XVII Conferência dos Advogados

Conferência Nacional enfocará os problemas da advocacia

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24 de maio de 1999, 0h00

A XVII Conferência Nacional dos Advogados, que ocorrerá de 29 de agosto a 2 de setembro na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), vai refletir as múltiplas incertezas e desafios deste final de século. Serão quatro dias de debates em torno do tema central “Justiça – Realidade e Utopia”, com cerca de 150 expositores do Brasil e do exterior.

Além dos tradicionais debates sobre a exclusão social, os direitos fundamentais e o acesso à Justiça, este ano a variedade dos tópicos reflete as recentes questões da sociedade globalizada. Das exposições sobre Biodireito e bioética aos debates sobre a advocacia na era das comunicações, são muitos os novos temas que já fazem parte da realidade da sociedade brasileira.

É exatamente a diversidade de temas, os painéis simultâneos sobre assuntos tão diversos, que tornam a XVII Conferência uma rara oportunidade para que o profissional possa se reciclar e conhecer os rumos da advocacia em várias partes do mundo. Quatro profissionais estrangeiros estarão reunidos num debate que enfocará o advogado e a reforma da Justiça: Júlio de Castro Caldas, de Portugal; Eugeni Montalvo, Espanha; Luís Marti Migarro (Espanha) e Stevem Hammond (UIA).

Outro tema de absoluta modernidade no maior país católico do mundo: “As relações de família em mudança”. O painel terá exposições sobre “Refazendo o Direito de Família”, “DNA e investigação de paternidade” e “Aspectos psicológicos da adoção”. O debate sobre “Eleições e Democracia”, tema caro num país como o Brasil, onde os índices de analfabetismo e pobreza ainda são muito altos, vai servir como referência às discussões em pauta no Congresso sobre a reforma política. Os palestrantes vão debater “Sistema Eleitoral e Direitos Políticos”, “Controle das eleições e informação”, “Sistema partidário e cidadania” e “Fidelidade partidária”.

A globalização será tema de outro debate que deve despertar grande interesse entre os advogados. Os subtemas a serem abordados são: “Capitalismo globalizado”, “Igualdade e uniformidade na globalização”, “Globalização e exclusão” e “Globalização e crise dos direitos nacionais”.

Direito e Ética na sociedade de informação é outro tema que será debatido no encontro dos advogados. O especialista italiano Stefano Rodotá vai falar sobre “Proteção dos dados pessoais e a rede mundial”. A advogada francesa Wanda Capeller dissertará sobre “Crime organizado e informática”, enquanto o advogado mineiro Paulo Gouveia Medina falará sobre “Propaganda profissional e ética”.

Outros temas que despertam interesse nos debates são os que abordarão as questões raciais, como o debate sobre discriminação racial e a via criminal e “Combate ao racismo pela via não criminal”. Há também os painéis sobre os processos alternativos à Justiça, que detêm muita atenção junto à categoria, como os Juizados especiais, a Justiça de paz e “Agências regulatórias: novo espaço de solução de conflitos”.

Os problemas

O Brasil ocupa o 2º lugar no mundo ocidental em número de advogados – 450 mil profissionais em atividade. Esse número não significa que o país seja uma referência de qualidade no ensino jurídico. Pelo contrário. Os problemas são muitos, desde deficiências na formação profissional até um isolamento da categoria, que levou a uma defasagem em relação a profissionais de países mais avançados. “Durante o período em que o Brasil teve seus mercados fechados, a advocacia brasileira se isolou do resto do mundo e isto nos conduziu a uma defasagem”, admite o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Reginaldo de Castro.

O presidente da OAB observa que a Conferência se constituirá numa oportunidade sem paralelo para que o advogado conheça as novas demandas e nichos da profissão, como as agências regulatórias. “As agências significam novos ambientes de soluções de conflito, são praticamente tribunais administrativos”, diz Reginaldo de Castro. “É um nicho de trabalho de enorme absorção dos serviços profissionais, mas estamos vendo isto acontecer sem que, mais uma vez, a advocacia brasileira esteja se preparando para este novo momento”.

Descrença

O presidente da OAB avalia que a maior dificuldade enfrentada hoje pelo advogado brasileiro é “a descrença presente na sociedade em relação ao Judiciário”. Isso faz com que o advogado perca não só a autoridade, mas a utilidade no meio social, porque o profissional da advocacia só é procurado no sentido de resolver um conflito, seja amigavelmente ou em juízo. “Ninguém quer mais ir a juízo, porque sabe o dia em que entra, mas jamais pode imaginar quando vai sair”.

Reginaldo de Castro cita ainda o empobrecimento da classe média brasileira como outro fator que dificulta a atuação do advogado. Enquanto as elites econômicas contam com advogados em seu corpo de funcionários e servidores, “a Justiça está se distanciando cada vez mais da maior parte da população brasileira”. Isto ocorre por falta de condições de pagar um advogado e também por falta de hábito de se consultar um advogado a cada negócio que se faz. “Isto já é um aspecto cultural”, ressalta.

O presidente da OAB adianta que, nos tempos atuais, cada vez mais o advogado tem que se transformar num profissional que atue preventivamente, no sentido de evitar os conflitos, de evitar que as crises nos negócios cheguem ao ponto de ser compulsório o recurso ao Judiciário. “A antiga idéia do advogado como instrumento de preservação de conflito começa a tomar um outro corpo”, reforça ele. “Primeiro, porque o advogado não pode ser no conflito social um estimulador do crescimento desse conflito; ao contrário, tem que atuar no sentido de obtenção da paz social, e isto só se consegue com a adequação do ensino à esta nova realidade da civilização”.

Com a velocidade da vida moderna, não há Poder Judiciário que dê resposta adequada a esses problemas, avalia Reginaldo de Castro. “Pense que hoje é possível se resolver problemas significativos em apenas um dia, mas se alguém for levar ao Judiciário uma questão qualquer poderá levar até 20 anos, então é uma enorme defasagem”, lembra. “Isto angustia mais ainda, vem em desfavor da própria advocacia e acaba tornando nulo o papel essencial que o advogado teria no meio social que seria o de trabalhar no sentido da construção da ordem jurídica, da paz social”.

Deficiências

As deficiências na formação educacional e universitária do advogado são computadas como um problema gravíssimo pelo presidente da OAB. Recentemente, 53 cursos de Direito foram reprovados numa avaliação de qualidade feita pelo Ministério da Educação. “Eles correspondem a quase 20% da totalidade dos cursos em funcionamento no Brasil”, lembra Reginaldo de Castro, para dar a exata dimensão do problema.

Outro aspecto que evidencia a queda na qualidade do ensino jurídico é o alto índice de reprovação no próprio exame da Ordem. Para que um bacharel em Direito possa ser advogado, ele precisa ser aprovado na prova da OAB, chamada Exame de Ordem. Em São Paulo, onde está a maioria das universidades de Direito, a reprovação nos dois Exames de Ordem de 1998 alcançou 70% dos 28 mil inscritos; no Rio de Janeiro, 40% de 4.700 inscritos; e em Brasília, 50% de 1.500 candidatos.

O Brasil tem hoje 300 faculdades de Direito, algumas irregulares (sem o parecer da OAB). Os Estados Unidos, mesmo com população maior do que a brasileira, têm apenas 181 cursos jurídicos.

Em 1998, 43 mil bacharéis em Direito chegaram ao mercado de trabalho. As condições dos cursos, segundo o MEC, não são as melhores. A baixa qualidade do ensino também se reflete nas carreiras jurídicas. Nos concursos públicos para cargos na magistratura e no Ministério Público sempre sobram vagas.

Em 1995, 96 e 97 chegaram à OAB 598 pedidos de abertura de cursos jurídicos: apenas 31 receberam parecer favorável.

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