Ética na advocacia

OAB prega ética na advocacia

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5 de março de 1999, 0h00

A ética na advocacia é o tema da campanha que será lançada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil nesta segunda-feira (8/3), às 10h, em Brasília. Juntamente com a campanha, serão lançados o Manual de Ética e Procedimento da Advocacia, elaborado pela 2ª Câmara da entidade, um vídeo e uma cartilha sobre o tema.

A campanha se justifica pelos números. Segundo dados da OAB Nacional, atualmente, cerca de 40 mil advogados estão respondendo a processos administrativos e disciplinares nos Tribunais de Ética do país. Esse número representa 10% de toda a categoria profissional, que seria de cerca de 400 mil advogados em atividade no país.

As representações contra advogados passam por duas fases. A administrativa e a disciplinar. O processo administrativo só se transforma em processo disciplinar, e vai a julgamento, quando fica caracterizada a infração do profissional. Caso contrário, o processo é arquivado.

A assessoria de imprensa da entidade informa que, somente no ano passado, foram protocoladas mais de 11 mil representações contra advogados. O maior volume se concentraria em São Paulo (5,5 mil) e no Rio de Janeiro (2,3 mil).

Para o presidente da OAB Nacional, Reginaldo de Castro, esses números são preocupantes. “O advogado tem de ser honesto. Ele tem deveres morais com a sociedade. Aquele que não se enquadrar neste perfil profissional não pode pertencer aos quadros da OAB”, afirmou.

A idéia da campanha começou a tomar forma no final de 1998, quanto estiveram reunidos os 27 presidentes dos Tribunais de Ética da OAB. Os conselheiros das seccionais concluíram que um dos principais obstáculos para a punição dos infratores é a lentidão no exame dos processos disciplinares.

O novo manual de ética estabelece um prazo de 90 dias para a instrução do processo e o seu envio aos Tribunais de Disciplina. Ele determina que seja nomeado um assistente para auxiliar clientes que julgam prejudicados por seus advogados – medida tida como fundamental para garantir a punição nos casos em que a infração for confirmada.

Leia abaixo a íntegra do discurso de Reginaldo de Castro.

Senhoras e senhores,

O tema desta campanha, Ética na Advocacia, que a OAB hoje inaugura, está longe de restringir-se aos advogados. Seus fundamentos aplicam-se indistintamente a todos os setores da sociedade, sem exceção. Ética e moral são os pilares sobre os quais devem-se assentar a ordem jurídica e a organização social de qualquer país.

Cabem em todo lugar – e sem elas não há civilização digna deste nome.

Ética pressupõe boa fé, correção de conduta, compromisso intrínseco com a verdade, com o bem comum, não apenas com o formalismo jurídico, mas com aquilo que Montesquieu chamava de o “espírito das leis”. A moral está expressa no direito positivo, mas, sem o compromisso ético, que brota na consciência de cada indivíduo, não atinge plenamente seus objetivos.

Daí o sentido profundo e abrangente desta campanha, que, a rigor, deve ter caráter geral e permanente.

A Ordem dos Advogados do Brasil não é apenas entidade classista. Nos termos de seu Estatuto, é entidade comprometida com a defesa da ordem jurídica, do estado democrático de direito, da justiça social e da justa e eficiente aplicação das leis.

Esse compromisso com a coletividade precede, em nosso Estatuto, o compromisso classista de nossa entidade. É o inciso primeiro do artigo que detalha nossa missão institucional.

A Ordem sente-se, portanto, visceralmente comprometida com a ética, com seus fundamentos e objetivos. Assim, nada mais lógico que comece por cobrá-la de seus próprios filiados. Isso lhe dá autoridade moral para cobrá-la dos outros. A melhor e mais eficaz forma de cobrança é a que emana da força do exemplo, da prática fiel daquilo que se está cobrando.

O Brasil é ainda consideravelmente carente nessa questão ética. País relativamente jovem, formado por culturas diversas, que aqui se mesclam e se confundem, vive em alguns setores, sobretudo os ligados ao Estado, processo crônico de confusão, inversão e distorção de valores. Há exemplos diversos, que os jornais estampam diariamente.

A mais perversa dessas distorções é de fundo cultural: a impunidade. Nutre-se da ineficiência da estrutura judiciária do país, insuficiente para atender às demandas da população e cumprir o requisito básico da Justiça, aqui e em qualquer parte: chegar a todos, não importa a categoria social e a localização geográfica.

Daí porque não há como excluir desta campanha o pleno empenho pela reforma do Judiciário. Sem Judiciário eficaz, não há ética. A sensação de injustiça é o caldo de cultura que mais favorece a imoralidade na vida pública, estimula o crime, a desordem, a desobediência civil, a descrença nas instituições.

A OAB está há muito comprometida com essa reforma, que considera a mais importante de todas. Se queremos firmar neste país os postulados da ética, precisamos, antes de mais nada, revogar a cultura da impunidade. Há dias, os jornais publicaram considerações críticas de uma liderança parlamentar influente contra setores do Judiciário, fazendo menção também à existência de “máfias de advogados”.

A OAB, saibam todos, não compactua com essas ou quaisquer outras máfias e está firmemente empenhada em combatê-las. Sabe, no entanto, que tais desvios não se restringem a essa ou aquela categoria profissional. Abrangem um sem-número de atividades que, como já disse, nutrem-se de distorções que têm como matriz o próprio Estado.

Veja-se, por exemplo, o que acontece com a representação política. Antes mesmo de se iniciar a atual legislatura, os jornais registravam que dezenas e dezenas de parlamentares haviam trocado de partido. Até aqui, as mudanças somam mais de uma centena. Ora, é o partido (ou pelo menos deveria ser) o referencial doutrinário, ético e político do eleito.

O eleitor, ao definir seu voto, baseia-se (ou deveria basear-se) nos compromissos programáticos da legenda pela qual o candidato pleiteia o seu apoio. Assim, porém, não acontece – e aí está uma das maiores perversões éticas e morais da vida pública nacional. Precisamos lutar pela correção de tais distorções, que acabam contaminando, como metáteses, todo o tecido moral das instituições. Daí porque nos empenhamos também pela reforma política, que estabeleça a fidelidade partidária com moldura democrática, reveja outras distorções do sistema eleitoral e das prerrogativas parlamentares.

As imunidades, por exemplo.

Tal como o parlamentar, o advogado possui imunidade no exercício de seu ofício. É o que lhe garante defender com liberdade as causas sob seu patrocínio. Para o parlamentar, imunidade é (deveria ser) instrumento que lhe garante o direito de voto e opinião. Nada mais. Restrita a esse objetivo, a imunidade é positiva – e necessária. Fora disso, é violação à ética e à moralidade pública.

Lamentavelmente, a imunidade tem se prestado a impedir a ação da justiça. Não foram poucas as vezes, neste país, que ações criminosas comuns foram acobertadas por manobras corporativistas, que negaram autorização à justiça para que infratores, detentores de mandato parlamentar, respondessem por seus delitos.

Na base de todas essas distorções, está, como é óbvio, a profunda carência nacional por educação. Na medida em que reduzirmos os bolsões de analfabetismo, estaremos reduzindo a exclusão social e aumentando a consciência ética do país. Não há dúvida de que ética e educação estão interligadas. E que a ausência de uma fundamenta a ausência da outra.

A presente campanha da OAB por Ética na Advocacia compromete-se, como disse no início, a dar o exemplo, começando por arrumar a própria casa. A Ordem quer que a advocacia brasileira expresse, sem restrições, o sublime conceito que dela fez um lendário militante da ética, neste país, o advogado Ruy Barbosa. Dizia ele:

“Advocacia, profissão que, entrelaçada pelas relações mais íntimas ao sacerdócio da justiça, impõe ao advogado a missão de luta pelo direito contra o poder, em amparo dos indefesos, dos proscritos, das vítimas da opressão, tanto mais recomendáveis à proteção da lei quanto mais formidável for o arbítrio que os esmague, quanto mais sensível for o vazio que a ignorância, a covardia de uns, o desalento de outros, a letargia geral abrirem ao redor dos perseguidos”.

Muito obrigado.

Reginaldo Oscar de Castro

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Revista Consultor Jurídico, 8 de março de 1999.

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