Continuação: Veja como deve ficar a Reforma Tributária.
8 de julho de 1999, 0h00
7 – IVA, Imposto sobre Valor Adicionado
A base fundamental do novo sistema tributário deve ser um novo imposto sobre valor adicionado para substituir o ICMS e o IPI, impostos sobre valor adicionado parciais, bem como o ISS, que é um imposto cumulativo.
As principais características do IVA:
– não cumulativo;
– partilhado entre União e Estados, ou seja, será composto de duas alíquotas, uma federal e outra estadual;
– os Municípios terão direito a uma parcela da arrecadação própria dos Estados, a exemplo do que vem ocorrendo com o ICMS;
– terá arrecadação federal e estadual;
– legislação será federal, anulando 27 regulamentos estaduais;
– base ampla, incluindo todos os serviços;
– terá alíquota seletiva e uniforme nacionalmente, por grupos de produtos e serviços;
– obedecerá o princípio da tributação no destino (mas cobrado na origem);
– não incidirá sobre exportações;
– incidirá sobre importações.
Seria mais simples e, possivelmente, mais apropriado que o IVA não só tivesse legislação federal, como também fosse administrado nacionalmente. A tradição brasileira, contudo, ainda não criou uma relação de cooperação e confiança que facilite esse formato. Por esta razão, parece-nos mais adequado trabalhar por um IVA regulado por legislação federal, mas cobrado através de duas alíquotas, uma federal, outra estadual.
A substituição de 27 legislações estaduais relativas ao ICMS (algumas delas com mais de 1.000 artigos), por uma única legislação federal, simplificará e racionalizará o sistema tributário.
A uniformização nacional e seletiva evitará diferenças de alíquotas para um mesmo produto. Sempre que for significativa a diferença entre alíquotas internas e interestaduais haverá espaço para a prática de irregularidades.
Uma das principais mudanças que a reforma tributária deve promover é a adoção do chamado princípio da tributação no destino no regime de tributação do IVA.
O beneficiário do recurso recolhido será o Estado onde se localiza o novo proprietário da mercadoria ou o destinatário do serviço prestado. Mas, para dificultar a sonegação, é preferível que a cobrança continue sendo feita no local da produção.
Já comentei no item 3 que a tributação na origem não é compatível com uma economia que pretenda ser exportadora. Além disso, há o problema da guerra fiscal. Como já enfatizamos, esse recurso prejudica seriamente a capacidade de crescimento da economia brasileira. Se um investidor pensa em instalar ou ampliar um negócio num Estado X, ele precisa avaliar o que pode vir a acontecer nos outros 26 estados durante o período relevante para o retorno de seu capital.
Caso acredite que poderá surgir um novo concorrente que venha a conseguir vantagem tributária específica e especial, ele poderá desistir do investimento por temer a perda de mercado no futuro. A vantagem tributária que alguma empresa concorrente venha a conseguir vai habilitá-la a praticar preços tão menores que os do possível investidor, a ponto de alijá-lo do mercado.
Este tipo de concorrência desleal potencial, implícito em nosso sistema tributário, precisa ser extirpado para que a economia brasileira possa voltar a crescer de maneira forte e sustentável. Se a distribuição dos recursos obtidos através do IVA se der segundo localização do consumo, é evidente que passará a ser menos importante a definição do local onde a produção é realizada
8 – Garantia de receita dos Estados que mais produzem que consomem
A transição para o regime de tributação no destino beneficiará a todos, a médio e longo prazo. Mas, a curto prazo, pode criar desequilíbrios financeiros.
Os Estados que hoje mais produzem que consomem poderão ter perdas na transição. No caso de São Paulo, por exemplo, segundo a Secretaria da Fazenda, detecta-se uma perda potencial de cerca de 16%, com a mudança.
Assim, é necessário introduzir o regime gradualmente, adotando, ao mesmo tempo, um sistema de garantia de receitas para esses Estados. Propomos um período de transição de 4 anos.
Quanto ao esquema de garantia de receita, temos pelo menos cinco alternativas possíveis, não igualmente desejáveis:
– mudança nos critérios de partilha do FPE, Fundo de Participação dos Estados;
– criação de um fundo de equalização com base em adicional de IVA;
– adicional de imposto de renda na competência estadual;
– imposto de venda a varejo na competência estadual;
– margem de tributação na alíquota estadual do IVA.
A primeira alternativa é a única que pode conciliar a transição para o regime de tributação no destino sem que haja, necessariamente, acréscimo na carga tributária global. A segunda, faz com que o acréscimo seja compartilhado por todos. As três últimas alternativas “c”, “d” e “e” concentram o acréscimo nos próprios Estados que perdem arrecadação.
A primeira é a mais adequada, tecnicamente. No Brasil os sistemas de tributação de renda e consumo desempenham um papel complementar quanto aos benefícios dos regimes de tributação e distribuição dos seus resultados.
O sistema de distribuição dos recursos obtidos conhecido como FPE, compensa os Estados que mais consomem que produzem. Assim, é natural que se avalie a possibilidade de rever os critérios de partilha desse Fundo. Isso não significaria perda para os Estados consumidores. O que eles ganhariam a mais na tributação do consumo seria abatido no recebimento do FPE.
Ainda que, tecnicamente, seja o arranjo mais correto, é inegável a dificuldade política, diante da alegação de que tal procedimento “prejudicaria” as regiões mais pobres. Sendo assim, ainda que seja necessário lutar por esta alternativa que nos parece a mais correta, convém examinar as demais.
A segunda, criação de um adicional do IVA com o fim específico de prover recursos para um fundo de equalização (sugestão do Ministério da Fazenda), tem outra dificuldade política. Os Estados que perderiam, rejeitam a idéia de ter suas finanças dependentes de um fundo de equalização. Por duas razões:
– sendo este fundo federal, os Estados ficam inseguros com relação à administração dos recursos e repasses que, eventualmente, poderiam vir a ser retidos por alguma razão;
– insegurança sobre como, no futuro, os legisladores virão a tratar tal fundo, ou seja, eventuais mudanças de critérios sobre a repartição de tais recursos recolhidos nacionalmente.
Face às dificuldades políticas da primeira e melhor alternativa e à rejeição dos Estados produtores com relação à segunda alternativa, resta-nos examinar as três seguintes.
Elas têm em comum o fato de que a garantia de receita do Estado se dará por aumento dos tributos dos contribuintes do próprio Estado. O que varia é a forma de tributação.
Das três, a mais apropriada é a última. Em primeiro lugar, porque não é adequado usar o instrumento da tributação da renda para compensar problemas provocados pela troca de regimes de tributação no consumo. Em segundo lugar, por razões que exporemos em seguida, será melhor deixar o IVV para a competência municipal. Além do mais, os administradores estaduais, se tiverem que aumentar a tributação no consumo, preferem fazê-lo ao longo da cadeia produtiva.
O inconveniente, além do aumento da tributação, é que ela impediria a completa uniformização nacional de alíquotas para um mesmo produto.
Contudo, estabelecida uma “banda tributária” de 20%, é possível que os efeitos negativos sejam mínimos. Caso a alíquota estadual de um produto venha a ser de 10%, permitir-se-ia a cobrança de uma alíquota de até 12%.
9 – A questão das alíquotas no novo sistema tributário
Alíquotas elevadas estimulam sonegação e elisão fiscal. O que torna problemática a questão das alíquotas é a desproporção entre o valor global de receita que precisa ser substituído e a atual capacidade de arrecadação do ICMS.
Para o sistema que desejamos, substituídos os tributos mencionados, precisamos de 121,6 bilhões de reais a preços de 1998. Ocorre que o ICMS atual arrecada 60,9 bilhões de reais.
Para arrecadar os 121,6 bilhões com um único tributo que tenha base semelhante à do ICMS, precisaríamos dobrar as alíquotas que, assim, se aproximariam de 35% – o que é totalmente inconveniente.
Para termos taxas razoáveis que significariam alíquotas globais sobre consumo não superiores a 20 % (federal e estadual mais a CGS), são necessárias três providências:
– ampliar a base do tributo sobre o consumo (IVA), o que significa entrar na base serviços do atual ISS;
– trabalhar com faixas de produtos especiais ou seletivos, com alíquotas superiores;
– adotar um imposto sobre vendas a varejo na competência municipal para substituir o ISS.
Além da importância para a redução das alíquotas do IVA e da CSG, a incorporação do ISS pelo IVA é importante por outro motivo. O setor de serviços cresce de tal maneira que, em muitos casos, é difícil separar mercadoria de serviço. Sendo assim, não é prudente manter um sistema tributário que procure fazer uma distinção formal, num mundo em que as distinções estão desaparecendo.
É fundamental, portanto, que o novo IVA absorva a base de arrecadação do ISS.
10 – A importância do IVV e a responsabilidade fiscal
É indispensável para o fortalecimento da federação que os municípios mantenham base tributária própria.
De um total de receita disponível de cerca de R$ 45 bilhões em 1998, a receita própria dos municípios eqüivale a pouco mais de R$ 13 bilhões (menos de 30%), dos quais, cerca de R$ 5 bilhões vêm do ISS. Dos outros R$ 32 bilhões que compõem as disponibilidades dos municípios, cerca de 18 bilhões vêm dos Estados e cerca de 14 bilhões da União.
Aumentar a responsabilidade dos gestores de contas públicas, em todos os níveis, é uma imposição. Não se pode contemporizar com o não cumprimento de metas fiscais.
Trata-se de evolução essencial no esforço por mais disciplina fiscal, o que exige contrapartida lógica. Quanto maior for a responsabilidade fiscal, mais autonomia devem ter os poderes locais para controlar fatias mais expressivas de suas disponibilidades.
Se concordamos com a importância de incorporar o ISS ao IVA, devemos inserir na competência municipal um sucedâneo para o primeiro. O IVV, aplicado com alíquotas baixas, com base ampla, a exemplo do IVA (cobrado sobre mercadorias e serviços), provavelmente apresentará resultado superior ao que os municípios hoje têm com o ISS. Se, eventualmente, for possível contar com uma base tributária equivalente a 50% do consumo das famílias, uma alíquota de 4% deverá mais que dobrar a atual arrecadação do ISS.
Conclusão
A empreitada não é simples e dificilmente haverá unanimidade em torno de uma mesma proposta. Mas o país não pode mais adiar o seu encontro com um sistema mais justo, inteligente e que promova o desenvolvimento.
O sentido dessa busca não é apenas técnico e econômico. É social e se posiciona como um alicerce da cidadania.
Interesses localizados, eventuais ou passageiros não podem se sobrepor à importância e à urgência desta tarefa.
O regrário que normatiza a tributação brasileira carece de lógica e racionalidade para que funcione adequadamente. O sistema tributário em vigor é resultante de décadas de medidas de ocasião adotadas em conjunturas específicas.
No que pese o tamanho do desafio, estamos diante de uma oportunidade de enfrentá-lo com sucesso.
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