Consultor Jurídico > comunidades > Judiciário > Continuação 4: Mendonça de Barros e Resende acusados de improbidade
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Continuação 4: acusados de improbidade

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9 de dezembro de 1998, 23h00

53 – Nesta mesma ação, o Ministério Público levantou além das irregularidades formais que constavam do edital e que acarretavam a sua nulidade, questões sobre a ilegalidade do seu objeto. Dos dezessete itens elencados no Edital da 1ª Convocação, procurou-se, em total desrespeito à Constituição Federal e aos princípios da Lei nº 9.472/97, além da Lei 6.044/76, a efetivação da cisão parcial da companhia, mediante versão de parcela de seu patrimônio ao capital de outras 12 novas sociedades anônimas a serem criadas na assembléia, e da instituição de uma "fundação privada" que ficaria com o acervo líquido afeto ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento.

54 – Acolhendo as alegações do Ministério Público, foi proferida decisão concessiva da liminar suspensiva da primeira assembléia, onde ficou reconhecida a ilegalidade do objeto do edital, visto que inexistia a lei específica, necessária por imposição constitucional, para que se operasse a cisão da Companhia, nos seguintes termos:

"Nesta sede, reputo bastante consistentes os argumentos jurídicos invocados pelo Ministério Público Federal.

A Constituição Federal explicita, no seu art. 37, incisos XIX e XX, verbis:

XIX – somente por lei específica poderão ser criadas empresas públicas, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública;

XX – depende de autorização legislação em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada

É certo que o Congresso Nacional optou em autorizar o Executivo a incrementar o seu plano de desestatização. Porém, este deve ser executado de acordo com a lei e a Constituição. A urgência, a pressa, e os objetivos políticos momentâneos não podem servir de pretexto para que não se observe a lei e a Constituição.

Mesmo contendo a Lei Geral de Telecomunicações autorização – do que não estou convencido – para que a Telebrás constitua novas sociedades de economia mista, verifico a sua contrariedade com a Constituição Federal, já que esta exige lei específica para essa finalidade ( a Lei nº 9.472/97 é geral)

Malgrado os demais argumentos, contento-me com o enfoque quanto à ausência de lei para que se opere a cisão da Companhia tal como prevista no Edital ora impugnado.

Assim, em exame ainda que preliminar, parece-me apontar o Edital em testilha para o desrespeito à legislação de regência. As razões do Autor desta Ação potencializam, portanto, o fumus boni juris."

55 – Contra essa decisão, foi interposto recurso de Agravo de Instrumento pela Telebrás, ao qual por decisão preliminar foi negada a atribuição do efeito suspensivo sendo, no entanto, reconhecido também pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região que o processo de reestruturação do Sistema Telebrás não se amoldava à normatização constitucional pertinente, arrematando ainda que "a convocação de Assembléia Geral Extraordinária pela Telebrás, com o fim de deliberar sobre a cisão desta empresa estatal, tendo presente o escopo imediato de constituir novas sociedades, como já assinalado, independentemente da prévia autorização legislativa para tanto (C.F. art. 37, IXI e XX) mostra-se atentatória às regras jurídicas constitucionais précitadas."

56 – A despeito da liminar deferida, com o uso de sua força política e mostrando total desapego à lei, o Poder Executivo voltou a promover a apressada, irresponsável e ilegal privatização da Telebrás.

57 – E no mesmo diapasão em que foi suspensa a primeira convocação da assembléia, foi suspensa também a assembléia convocada para o dia 13 de maio de 1998, por nova decisão liminar concedida nas ações civis públicas interpostas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Atividades Diretas e Indiretas em Pesquisa e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia de Campinas e Região e pelo Ministério Público.

58. Nesta decisão ficou expressamente reconhecido pelo MM. Juízo Monocrático que o edital de convocação e a o objeto de discussão de assembléia estavam eivados de nulidades, tanto mais porque, os assuntos que se pretendia discutir iriam colocar "em risco o patrimônio tecnológico conquistado por empresa mantida com capital público, durante mais de 26 anos de pesquisa e desenvolvimento científico, transferindo-o gratuitamente para uma entidade de direito privado, violando disposições legais, atingir-se-ia a própria Constituição Federal que determina à Administração Pública, o dever da ESTRITA LEGALIDADE, bem como ofender-se-ia até o princípio Constitucional da Garantia do Desenvolvimento Nacional, previsto no inciso II do art. 3º da Carta Magna."


59 – Embora o Poder Executivo insistisse na realização de assembléia, convocou "segunda" assembléia para o dia 22 de maio de 1998, que não foi realizada por força de medidas liminares concedidas nas ações civis públicas.

60 – Porém, de forma absolutamente irregular, a assembléia convocada para o dia 22/05/98, às 08:00 h., embora não realizada no horário previsto no Edital de Convocação, com suporte na decisão proferida pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que suspendeu os efeitos das medidas liminares, por volta de 16:00 h. desse mesmo dia 22, foi realizada com início às 16:30 h..

61 – Essa decisão da presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a qual suspendeu os efeitos das liminares, foi objeto de Agravo interposto pelo ora Requerente e foi revogada pelo Pleno desse Eg. Tribunal, por 10 a 4 votos, em julgamento realizado no dia 18/06/98.

62 – No entanto, mais uma vez alicerçada no artigo 4º da Lei nº 8.437/92, foi deferida a suspensão de segurança, agora pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça contra a decisão do Órgão Especial do TRF – 3ª Região. Contra essa decisão do Presidente do TRF-3ª Região, foi interposto recurso de Agravo foram submetidas ao órgão colegiado, mas que não foram apreciadas a tempo, em vista das férias de julho naquele tribunal.

63 – Nas razões desse Agravo foi, dentre outros argumentos, alegada a incompetência do Presidente do Superior Tribunal de Justiça para suspender os efeitos de decisão do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em sede de Agravo sobre suspensão de medida liminar deferida em Ação Civil Pública, bem como a inexistência de prova inequívoca, necessária por determinação legal, do dano decorrente da eficácia da liminar suspensa.

64 – Isto porque, o artigo 4º da Lei nº 8.437/92 atribuiu competência ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região para apreciar pedido de suspensão contra medida liminar deferida pelo Juízo Federal Monocrático dessa 3ª Região, e não ao Superior Tribunal de Justiça. Tanto é assim que o pedido de suspensão já havia sido apresentado e deferido num primeiro momento, e negado por maioria de 10 a 4 votos.

65 – Do mesmo modo, o artigo 4º da Lei 8.437/92 não atribui competência ao Superior Tribunal de Justiça para suspender decisão colegiada do Tribunal Regional Federal, pois esse dispositivo legal, trata, exclusivamente, da suspensão de medidas liminares em Ação Civil Pública pelo Tribunal imediatamente superior, ou seja o Tribunal Regional Federal, frise-se, como de fato ocorreu.

66 – Diz o artigo 4º da Lei nº 8.437/92:

Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e às economias públicas. (grifamos)

67 – Do mesmo modo, os artigos 25 da Lei nº 8.038/90 e 271 do RISTRJ, com redações semelhantes, não autorizam o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a suspender decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que dá provimento ao Agravo contra suspensão de segurança, pois prevê, exclusivamente, competência para suspender execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança.

68 – Daí porque, a r. decisão prolatada pelo Excelentíssimo Ministro Antônio Pádua Ribeiro é nula de pleno direito, posto que não é atribuída competência ao Superior Tribunal de Justiça para suspender decisão colegiada do Tribunal Regional Federal que dá provimento a Agravo contra decisão de suspensão concedida pelo presidente desse mesmo Tribunal Federal, acerca de medida liminar deferida em Ação Civil Pública e não em Mandado de Segurança ou Ação Cautelar.


69 – Destarte, naquela época, com a impossibilidade de apreciação daquele agravo, bem como com o risco iminente do dano decorrente da efetivação do leilão objeto do ilegal processo de privatização, o Autor apresentou, ainda, pedido ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, para que, em termos de Reclamação (RISTF) ou Poder Geral de Cautela, suspendesse o leilão até o julgamento do mérito, mas tal providência não gerou o resultado pretendido, tendo sido o pedido não conhecido.

70 – Permaneceu vigindo a decisão de suspensão do Superior Tribunal de Justiça, a qual revigorou a suspensão concedida pelo Presidente do Tribunal Regional da 3ª Região, embora reformada pelo seu Órgão Especial por maioria esmagadora.

71 – Com efeito, com a vigência da decisão do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o Leilão de Privatização da Telebrás estava no dia 28 de Julho de 1998 prestes a ocorrer sob o manto de decisões de Suspensão de Segurança proferidas no TRF da 3ª Região, essa cassada pelo Órgão Especial daquele Tribunal, e do próprio Superior Tribunal de Justiça, ambas com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.437/92.

72 – E aqui Exa., dada as flagrantes irregularidades acima aventadas, faz-se um adendro para que também se esclareça e apure a existência ou não de interferências de agentes do Poder Executivo que poderiam influenciar no Poder Judiciário para efeito de dar continuidade ao processo irregular de privatização já consumado. Isto também porque, causa-nos estranheza as afirmações nunca negadas, diga-se, leviandades lançadas pelo Ministro Mendonça de Barros e pelo Secretário de Comércio Exterior José Roberto Mendonça de Barros, na conversa gravada entre os dois, cujo teor foi publicado pela imprensa nas Revistas "Carta Capital" e "Época". Tudo, por dedução do próprio teor do diálogo abaixo transcrito:

José Roberto: Agora você percebeu que vai ficando perigoso, né? O Bandeira de Mello entrou com uma ação lá em Campinas.

Mendonça de Barros: Esse é um babaca.

José Roberto: Agora fodeu.

Mendonça de Barros: É agora fodeu. Porque esse, realmente… A Carola agora vai ficar tranquila, né?

José Roberto: Que babaca que é esse cara, né? Entrou em Campinas, pô.

Mendonça de Barros: É pro cara lá do, do, do….

José Roberto: Mas deve ter entrado com aquela arrogância dele, né?…. De que o homem não pode ser elegível, aquele negócio todo. Mas eu dei muita risada a hora que eu vi – Bandeira de Mello entrou em Campinas. Falei. Ah, Agora acabou. Agora pode ir para casa. (Revista Época, nº 27, p.27)

73 – Note-se Exa., a gravidade e a perplexidade das afirmações acima transcritas. Cabe assim, a esta Procuradoria, apurar tais fatos e alegações, especialmente quanto a indignação por parte dos dois irmãos, ambos agentes públicos, da propositura de ação judicial pelo Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello; esclarecimentos sobre as afirmações "A Carola agora vai ficar tranquila", "Mas eu dei muita risada quando eu vi – Bandeira de Mello entrou em Campinas" (lembre-se que todas as liminares concedidas foram decorrentes de ações civis públicas interpostas na Comarca de Campinas) e finalmente, "Ah, agora acabou. Pode ir para casa". De resto, dispensa-se maiores explicações dos termos ditos pelos interlocutores da conversa, pois são auto-explicativas e consubstanciadas em linguagem mais condizente com frequentadores de "cabarets" decadentes daquela que se poderia esperar de pessoas que ocupam cargos da mais alta relevância do Poder Executivo.

74 – Mas, continuando o caminho das irregularidades seguido pelo processo de privatização do Sistema Telebrás, temos que nos dias 28 e 29 de julho de 1.998, foram ainda concedidas várias liminares com o intento de novamente obstar o referido processo, tendo-se em vista a detectação e reconhecimento das ilegalidades e inconstitucionalidades insanáveis.

75 – Entretanto, a União Federal, maior interessada nessa privatização, pois carente de fundos para recuperar o déficit público, conforme amplamente divulgado pela imprensa, imediatamente se estruturou para apresentar pedidos de suspensão dessas liminares, obviamente por serem certas em termos de deferimento judicial, tendo sido algumas medidas liminares suspensas antes da realização do Leilão de Privatização que ocorreu às 10:00 horas do dia 29 de Julho.

76 – Ocorre que, com certeza, pelo menos uma dessas diversas medidas liminares deferida para impedir o referido leilão não foi suspensa à tempo. Ou seja, com certeza o leilão foi realizado quando vigente e eficaz uma decisão judicial liminar que o impediu, não obstante a Ré União Federal já tivesse ciência dessa proibição.

Ou seja, com certeza o leilão foi realizado quando vigente e eficaz uma decisão judicial liminar que o impediu, não obstante a Ré União Federal já tivesse ciência dessa proibição.

77 – Trata-se da medida liminar deferida pelo Juiz Federal da 6ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, nos autos da Ação Popular nº 98.0013665-7, o qual reconheceu, do mesmo modo que outros Juízes Federais em ações contrárias à realização dessa privatização, que o Leilão é consequência indevida de um processo irregular de privatização.

78 – Essa medida liminar foi deferida no dia 28 de julho de 1998, suspendendo o leilão do dia 29 seguinte, com destaque à irretorquível lição de cidadania inserta na decisão, pelo que nesse momento pede-se vênia para a merecida transcrição:

"Com base no § 4º, do art. 5º da Lei 4.717/65 determino a suspensão liminar da alienação de ações ordinárias e preferenciais das empresas federais de telecomunicações anunciadas pelo Edital MC/BNDES nº 01/98, inclusive, de todos os atos administrativos descritos no cronograma de eventos descritos na norma editalícia.

(…)

Ainda que esta decisão judicial, como outras símiles surja natimorta, oxalá o autor popular um dia, quiça agora, em casos como este, possa Ter fé do moleiro de Sans Soucis, do qual falou Calamandrei, e proclamar, não, que há juízes no Brasil, mas que o Brasil é um Estado Democrático de Direito."

79 – Ressalta-se que o MM. Juiz Federal deferiu ainda, a Carta Precatória Intimatória da medida liminar via telex, telefone, telegrama ou radiograma, e determinou a citação dos réus.

Continua em Comunidade Jurídica

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 1998.

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Internet sob a ótica jurídica

Continuação: Leia a mais completa análise sobre os aspectos jurídicos

Autor

12 de setembro de 1998, 18h29

II – Aspectos Jurídicos

O surgimento de novas tecnologias sempre representaram, em toda história da humanidade, um desafio à organização e evolução das sociedades, pois as mudanças que ocorrem nos hábitos e atividades sociais implicam necessariamente em mudanças nas regras jurídicas existentes em cada país.

Em cada época, encontra-se um fator determinante do maior ou menor desenvolvimento de cada nação. Assim, até o século XVIII, a exploração do comércio de mercadorias primárias, tais como os produtos agrícolas, especiarias, tecidos, etc, representava o ponto central da economia dos países mais desenvolvidos. No século XVIII, o fator determinante do desenvolvimento de um país passou a ser o grau de industrialização de sua produção, surgindo a partir da chamada revolução industrial a progressiva divisão internacional do trabalho, a polarização norte-sul, com a industrialização dos países do norte, e a crescente busca por mercados consumidores. Hoje em dia, podemos apontar uma nova onda de desenvolvimento, a da tecnologia, que vem novamente alterar o cenário político-econômico mundial, uma vez que, mais do que nunca na história da humanidade, o domínio e disponibilidade de informações passou a ser a principal fonte de poder.

Atualmente, a utilização e desenvolvimento de novas tecnologias estão presentes em quase todas as relações sociais, pois desde a mais prosaica atividade de um indivíduo, como a consulta a um saldo bancário, até a mais complexa manobra militar, provavelmente estarão sendo acompanhadas ou realizadas através de um computador. A expansão e popularização do uso de computadores, observadas na última década, é, sem dúvida, um dos mais evidentes sinais da influência da tecnologia em nossa vida quotidiana.

Assim, com o crescente uso da Internet como ferramenta para a comunicação e troca de informações, incluindo-se aí sua utilização como uma nova rota de comercialização de bens e serviços, muitos aspectos dos ordenamentos jurídicos dos países que têm se utilizado desta tecnologia devem ser cuidadosamente examinados. Algumas das implicações que merecem especial atenção nesse exame são o tratamento tributário dos serviços oferecidos, a responsabilidade, julgamento e punição de crimes ocorridos via rede (como a difamação, por exemplo), a proteção de marcas, patentes e direitos autorais, a publicidade e a realização de comércio via Internet, inclusive a transmissão e desenvolvimento de novas tecnologias, dentre outros.

A análise desses temas deve ser feita tendo-se em mente as características peculiares que a Internet veio trazer ao cenário das relações humanas, e consequentemente no Direito, pois além da incrível agilidade que a Internet proporciona para a realização destas relações, não é possível, pelo menos até o momento, precisar em qual território ou nação tais relações ocorreram, pelo fato de ocorrerem em rede. Ora, a territorialidade sempre foi um dos elementos essenciais para a aplicação do Direito, sendo um dos princípios da soberania dos Estados contemporâneos o reconhecimento do poder de aplicação do direito nacional de um Estado dentro de seu próprio território.

A descentralização é uma das mais marcantes e, por vezes, preocupante, características da Internet, pois não existe um órgão central que a administre, ou através do qual as informações necessariamente devam passar. Desta forma, não existe um órgão que controle o fluxo, tampouco o conteúdo, das informações que circulam pela rede, podendo a informação lançada na rede percorrer diversos caminhos, passar por vários servidores, e com isto, percorrer vários países, até chegar ao destinatário final.

Em conseqüência desta descentralização e da possibilidade de, através da rede, ser enviada desde uma simples carta, até a proposta e autorização de fechamento de uma importante negociação comercial ou política, há o surgimento de uma série de novas questões, nas diversas áreas do Direito.

Um exemplo dessas mudanças é a crescente dispensabilidade dos documentos “físicos”, ou seja, da utilização do papel na realização de contratos, propostas e mesmo divulgação de obras, através de correios eletrônicos, das páginas da WWW, ou de outros recursos oferecidos pela rede. Desta simples inovação surgem questões tais como a aplicabilidade da proteção aos direitos autorais ao conteúdo digital das informações transmitidas via Internet, a questão da segurança na realização de contratos e transmissão de informações confidenciais, ou mesmo a realização de provas num eventual processo. Por exemplo, como provar que arquivos da memória de um computador particular foram destruídos por uma pessoa que teve acesso a eles através da rede?

O desenvolvimento da Internet traz, portanto, profundos desafios às estruturas sociais, políticas, econômicas e, de nosso maior interesse, jurídicas.


O direito deve dar solução a estas e tantas outras questões vindas do desenvolvimento tecnológico, e portanto do desenvolvimento da Internet, soluções estas que sejam capazes de satisfazer justas pretensões, punir fraudes e regulamentar acordos internacionais. Logo, há a necessidade de uma releitura e, em muitos casos uma adaptação do direito a esta nova realidade.

Como já foi dito, independentemente de serem de ordem civil, comercial, penal ou tributária, encontrar a solução para essas novas questões esbarra no princípio da Territorialidade do Direito, segundo o qual é reconhecido a cada Estado a soberania para regular as relações da sociedade e entre as pessoas que vivem em seu território. A escolha da lei aplicável a uma relação que tem origem ou produz seus efeitos no âmbito internacional já suscita muitas questões. Normalmente, recorre-se à norma de sobredireito do país onde ocorreu o fato, ou onde este produziu seus efeitos, para dirimir a dúvida sobre a lei aplicável e qual o foro competente para julgar os problemas dele decorrentes. A questão se complica no caso das relações ocorridas via Internet, pois não é possível determinar qual o território em que aconteceram, e consequentemente, qual a norma de sobredireito aplicável às questões aí surgidas.

Tendo em vista todas as inovações surgidas da utilização da Internet, passaremos a abordar algumas das suas principais implicações jurídicas.

III – Questões Jurídicas nas Relações via Internet

1. A Proteção ao Direito Intelectual

A utilização da Internet como forma de divulgação e transmissão de informações traz consigo uma série de problemas relacionados aos direitos de propriedade intelectual, pois devido à já mencionada facilidade de acesso e cópia do material que circula na rede, há o perigo de que as informações sejam utilizadas de maneira tal que desrespeitem os direitos de seu criador ou titular. O acesso aos dados lançados na rede não outorga ao usuário o direito de dispor deles como melhor lhe parecer, assim como a compra de um livro não dá direito a quem o comprou de copiá-lo, revendê-lo ou utilizar, de forma não autorizada, de seu conteúdo, sem que sejam pagos os direitos autorais. O fato das obras e informações transmitidas através da Internet estarem sob a forma digital não retira delas a característica de criação humana, passíveis de proteção jurídica, garantindo ao criador ou autor destas obras o direito exclusivo de reprodução, divulgação e utilização de seus trabalhos, e o direito à remuneração por sua utilização, seja através da aplicação das normas de direito de autor, seja através da aplicação das normas de proteção à propriedade industrial.

1.1. O Direito Autoral

Devido à adesão de vários países aos tratados internacionais sobre a proteção de direitos intelectuais, dentre eles os mais importantes, a Convenção para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas de 1886, conhecida como a Convenção de Berna, e a Convenção Universal sobre Direitos do Autor, de 1952, conhecida como Convenção de Genebra, os direitos autorais recebem um tratamento mais ou menos homogêneo em todo o mundo.

A proteção aos direitos autorais visa incentivar o esforço criador dos autores, por reconhecer um direito exclusivo sobre suas criações artísticas. Para o direito brasileiro, basta que a criação tenha o requisito da originalidade, ou seja, que a obra seja produto da capacidade criativa do artista, para merecer a proteção dos direitos autorais. O direito de autor manifesta-se assim que um trabalho é colocado num meio de comunicação acessível, no caso, as páginas da WWW ou qualquer outro meio de utilização da Internet, e quando este material é utilizado de forma não autorizada pelo seu criador.

A proteção deste direito se complica quando duas ou mais jurisdições estão envolvidas na solução de um conflito, dificuldade esta agravada caso a relação que ensejou o conflito ocorra em rede, ou seja, via Internet. O fato de não ser possível determinar em qual território ocorreu a ofensa ao direito, gera controvérsias e dúvidas sobre qual a lei e jurisdição competentes para apreciar o conflito.

No Reino Unido, assim como no Brasil, não se exige o registro da obra para a concessão da proteção aos direitos autorais, basta que ela seja fruto de uma criação original do autor. Já nos Estados Unidos, o registro é uma condição para que o criador possa defender seus direitos em juízo. A legislação de outros países pode ainda exigir um grau de originalidade maior do que o apresentado por um trabalho que seria normalmente protegido pelas leis brasileiras, por exemplo. Uma outra dificuldade encontrada neste ramo do direito é o fato de que muitos direitos nacionais não prevêem o direito à proteção do material digital transportado através da rede.


Para evitar a ocorrência destes problemas, o titular de direitos autorais ou o autor de uma obra deve tomar muitos cuidados ao lançá-la na rede. Materiais com alto valor comercial não devem ser veiculados de forma que propicie sua utilização e reprodução indevida (pirataria). Utilizar-se da tecnologia existente para dificultar a cópia ou o acesso ao material colocado na rede é muitas vezes mais barato e eficaz do que apelar para as leis de proteção aos direitos autorais. Já estão sendo desenvolvidos métodos de resguardar eletronicamente o conteúdo das informações transmitidas via Internet, tais como a elaboração de códigos de acesso às informações, as chamadas “chaves” eletrônicas, sem as quais o receptor não pode ler ou reproduzir os dados transmitidos, dentre outros artifícios para dificultar a atividade dos pirateadores.

Uma outra medida de proteção constitui em inserir no material disponível na rede mensagens evidenciando a necessidade do pagamento de direitos autorais no caso de uso e reprodução das informações. Tais avisos poderiam aparecer na tela do usuário antes que este tivesse acesso ao material, informando-o a quem serão devidos os direitos autorais, e quais as condições de uso permitidas ou proibidas. O usuário, então, ao dar o comando que o permite ler o material relevante, estaria aceitando as condições estabelecidas. Mas devemos reconhecer que tal medida constitui-se de uma espécie de “acordo de cavalheiros”.

As medidas “preventivas” são necessárias, pois as leis internas de proteção aos direitos autorais devem ser utilizadas como uma segunda barreira contra reproduções ou utilizações não autorizadas, tendo em vista a já mencionada dificuldade existente quando duas ou mais jurisdições estão envolvidas numa mesma relação, mesmo havendo uma certa harmonia de tratamento pelas leis internas da maioria dos países, como é o caso da proteção aos direitos intelectuais.

Um provedor de informações ou uma editora também devem tomar alguns cuidados para não infringir os direitos autorais dos criadores do material que é colocado na rede. Devido à agilidade de acesso e transmissão dos dados, o provedor muitas vezes não realiza a compra, propriamente dita, dos direitos autorais, mas obtém uma licença de uso do material junto aos seus titulares. Mesmo com a facilidade que este processo de obtenção da licença representa, ainda existe o risco de que alguns países não a reconheçam como instrumento hábil a outorgar o direito de uso e divulgação do material ao seu titular.

Em países com alto grau de aplicação da proteção aos direitos pessoais, como em alguns estados americanos, poderá haver problemas devido à simples veiculação de um material multimídia ou obra literária. Nesses estados, é concedido a cada indivíduo o direito de impedir qualquer forma de exploração comercial de sua imagem. Sendo assim, um material multimídia com imagens, sons ou mesmo nome que apresentem qualquer semelhança com a fisionomia, voz ou nome de uma pessoa, corre o risco de sofrer impugnação judicial, no que se refere à sua divulgação, caso não se obtenha uma licença dessa pessoa para “explorar sua imagem”. Mesmo que a ocorrência de litigância judicial não seja tão expressiva na prática, a própria existência de direitos desta natureza evidencia os riscos legais aos quais um provedor de informações ou um produtor de material multimídia está exposto, ao veicular materiais via Internet.

1.2. O Direito da Propriedade Industrial

No que se refere à propriedade industrial, um dos assuntos mais discutidos é a proteção do uso da marca nas relações ocorridas em rede.

Um problema que surgiu neste sentido foi a adoção de marcas de empresas conhecidas, como nome de domínio (domain name) por particulares ou outras empresas, que não as verdadeiras titulares das marcas. O nome de domínio deve ser único, para o bom funcionamento da rede. Para evitar a ocorrência de nomes de domínio idênticos, as organizações encarregadas de fazer o registro do endereço do usuário da Internet estabeleceram uma ordem de preferência para a aquisição do nome, de acordo com a data do pedido de concessão do nome de domínio. No entanto, tais organizações não efetuam uma análise de confundibilidade com os nomes de domínio previamente registrados, nem com marcas previamente registradas ou protegidas de qualquer outra maneira pela legislação nacional. Devido a isto, muitas empresas, titulares de marcas famosas, frustraram-se ao tentar registrá-las também como seu nome de domínio, de forma a mantê-las associadas aos seus produtos e serviços, pois o direito à exclusividade de tal nome já havia sido concedido a usuários que solicitaram o registro anteriormente.

Foi o que aconteceu com a empresa McDonald’s, que, sendo legítima titular desta marca, não pode inicialmente registrá-la como seu endereço na Internet, pois tal já havia sido feito por Joshua Quittner. Quittner obteve o registro de seu endereço eletrônico como “mcdonalds.com”, e recebia correios eletrônicos no endereço “[email protected]”. A empresa McDonald’s entrou com uma ação judicial para obter o direito de uso de sua marca também como endereço na Internet, ação esta que não foi julgada devido ao fato de que Quittner aceitou abrir mão de seu nome de domínio em troca da doação, por parte da McDonald’s, de U$ 3.500,00 (três mil e quinhentos dólares norte-americanos) a uma escola. Mas nem sempre recobrar o direito de uso de sua própria marca é tão pouco demorado, e pode vir a ser ainda mais caro, caso seja intencional a apropriação da marca conhecida pelo usuário, para fins de extorquir altas somas de sua legítima titular (é o chamado “seqüestro de marcas”).

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