostos da União alcançará este ano cerca de 65 bilhões de reais. Ou seja: menos 15 bilhões do valor da condenação.
Uma coisa dessas é absurda, inconcebível.
A CPI é uma oportunidade de abrir-se a caixa-preta desse sistema de cálculos de indenizações.
Em Rondônia, uma certidão do TRT dá fé de que a diferença de honorários advocatícios de uma causa na área da Educação ultrapassaria a casa dos 138 milhões de reais.
Francamente, é muito forte arbitrar um valor dessa ordem, que representa mais de um terço do valor da causa.
Tem-se de pôr um cobro nessas avaliações aberrantes.
Senhor Presidente, Senhores Senadores,
Só quero, agora, repetir para os maledicentes que não é de hoje que defendo esta causa, mas desde o primeiro dia em que cheguei ao Senado Federal.
Argumentam uns que o próprio Poder Judiciário tem competência e poderes para seu autodisciplinamento, seu controle interno, pode investigar e punir os seus membros porventura em desacordo com a ética, a lei e as normas.
Admite-se agora, leio nos jornais, o controle externo do Judiciário, para evitar-se a instalação da CPI.
Ótimo! Vejo que avançamos. Congratulo-me com os que o admitem.
Desfaz-se um mito. O mito do Judiciário sem controle.
Ponderam outros que uma Comissão Especial do Congresso, da Câmara ou do Senado, levaria aos mesmos resultados pretendidos pela CPI, sem o vezo da investigação lastreada no Código de Processo Penal.
Entre os críticos contrários à constituição da CPI há pessoas cultas, personagens importantes da vida pública, no passado ou no presente.
Há quem veja risco institucional na abertura da CPI, ou campanhas insólitas durante o seu encaminhamento.
Tais pretensos defensores do Judiciário, que o integram ou dele participaram, não me consta tenham feito alguma coisa, praticaram alguma ação eficaz para acabar com a lentidão dos processos e com a corrupção.
Indago.
Quantos casos de corrupção puniram?
Quantas vezes levantaram a mesma tonitruante voz que agora elevam, para condenar os excessos de sentenças milionárias, depois revogadas por instâncias superiores?
Sentenças que revelam visíveis desvios éticos e que não são sequer criticadas por aqueles que deveriam revogá-las e chamar à responsabilidade quem as exarou?
Por que tanta resistência e receio a uma CPI para examinar denúncias graves, para apurar fatos determinados e aprofundar estudos e providências que possam fazer reverter expectativas pessimistas da população brasileira?
Por que se aferram tanto ao formalismo do fato determinado e à possibilidade de conflito de poderes quando o que está em jogo é muito mais grave?
Direi então ao finalizar, lembrando o imortal patrono desta Casa, o civilista e constitucionalista baiano:
“O tempo dará depois a sua sentença.
“Mas, qualquer que ela seja, terei feito o meu dever, dizendo o que sinto, sem ódio, sem interesse.
“Não sei outra maneira de executar o meu mandato, de servir um governo honesto, de honrar a minha cadeira de senador.
“Quando, para me sentar nela, se me exigir que deixe a consciência à porta da rua, ou me dissimule a voz sob um falsete, ninguém me verá mais neste
lugar, de onde hei de sair honrado, como entrei.
“Assim Deus me ajude.”
Senador Antonio Carlos Magalhães
E ao Brasil também, eu acrescento.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 1999.
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