Continuação: Leia o discurso de ACM a favor da CPI do Judiciário.
25 de março de 1999, 0h00
Concordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor Reginaldo de Castro: “o Judiciário é, dos três Poderes, aquele que mais depende da credibilidade para exercer sua missão”.
Estou trazendo a debate um tema que sempre foi um tabu.
Faço-o na convicção de que me manifesto em nome de milhares de pessoas que não podem fazê-lo de viva voz, mas que se têm manifestado através de centenas de denúncias, vítimas do marasmo dos processos, casos gritantes de injustiça, de favoritismo e de corrupção.
Falo em nome de pessoas que não aceitam mais o nepotismo, essa praga que contamina juizados e tribunais em todo o país.
E essa é uma das contribuições que a CPI, cujo requerimento de constituição estamos encaminhando, pretende dar ao Judiciário.
Devolver-lhe a confiabilidade inquestionável de que sempre deve desfrutar, mas que hoje se encontra muito abalada.
Falo, também é verdade, com a voz da emoção, da indignação que sei também é dos senhores, com a ira santa de todos os habitantes deste país que não se conformam com o desrespeito acintoso, não apenas aos direitos e garantias fundamentais, como também aos mais elementares direitos do ser humano que se vem praticando em certos setores da justiça brasileira.
Não são impulsos que me movem nesta cruzada.
Repito. Quero construir. O que combato é o sistema. Dispenso as individualidades.
Até porque um depoimento sério não pode e não deve abrigar figuras embuçadas na sombra de uma magistratura.
Desejo que a crise do Judiciário seja enfrentada sem delongas, sem receios de retaliações, tudo às claras, para que privilégios não continuem sendo confundidos com prerrogativas e predicamentos.
“Todos os problemas se tornarão menores quando, em vez de fugir deles, os encaramos de frente. Toque um cardo com timidez e espetará as mãos; agarre-o com força e os espinhos se dobrarão.”
Para que a corrupção seja combatida com firmeza e isenção a partir, e por iniciativa dos diversos órgãos e escalões do Judiciário, sem o escudo inaceitável do chamado “segredo de justiça”.
O sigilo, ou segredo de justiça, não é prerrogativa institucional criada em favor do magistrado, e sim do jurisdicionado, para que alcance uma decisão imparcial, rápida e justa.
Nem juiz nem ninguém pode alegar e abrigar-se sob segredo de justiça, em inquéritos e processos de corrupção, desídia, nepotismo, etc…
Esses processos devem correr às claras, porque a publicidade é a regra que permite o controle dos atos dos poderes públicos: a luz espanta o crime.
Esconder-se sob o manto da impunidade durante os processos torna certos magistrados desiguais perante a lei.
Por que numa democracia existe alguém desigual perante a lei?
Contraria-se, aí, a própria Constituição, que impõe, no Capítulo III, do Poder Judiciário, Disposições Gerais, inciso IX, que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.
Por que todos os cidadãos estão sujeitos a julgamento público, e os juízes não estão?
Deputados e senadores, detentores de mandato popular, algumas vezes vítimas de denúncias falsas, de caráter político, são levados à execração pública.
São investigados sob a luz de refletores, discussão e julgamento abertos à opinião pública, com a inegável carga de preconceitos em relação ao Legislativo e à classe política.
Mas juízes não o são! Por quê?
É necessário e urge repensar esta interpretação, de que se beneficiam autoridades.
No Congresso Nacional estamos empenhados em acabar com a impunidade parlamentar.
Estamos votando projeto de emenda constitucional que assegurará a imunidade apenas por opinião, expressão de pensamento e voto.
Com isso os processos contra parlamentares terão andamento rápido no Supremo Tribunal Federal, limitada a interferência das Casas do Congresso no sentido de obstá-los.
Senhoras e Senhores Senadores
Volto à Justiça do Trabalho, que é um caso à parte. Um lamentável caso à parte.
“A Justiça do Trabalho é lenta, conservadora, tem grande dose de vaidade e precisa compreender que não resolverá os problemas do país.”
Quem afirma isso, pasmem os senhores senadores, não sou eu.
É um ministro do próprio Tribunal Superior do Trabalho.
Não é outro senão Almir Pazzianoto, que apontou, em várias oportunidades, segundo notícias divulgadas pelos jornais, outros defeitos na estrutura e no funcionamento do TST e seus tribunais regionais.
Para se ter uma idéia da lentidão a que se refere o ministro, um processo protocolado no TST pode levar um ano ou mais para ser distribuído a um relator.
Repito: ser distribuído e não julgado.
Outra vez repito: essa lentidão ocorre em doses mais elevadas com os casos dos despossuídos e das pessoas de menores recursos, que não têm a quem pedir socorro, nem grandes causídicos a que recorrer.
Volto a repetir: evidentemente que não é por falta de verba que isso ocorre.
O custo do Poder Judiciário da União monta a 7 bilhões e 200 milhões de reais. Pois pasmem os senhores senadores, somente a Justiça do Trabalho consome praticamente a metade desse montante: 3 bilhões e 500 milhões de reais.
Outro dado chocante:
As despesas com pessoal da União, de 1987 a 1999 – doze anos – cresceram no Poder Executivo 224 por cento; no Legislativo, 295 por cento.
Sabe a nação que no Judiciário o crescimento chegou à casa espantosa dos 760 por cento?
Farei agora um comparativo. O custo de um processo trabalhista estima-se em cerca de 1 mil e 600 reais, que significam mais de 12 salários mínimos.
Ou seja: mais de um ano de salário de um trabalhador.
Senhoras e Senhores Senadores,
Nos últimos anos, multiplicaram-se, em escala sem precedentes, os atos de gestão irregular nos Tribunais Regionais do Trabalho.
Muitos deles, tomados isoladamente, parecem pecados veniais.
Porém, qualquer infração à lei, quando cometida por um magistrado, assume sempre gravidade muito maior do que a praticada por cidadão comum.
Ao magistrado cabe interpretar e aplicar a lei.
Mais do que ninguém ele está obrigado a cumpri-la de forma cabal.
Tem o magistrado obrigação de dar o exemplo.
Ele deve ser o paradigma da sociedade em matéria de obediência à lei.
Uma simples pesquisa nos relatórios trimestrais do Tribunal de Contas da União, enviados ao Congresso Nacional, e que estão igualmente publicados no Diário Oficial da União, à disposição de quem quiser ler, evidencia os incontáveis processos em que o TCU nos últimos anos flagrou e condenou presidentes e juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho pela prática de atos administrativos ilegais:
– compra de automóveis de luxo para uso dos juízes, contrariando proibição expressa da Lei de Diretrizes Orçamentárias;
– realização ilegal de despesas vultosas sem crédito orçamentário para construção de novas sedes de juntas;
– contratação de obras para sedes suntuosas a preços superfaturados;
– prática reiterada e generalizada do nepotismo, com a designação de parentes e pessoas estranhas ao quadro de pessoal, para ocupar cargos em comissão e funções gratificadas;
– burla do concurso público mediante recurso à chamada “ascensão funcional”, manobra torpe que consiste em a pessoa prestar concurso para um cargo de menor importância, e depois, por meio de ato administrativo interno, ser alçada para cargo de nível superior, ou então simplesmente ser designada para função de confiança, com polpudas gratificações.
Em conseqüência de desmandos de toda natureza, numerosos presidentes desses tribunais já tiveram suas contas julgadas irregulares pelo TCU, e foram multados por isso.
E eu pergunto: pode-se admitir que o presidente de um tribunal tenha suas contas julgadas irregulares, seja multado pelo TCU, e continue a exercer o seu cargo, com autoridade?
Não exige a Constituição que o magistrado tenha reputação ilibada?
Ilibada, diz o Aurélio, significa “sem mancha”.
Não estará sua reputação manchada, diante da condenação e da multa impostas pelo TCU em casos graves?
Onde se acha a Corregedoria da Justiça do Trabalho, que não toma providências diante de tais situações?
Os processos do TCU dão conta ainda, Senhor presidente, Senhores senadores, de que a mesma prática da criação irregular de funções de confiança por ato administrativo interno, acontece não só nos tribunais regionais de trabalho, mas também nos regionais federais.
Prego, para a Justiça do Trabalho, uma reforma que não implica deixar as demandas trabalhistas desamparadas da proteção judicial.
As situações de conflitos de interesse que se configuram nas relações entre empregadores e empregados muitas vezes só podem efetivamente encontrar solução adequada no foro judicial, mediante o contraditório formal e a sentença – de cumprimento compulsório – exarada por magistrado.
A rigor, a Justiça do Trabalho constitui uma excrescência do estado fascista.
Um anacronismo que só sobrevive por força da inércia do aparelho estatal, e da resistência de quem não quer a modernização da estrutura institucional das organizações públicas do país.
Quanto às Juntas de Conciliação e o caso dos juízes classistas, julgo devem ser extintos.
O cargo de juiz classista, o chamado vogal, deve ser suprimido, por sua absoluta inutilidade.
E duvido que alguém, em sã consciência, não pense assim.
Os juízes trabalhistas concursados e togados, que hoje presidem as juntas, devem ser integrados à Justiça Federal, perdendo seu caráter de juízes especializados em causas laborais.
Continua em Comunidade Jurídica.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 1999.
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