ACM é interpelado por juízes

ACM terá de explicar acusações de corrupção no Judiciário

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4 de março de 1999, 0h00

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) vai interpelar judicialmente o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, pelas acusações de corrupção feitas contra o Judiciário. Os juízes vão pedir, através do Supremo Tribunal Federal, que o senador confirme as suas declarações publicadas na Revista Época desta semana.

A decisão da AMB, tomada nesta quinta-feira (4/3), na reunião do Conselho Executivo da entidade, em Brasília, é uma resposta aos ataques iniciados em 22 de fevereiro por ACM a várias instâncias do Judiciário, em que defendeu a extinção de tribunais civis e militares.

O presidente do Senado disse que à exceção do Supremo Tribunal Federal, há máfias operando em todos os tribunais brasileiros. “A impunidade campeia. A maioria dos juízes é correta, mas uma minoria estraga todo o Judiciário”.

Segundo ACM há corrupção nos três Poderes da República, mas que a situação é mais grave no âmbito do Judiciário.

Para o presidente da AMB, Luiz Fernando Carvalho, “para que se faça uma declaração dessas, é preciso que se tenha elementos concretos”. A AMB quer que ACM esclareça quais são os fatos concretos que o fizeram chegar a essa conclusão e que ele aponte quem são os corruptos.

Carvalho questiona o fato do senador não ter denunciado essa suposta “máfia” entre juízes e advogados ao Ministério Público. “Se o senador detinha essas informações, por que não encaminhou os nomes ao MP? Isso seria importante, até para que as pessoas acusadas possam se defender se os elementos da acusação não forem concretos”, afirmou.

O presidente da entidade disse que interessa a toda sociedade brasileira, e, principalmente, à AMB que se revele os focos de corrupção citados pelo senador. Segundo Carvalho, “o Judiciário não pode conviver com uma acusação genérica como essa, sem apurá-la”.

Leia abaixo a íntegra da entrevista dada por Antonio Carlos Magalhães à Revista Época.

Época: O que é que o Judiciário tem?

Antonio Carlos Magalhães: O Supremo Tribunal Federal dá exemplos de praticar boa justiça, com dignidade, com respeito… Lá não existe nepotismo. Esse exemplo teria de ser seguido por todos os tribunais, mas não é. Os presidentes de tribunais deveriam se reunir e discutir reformas que dessem à Justiça o apoio popular. Isso não ocorre. O Brasil não pode fazer reformas sem mexer nos Três Poderes. Eficiência da Justiça não existe no Brasil, porque ela é tardia. Rui Barbosa já dizia que a Justiça que é tardia é uma injustiça. Infelizmente há no Judiciário, como em outros Poderes, mas principalmente nele, muita corrupção. Isso não ocorre por falta de controle externo: é um problema de falta de corregedoria. Também é preciso reformar os códigos de processo.

Época: A Constituição confere aos juízes garantias para o exercício da função. Onde está o erro?

ACM: No excesso de garantias. Há quem as use para fazer malandragem e a impunidade campeia. A maioria dos juízes é correta, mas uma minoria estraga todo o Judiciário. Quando um juiz reivindica salário, ele tem até razão, mas não pode se utilizar de uma combinação de máfias, de juízes e de advogados, que funcionam em todo o Judiciário do Brasil. Tirando o STF, quase todos os tribunais têm isso. Você tem advogados ligados a desembargadores, ligados a alguns ministros. As causas acabam propiciando sempre ao rico vencer e ao pobre pagar o preço. Ele não tem dinheiro para pagar advogado e a Constituição exige advogado para todos, até isso está errado. Os juízes dignos estão cansados de ser comparados aos outros.

Época: Há tribunais demais e justiça de menos?

ACM: É correta essa formulação. Temos tribunais de contas que eram órgãos auxiliares do Legislativo e hoje se crêem autônomos por um erro de redação da Constituição. Justiça do Trabalho só existe no Brasil, assim como Justiça Eleitoral permanente. E tribunais militares em vários estados. Temos um Superior Tribunal Militar, e eu o respeito, mas suas análises de processos não chegam a 500 por ano para 15 ministros. Para que essa máquina? Tribunal Marítimo para resolver batidas de lancha…

Época: O senhor não está mexendo em casa de marimbondos?

ACM: Faço um favor à Justiça. Quero diminuí-la em número e melhorá-la em qualidade.

Época: Favor que ela podia se fazer…

ACM: É muito difícil. O problema das corporações é terrível. Sei a luta que tenho no Legislativo para mudar as coisas.

Época: A reforma administrativa só passou no Congresso porque se aprovou uma lei que transformou o teto salarial em gatilho para aumentar o vencimento dos juízes.

ACM: Remunerar bem o juiz é dever do Estado. O que não pode é o juiz, bem ou mal remunerado, praticar o pecado da simonia, que é negociar com a coisa sagrada. Na Bahia uma juíza conseguiu uma indenização de R$ 3 milhões por supostos danos morais referentes a uma conta de água de R$ 15. Daria mais de 100 anos de seus vencimentos. Juízes assim desmoralizam a Justiça.

Época: O presidente do STJ lembra, todo mês, que o Judiciário precisa de apoio porque a União tem mais de R$ 100 bilhões em causas na Justiça. Isso é chantagem política?

ACM: A conclusão é sua, pode ser legítima. Nós já demos ao Judiciário o que tínhamos de dar. Aprovamos o aumento do número de varas, mas vamos ver se eles as implantam.

Época: É mais fácil ser corrupto no Judiciário do que nos demais Poderes?

ACM: Hoje está havendo isso.

Revista Consultor Jurídico, 5 de março de 1999.

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